Por Eric Platt e Colby Smith — Financial Times, de Nova York e Washington
20/04/2022 05h03 Atualizado há 2 horas
Pela primeira vez desde março de 2020, o rendimento real dos títulos de dívida dos Estados Unidos, que desconta a inflação, está prestes a ficar positivo, o que joga ainda mais pressão sobre os segmentos de maior risco nos mercados financeiros.
Desde o início de março, o rendimento real dos bônus de dez anos do Tesouro americano aumentou mais de 1 ponto percentual, chegando a 0,04% negativo ontem, sinal de que o pagamento oferecido pelos papéis se aproxima de superar a inflação projetada no médio prazo.
O salto no rendimento real foi desencadeado pela decisão do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) de se valer de um aperto monetário agressivo para reduzir a forte pressão de aumento dos preços. Isso já está enfraquecendo um dos pilares que sustentaram a forte onda de alta das ações e dos bônus de empresas verificada depois dos baixos patamares de dois anos atrás com a crise do coronavírus.
Ritmo de alta dos rendimentos dos títulos do Tesouro tem sido maior que o das expectativas de inflação
“O Federal Reserve vai drenar liquidez”, disse David Lefkowitz, chefe de renda variável nos EUA do escritório de investimentos do UBS. “Os segmentos mais especulativos do mercado são os que mais se beneficiam quando o Fed injeta liquidez e eles [podem] enfrentar (…) ventos contrários quando o Fed vai na direção contrária e retira [liquidez].”
Em 2020, a queda do rendimento real dos bônus governamentais dos EUA, de risco ultrabaixo, para terrenos negativos deu início a uma corrida dos investidores em busca de ativos que pudessem trazer retornos maiores. Como resultado, o valor de startups deficitárias e das firmas de tecnologia de alto crescimento, que havia chegado ao seu ponto mais baixo em março de 2020, avançou a passos acelerados até o fim de 2021, sendo acompanhado pelo dos bônus de alto risco de empresas.
Diante do aumento deste ano no rendimento real dos títulos governamentais, os investidores passaram a reconsiderar a validade de ter participações em empresas que podem ainda levar muitos anos para gerar grandes lucros. Algumas startups de capital fechado, como a Instacart, aceitaram reduzir o valor atribuído a suas operações, enquanto as ações de empresas deficitárias do setor de tecnologia desvalorizaram-se mais de 30% em 2022, segundo o Goldman Sachs.
Até o índice S&P 500, lar das ações das principais empresas de capital aberto dos EUA, acumula queda superior a 7% neste ano, uma vez que a combinação do aumento do rendimento real com as incertezas da guerra na Ucrânia assustou os investidores. No mercado de dívidas empresariais, o índice Ice Data Services, que acompanha o retorno dos bônus “junk”, de alto risco, de empresas americanas mostra queda de 6,3% em 2022.
O salto deste ano no rendimento real é reflexo do aumento no custo nominal dos empréstimos (não ajustado pela inflação) estimulado pelo Fed, que está elevando os juros e agindo rapidamente para enxugar seu balanço de US$ 9 trilhões, como forma de frear a intensificação das pressões sobre os preços ao consumidor.
O ritmo de alta dos rendimentos dos títulos do Tesouro tem sido maior que o das expectativas de inflação. A divergência indica confiança dos investidores na capacidade do Fed de reduzir os níveis preocupantes de inflação nos próximos anos. A taxa de retorno real zero, um indicador de mercado baseado nas previsões dos investidores para a inflação nos próximos dez anos, manteve-se em uma faixa aproximada de 2,75% a 3% nas últimas semanas, bem abaixo da inflação de março de 2022 de 8,5%.
“Há uma dose razoável de fé na capacidade e disposição do Fed de combater a inflação”, disse Ian Lyngen, estrategista da BMO Capital Markets. “O que está em questão não é se a calibragem da resposta do Fed é a adequada para a inflação no momento, mas a crença por parte dos participantes do mercado de que o Fed ajustará a política conforme necessário.”
O aumento dos rendimentos reais também mostra como o Fed foi capaz de ir ajustando as condições financeiras ao longo do tempo, uma mudança que Lael Brainard, uma das governadoras do banco central, escolhida para ser a próxima vice-presidente, reconheceu na semana passada.
“As comunicações sobre nossos planos de política monetária já vinham apertando essas condições financeiras como um todo nos últimos quatro a cinco meses, consideravelmente mais do que você poderia discernir apenas olhando para a taxa básica de juros”, disse ela em evento organizado pelo “The Wall Street Journal”.
custo dos empréstimos para as empresas teve forte alta, assim como as taxas das hipotecas para os consumidores, que na semana passada atingiram 5% pela primeira vez desde 2011, de acordo com a Freddie Mac.
Apesar desses aumentos, as condições financeiras “ainda estão bastante frouxas”, segundo John Madziyire, gerente de carteira de investimentos na Vanguard. “Isso pode significar que o Fed precisaria fazer mais, mas é muito cedo para saber.”
Os economistas estão divididos sobre o quanto os rendimentos reais podem aumentar, dada a rápida mudança já ocorrida. Alguns, contudo, alertam para a possibilidade de mais aumentos, à medida que o Fed continuar agindo para conter a inflação.
“A pergunta do milhão é até que ponto os rendimentos reais vão subir”, disse Lefkowitz.
Fonte: Financial Times / Valor Econômico

