06/06/2022 – Jornalista: Fernando Canzian
A alta de preços dos produtos exportados pelo Brasil não tem beneficiado a economia como no último boom das commodities, do início dos anos 2000 até meados da década passada. No período, o país teve aceleração da economia e queda do dólar, o que ajudou a controlar a inflação e a reduzir a pobreza extrema.
Agora, mesmo com o preço de itens agrícolas e minerais em alta, há um cenário de inflação global, o que encarece importações como de combustíveis e fertilizantes.
Com os últimos oito anos marcados por um crescimento medíocre, déficits e endividamento público, 2021 foi o único em que o país registrou superávit primário.
Apesar do elevado valor das commodities, a situação fiscal precária e a eleição polarizada, com ameaça golpista de Jair Bolsonaro, têm contribuído negativamente, mantendo o país fora do radar de investidores. O risco Brasil, medida de solvência das contas públicas, segue acima da média dos emergentes.
São Paulo A disparada de preços dos produtos exportados pelo Brasil não está beneficiando tanto a economia como no último boom das commodities, do início dos anos 2000 até meados da década passada.
Na época, houve aceleração do crescimento econômico e queda do dólar, o que ajudou a manter a inflação relativamente sob controle, aumentou a renda nacional e derrubou a taxa de pobreza extrema ?de 27,5% da população em 2001 para 8,4% em 2014.
Desta vez, apesar de os preços dos produtos agrícolas e minerais terem disparado, há um ambiente de inflação global, o que encareceu as importações, sobretudo de combustíveis e fertilizantes, além de bens de consumo e máquinas e equipamentos.
Isso diminuiu a quantidade de produtos que o Brasil poderia importar com os dólares de suas exportações ?piorando os termos de troca, como essa relação é chamada.
Outra diferença fundamental é que, nos anos 2000 e até 2013, o Brasil manteve as contas públicas ajustadas, com superávits primários anuais para pagar juros da dívida pública e reduzir o endividamento estatal.
Com menor risco de insolvência, o país atraiu bilhões de dólares em investimentos especulativos e produtivos, pressionando para baixo a cotação da moeda americana. Entre 2000 e 2014, o valor médio do dólar foi de R$ 2,30.
Com o real mais forte naquele período, o Brasil elevou seus termos de troca e importou mais, inclusive máquinas e equipamentos para aumentar a produção e a produtividade da economia.
Os superávits primários ganharam força no segundo governo FHC (1999-2002) e foram mantidos nos dois mandatos de Lula (2003-2010). Mas seriam abandonados no último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff, em 2014, quando a economia mergulharia na forte recessão que subtraiu 6,8% do PIB no biênio 2015/2016.
Nos últimos oito anos, marcados por crescimento medíocre, déficits e alta do endividamento público, 2021 foi o único em que o Brasil registrou superávit primário, equivalente a 0,75% do PIB. Como comparação, no governo Lula essa economia para reduzir a dívida pública chegou a 3,7% do PIB no biênio 2004/2005.
Neste momento, apesar do ainda elevado patamar de preços das commodities, a situação fiscal precária e a aproximação de uma eleição polarizada, com ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro (PL), têm contribuído negativamente, mantendo o país fora do radar de investidores.
O chamado risco Brasil, uma das medidas de solvência das contas públicas, permanece sistematicamente acima da média dos emergentes, contribuindo para manter o dólar em patamar elevado.
Com a perspectiva de aumento de juros nos Estados Unidos para conter a inflação, a tendência é que o dólar se fortaleça mais em quase todo o mundo ?a medida em que títulos do governo americano se tornarem mais atrativos aos investidores.
?Existe a tentação de procurar semelhanças entre o atual ciclo de commodities e o anterior. Mas é comparar banana com laranja. Não só situação fiscal brasileira é completamente diferente, como o mundo mudou?, afirma o expresidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore.
?Ao contrário dos anos 2000, muitos países estão aumentando os juros para conter a inflação, e a China não cresce mais entre 8% e 12% ao ano. Muitos preveem inclusive que as commodities cedam em 2023. Para o Brasil, a desaceleração econômica não será pequena.?
Para Livio Ribeiro, pesquisador do FGV-Ibre e sócio da consultoria BRCG, o melhor momento do atual ciclo de commodities inclusive já ficou para trás levando-se em conta os termos de troca mais favoráveis ao Brasil.
?Eles [termos de troca] ficaram elevados até julho de 2021 e pioraram ao final do ano passado e início de 2022, quando houve aceleração brutal dos preços dos importados, sobretudo de combustíveis e matérias primas para fertilizantes.?
Como o Brasil ainda importa muitos bens industriais, a desorganização das cadeias globais produtivas durante a pandemia também reforçou o aumento de preços dos produtos comprados no mercado internacional.
Apesar da boa relação entre o que o Brasil podia importar com o resultado das exportações em 2021, o dólar se manteve acima de R$ 5 durante quase todo o ano, período em Bolsonaro intensificou ataques às instituições.
Segundo dados da BRCG, a maior parte da desvalorização do real no ano passado foi consequência de fatores internos. Neste ano, é o cenário internacional de alta dos juros que pressiona a moeda.
?Normalmente, num ciclo
?Ao contrário dos anos 2000, muitos países estão aumentando os juros para conter a inflação, e a China não cresce mais entre 8% e 12% ao ano
Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC
positivo para as commodities, há forte valorização do real, com impactos positivos para a renda. Mas não foi o que vimos no ano passado, período de muita instabilidade política. Neste ano, temos um ciclo eleitoral polarizado se aproximando, o que não ajuda?, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social.
Após a forte queda na taxa de pobreza extrema calculada pelo FGV Social no boom anterior das commodities, o indicador fechou 2021 em 13% (bem acima do piso de 8,4% em 2014). Há hoje no país 27,5 milhões pessoas vivendo com menos de R$ 290 ao mês (R$ 9,60 ao dia).
Embora o impacto do atual ciclo de commodities não seja tão favorável quanto o anterior por questões internas (situação fiscal e política) e externas (inflação global e alta de juros), ele tem impactado positivamente na receita de impostos do governo federal e dos Estados.
O problema, na opinião de Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, é muitos Estados vêm aumentando gastos permanentes, como no caso de reajustes para o funcionalismo, com o resultado de uma receita extra que poderá diminuir no futuro.
?Já vemos uma desaceleração nas commodities metálicas, e os preços em geral tendem a se acomodar com a diminuição da atividade nos Estados Unidos e na Europa a partir da alta dos juros em curso?, afirma Vale.
No Brasil, pelas projeções da MB Associados, o PIB deve crescer 1,1% neste ano e desacelerar para 0,5% em 2023 ? puxando para baixo também a arrecadação.
Para Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV, o aumento da arrecadação com a alta das commodities tem um ?efeito anestésico? que mascara a precariedade das contas públicas de muitos Estados e do governo federal.
?Os efeitos colaterais de mais gastos agora estão sendo empurrados para frente. Quem está revisando o PIB de 2022 para cima também está colocando o de 2023 para baixo. A ressaca pode começar já no segundo semestre?, afirma.
Nesse sentido, o Brasil estaria repetindo o comportamento do ciclo anterior: em vez de usar parte do dinheiro adicional para ajustar as contas, cria novas despesas que pode não ter como pagar no futuro.
Fonte: Folha de S.Paulo