No momento em que o mercado começa a intensificar as apostas sobre quando o Banco Central (BC) deve começar a cortar a Selic, o Ibovespa tem mostrado uma dinâmica bastante atrelada ao comportamento dos juros de mercado. O movimento tende a ganhar força, diante de uma visão de parte dos investidores de que há espaço para uma valorização forte da bolsa, a depender do processo de flexibilização monetária.
O Ibovespa costuma apresentar dois movimentos de alta quando são analisados os ciclos de flexibilização monetária no Brasil. O primeiro, menos expressivo, já ocorre antes do início dos cortes, quando o mercado ainda está tateando a magnitude do ciclo; o segundo, mais intenso, costuma acontecer bem depois do início da flexibilização monetária. O apontamento é feito pelo Santander, em um levantamento feito a pedido do Valor, que contempla 11 ciclos de flexibilização monetária no Brasil vistos desde 1999.
No estudo, o banco também destaca que ações de serviços públicos, como energia elétrica e saneamento, compiladas no índice do setor na B3Cotação de B3, costumam registrar os maiores retornos nos 12 meses que antecedem o início do ciclo, com rentabilidade de 35%. Porém, os papéis só voltam a ganhar maior tração novamente entre 12 e 24 meses após o começo dos cortes da Selic. A pesquisa mostrou também que os ganhos obtidos pelo índice que reúne as ações do setor imobiliário na B3Cotação de B3 tendem a ser ainda mais expressivos 12 meses após o início da flexibilização, chegando a 51% nesse período.
Vale lembrar que, no ciclo esperado para ter início em 2026, será a primeira vez que o processo de redução dos juros deve se iniciar em um ano eleitoral. Nesse sentido, é possível que a volatilidade aumente e que os retornos sejam afetados, especialmente diante de um nível elevado de Selic, de 15%.
A última vez em que os juros estiveram em patamar semelhante foi em 2016, quando bateu 14,25% ao ano e o Banco Central deu início ao ciclo de cortes em outubro. Nos seis meses que antecederam o afrouxamento monetário daquele ano, o Ibovespa subiu 20,0%, lembra o estrategista de ações da Santander Corretora, Ricardo Peretti.
No semestre seguinte, destaca o profissional, a valorização foi de apenas 1,3%. Já entre 24 e 36 meses após o início do corte, que começou em 2016, a alta dos papéis do índice atingiu 21,2% e 35,6%, respectivamente, indicando que a rentabilidade tende a se intensificar no longo prazo.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2025/e/J/Xbnz1oTqyWcG1FuLpmAA/arte14fin-103-bolsa-c1.jpg)
Já ao observar a mediana dos retornos do Ibovespa desde 1999, a rentabilidade do índice subiu 25% nos 12 meses anteriores, enquanto houve queda de 6,4% no semestre antes do início dos cortes. O estudo mostra ainda uma melhora três meses antes do início do afrouxamento monetário, com o desempenho voltando a ficar positivo em 9,3%. No entanto, a performance de 12 e 24 meses após o início do ciclo surpreende, com ganhos de 12,3% e 29,4%, nessa ordem.
“A gente sempre tem a percepção de que o mercado se antecipa ao início do corte de juros e, de fato, isso ocorre; mas é bem verdade também que tem uma segunda pernada, se esse movimento de corte de juros do Copom for prolongado”, afirma o especialista do Santander.
Em meio a sinais de desaceleração da atividade, confirmados pelo IPCA de julho abaixo da mediana das projeções, gestores destacam como a política monetária restritiva afeta a economia real e apontam que este é o momento para se posicionar em papéis que devem se beneficiar do ciclo de queda da taxa básica.
“Está havendo uma desaceleração, principalmente no setor doméstico, de varejo e consumo. Os impactos da Selic mais alta por muito tempo estão afetando o bolso do consumidor”, afirma o CEO da gestora de ações Alpha Key, Christian Keleti. “Há uma possibilidade relevante de que o Copom reduza a taxa em 300 pontos-base [3 pontos percentuais] ou mais no ano que vem, dado o cenário que estamos observando.”
Nesse contexto, Keleti explica que a gestora está começando a avaliar o aumento da exposição a setores domésticos, mas ressalta que o foco está em companhias que não estão “estressadas” nem excessivamente alavancadas, pois acredita que este não seja o momento para assumir riscos nesse tipo de companhia. Assim, duas posições relevantes no portfólio são Assaí e C&A, que, segundo ele, estão entregando bons resultados há vários trimestres.
“O Assaí está reduzindo os investimentos para ganhar eficiência, diminuir a alavancagem e ajustar operações, para retomar vendas num momento melhor à frente. A C&A, considerada a melhor empresa de ‘fast fashion’ [produção em grandes quantidades e rápida] nos últimos dois anos, deve se beneficiar de um possível corte de juros, já que está calibrando seus riscos e pode ter mais confiança nas vendas de cartões”, detalha o executivo da Alpha Key.
Ainda que as ações voltadas para o consumo, agrupadas no índice setorial da B3Cotação de B3, tenham registrado retornos de 7,8% nos 12 meses anteriores ao início dos cortes de juros, o estudo do Santander mostra que os papéis do setor obtiveram uma rentabilidade ainda maior, de 39,0%, um ano depois que o afrouxamento monetário começou, de fato.
Outro destaque está nos retornos obtidos por companhias de menor valor de mercado, as chamadas “small caps”. Conforme o levantamento do Santander, desde 1999, as maiores rentabilidades registradas pelo índice que agrupa empresas do tipo foram registradas entre seis e 12 meses após o início do ciclo de cortes, com o ponto médio dos ganhos ficando em 25,6% e 27,1%, respectivamente.
Dentro da categoria de small caps, Brisanet, Intelbras e Priner são algumas das apostas da Leblon Equities para surfar com o recuo da Selic. Pedro Rudge, sócio-fundador na casa, explica que a queda dos juros costuma elevar o apetite a risco e beneficiar empresas que possuem uma dificuldade maior de acesso a crédito, como companhias de menor valor de mercado.
Além de monitorar o ciclo de flexibilização monetária, a Leblon calcula as assimetrias que podem ser geradas em um cenário de possível alternância de poder em 2026. De olho no preço atual, a gestora adicionou recentemente posições compradas (que se beneficiam da valorização) em Petrobras e Banco do Brasil. “Olhamos quanto que está o preço hoje e não nos parece que o mercado está precificando adequadamente uma eventual troca de governo em 2026”, pontua o sócio da casa.
Embora o curto prazo possa ser marcado por dúvidas em torno da inadimplência do agronegócio no Banco do Brasil e por incertezas sobre a elevação dos investimentos feitos pela Petrobras, o executivo da Leblon entende que há uma margem de segurança. “Tem uma ‘gordura’ para queimar, mesmo assumindo essas premissas. Somadas, as posições devem dar algo próximo de 4% do portfólio”, observa Rudge. Ele destacar que a casa leva em conta um horizonte de investimento entre três e cinco anos e que não costuma dar um “peso desproporcional a visões mais de curto prazo”.
Um estudo da equipe do Bank of America (BofA), com 31 gestoras da América Latina, que somam cerca de US$ 110 bilhões sob gestão, mostrou mudanças em relação ao período que as casas estimam que os investidores irão começar a se posicionar com foco nas eleições.
Em julho, 57% das gestoras latino-americanas responderam que os movimentos focados no “trade eleitoral” deveriam começar no último trimestre deste ano, ou até mesmo antes. Neste mês, apenas 22% das casas afirmaram que a movimentação deve ter início no fim do ano. Hoje, as maiores apostas estão no primeiro e no segundo trimestres do ano que vem.
O chefe da corretora do Scotiabank no Brasil, Michel Frankfurt, lembra que as eleições não costumavam fazer tanto preço nos ativos brasileiros, o que mudou diante da maior polarização da corrida eleitoral vista nos últimos anos.
“Temos propostas diametralmente opostas. A polarização vai gerar volatilidade em meio a um país dividido”, pondera Frankfurt. “O presidente estava com a popularidade em queda, o que mudou agora. Imagina o impacto quando estivermos perto”, acrescenta.
Fonte: Valor Econômico

