O investidor estrangeiro está saindo do modo crise, depois do choque causado pelo anúncio do aumento das tarifas comerciais por Donald Trump, e está ajustando a carteira, reduzindo nomes mais sensíveis a uma recessão global, segundo gestores ouvidos pelo Valor. O aparente fim do momento mais agudo pós “Liberation Day” — dia em que o presidente americano anunciou as tarifas recíprocas — tem levado a uma visão mais positiva de emergentes e gradualmente elevado a demanda por fundos que investem em “bonds” desses países.
Dados compilados pela gestora SPX mostram que a captação líquida dos fundos de mercados emergentes em moeda estrangeira chegou a US$ 3,6 bilhões negativos nos dias seguintes ao tarifaço, anunciado em 2 de abril, pior resultado em pelo menos dois anos. Na semana seguinte, as saídas superaram as entradas em US$ 2,4 bilhões. A partir da última semana de abril, porém, o fluxo virou e ficou positivo até a última semana de maio, quando houve retiradas líquidas, mas bem mais modestas, de US$ 513 milhões.
“Os movimentos foram exagerados, e de fato o mercado se acalmou depois dessa saída forte, uma vez que os ativos andaram muito”, diz Albano Franco, sócio responsável pela área de crédito de mercados emergentes da SPX.
“O cenário mais calmo tem contribuído para observar mais demanda por ativos emergentes”, diz Nikolau Muller, sócio e analista de crédito, focado no mercado internacional da JGP. “O cenário de dólar mais fraco e commodities estáveis é positivo para emergentes, e o estrangeiro voltou a comprar.”
Eduardo Alhadeff, sócio e CIO (diretor de investimentos) da área de crédito da Ibiuna, também vê melhora e uma tendência de aos poucos mercados em desenvolvimento serem procurados por estrangeiros. “Temos percebido o fluxo voltando.”
No ano, o resultado foi de US$ 11,5 bilhões negativos para US$ 10,6 bilhões, patamar superior ao do mesmo período do ano passado, quando estava em US$ 9,4 bilhões no vermelho. Os dados são da EPFR, consultoria que mede o fluxo de recursos dos fundos globalmente. Para Franco, os emergentes têm a vantagem de estar com um ponto de entrada em spreads bem mais convidativos e taxas nominais ainda mais atraentes. “Os juros reais americanos também favorecem a escolha dos países em desenvolvimento”, afirma.
O sócio da SPX ressalta que os fundos globais de emergentes estão há três anos seguidos com a alocação estagnada em US$ 2,5 trilhões no caso dos bonds corporativos e de US$ 1,5 trilhão em soberanos. A menor preferência pelos Estados Unidos “depois que a poeira do tarifaço baixar” pode elevar a atratividade da classe, de acordo com ele.
A SPX vem sofisticando sua grade de produtos, diz Franco, também prevendo uma demanda maior do investidor doméstico. “Consideramos o mercado local bem explorado, mas o brasileiro vai se internacionalizar.”
Com R$ 58 bilhões sob gestão, sendo R$ 6,4 bilhões em crédito, a asset abriu em novembro o Bluehawk, fundo offshore que investe em emergentes, tanto soberanos e quando de grandes empresas (tanto grau de investimento quanto e “high yield”, como são chamadas as que têm perfil mais arriscado), além de índices de crédito de emergentes e juros, com risco moderado. O retorno está em 8% a 10% em dólar e o patrimônio líquido, em de US$ 100 milhões. O risco é concentrado em Brasil e América Latina e é 100% no exterior, mas a aplicações têm veículo local em reais que oferece proteção cambial e outro offshore, este em dólares, sediado em Cayman.
O Seahawk Global, criado em 2021 e que serve de referência para o novo fundo, investe em crédito corporativo brasileiro de baixo risco, enquanto no exterior — onde pode alocar até 40% dos recursos — é focado em Brasil e América Latina, mas pode alocar em outros emergentes. A SPX tem ainda o Seahawk, de 2020, com R$ 3,2 bilhões, composto por títulos de dívida local com rating superior a “BBB” e dívidas corporativas de empresas listadas, e dois de debêntures incentivadas, lançados no fim de 2023, com R$ 700 milhões.
Alhadeff, da Ibiuna, diz que a gestora já estava com baixo risco em carteira quando Trump tomou posse, certa de que o presidente levaria volatilidade ao mercado. A inesperada magnitude do movimento, porém, fez com que, “mesmo com posição pequena, todos os gestores que investem em bonds sofressem.” Segundo ele, uma análise dos fundos de crédito a partir de 2 de abril evidencia a diferença de desempenho entre os que têm somente local e os que também investem offshore. “Geralmente quem tem os dois em carteira consegue desempenho mais consistente mas agora sofreu.”
O intenso vaivém desde então levou à leitura de que Trump se surpreendeu com a reação negativa. Alhadeff afirma que o cenário daqui para a frente ainda é nebuloso. “As economias vão desacelerar? Provavelmente sim, mas o quanto disso vai ser transformado em juros mais baixos é uma incógnita, porque não temos sinais claríssimos de desaceleração da economia americana.”
Para o sócio da Ibiuna, que tem R$ 13 bilhões sob gestão, a América Latina sai menos prejudicada e o Brasil pode ser um dos ganhadores. Ele diz que os preços de títulos de empresas americanas “high yield” caíram mais que os de emergentes da América Latina. “Os emergentes entram e saem do radar muito pela diferença de juros para os países desenvolvidos e aos poucos vão ser procurados. No mundo de bonds corporativos, desde gigantes como Vale e PetrobrasCotação de Petrobras até empresas menores podem voltar ao foco.”
Nas alocações da casa, a visão é cautelosa frente a empresas globais que façam parte de cadeias globais e mais otimistas para mercado local, embora de olho nas tensões em relação à política fiscal e às eleições do ano que vem. “Estamos selecionando países e setores, com receio frente a países expostos a petróleo, por exemplo.”
No exterior, ele diz que está otimista porque há oportunidades com preço baixo. E prefere evitar bonds de empresas brasileiras. Bancos e setores elétrico e imobiliário do México, empresas de saúde no Peru estão entre as escolhas. “No mercado local também estamos otimistas, não está tão barato quanto o offshore.”
Muller, da JGP, conta que a gestora estava concentrada no mercado doméstico desde a crise de Americanas, quando os prêmios de risco aqui estavam melhores. No entanto, a grande demanda por crédito de um ano para cá levou a uma redução dos spreads no Brasil à média de 1,7 ponto percentual, enquanto no offshore o movimento foi diferente.
“Voltamos a observar spreads mais altos. Comprávamos bonds a 7% ao ano com custo de swap [credit default swap, o CDS, uma espécie de seguro contra calote] a 6,5%. Hoje esse mesmo vértice de swaps está na casa de 5%.” Na média, prossegue, os prêmios de risco offshore estão entre 2 e 2,5 pontos percentuais, enquanto no mercado local correspondem a 1,7. Na casa, a preferência é, ao contrário da Ibiuna, por empresas brasileiras que acessam o mercado internacional, com 60% da carteira e o restante em América Latina — em empresas com menos exposição ao cenário macro global de México, Peru e Colômbia.
“Empresas que captam no mercado offshore são líderes de seus segmentos, estão no topo da pirâmide corporativa”, diz. Segundo Muller, a equipe revisou fundamentos e adicionou instrumentos de proteção, comprando uma cesta de CDS de empresas americanas. “Aproveitamos para fazer compras pontuais. Lá o retorno está no equivalente a CDI mais 3%, enquanto aqui está CDI mais 0,9%.”
O sócio da JGP, casa com quase R$ 50 bilhões sob gestão, diz que no pior momento os bonds caíam de 3% a 3,5%, fecharam abril com queda de 1% e no acumulado no ano até maio subiam de 1,7% a 2%.
Fonte: Valor Econômico

