Por Victor Rezende — De São Paulo
10/07/2023 05h02 Atualizado há 5 horas
Os bancos centrais de países emergentes estão colhendo os frutos de terem colocado os juros reais em nível altamente restritivo e, agora, se preparam para um início de ciclo de flexibilização monetária, enquanto no mundo desenvolvido a situação é bem diferente. É o que aponta, ao Valor, o sócio e CIO da Legacy Capital, Felipe Guerra, ao mostrar uma visão mais construtiva com os juros de países emergentes, em especial com o Brasil. A Legacy vê oportunidades, ainda, no mercado de crédito “high grade” e tem posições liquidamente compradas em bolsa brasileira, ao ter em vista um cenário de início do ciclo de cortes na Selic.
Valor: A Legacy tem apostado em mercados emergentes. Por quê?
Felipe Guerra: A política monetária funciona, mas ela tem suas defasagens. Quem atuou corretamente foram os bancos centrais de mercados emergentes, especialmente os da América Latina, que elevaram os juros, deixaram as taxas reais bem positivas e estão colhendo os frutos com uma ancoragem das expectativas de inflação. E a atividade até está ‘ok’; a massa salarial está alta; o desemprego baixo Chile, México e Brasil são casos bem parecidos, em que os bancos centrais colocaram os juros em um território claramente restritivo e, agora, a política monetária está fazendo efeito. Em algum momento esses bancos centrais vão poder implementar um relaxamento monetário.
Valor: É uma situação diferente em relação aos desenvolvidos
Guerra: Bem diferente. Os bancos centrais no mundo desenvolvido atuaram de forma tímida e não tiveram apoio do lado fiscal. Há muita dúvida no cenário internacional sobre se o juro está restritivo o suficiente para fazer a economia desacelerar. Nos EUA, parece que 5,25% não é suficiente, talvez tenham de colocar o juro a 6%; no Reino Unido, parece que o juro terá de ir a 7%, porque 6% não é suficiente Parece que o mundo desenvolvido precisa de juros mais altos por mais tempo para colher os frutos da reorganização da economia. A inflação não desaparece igual fumaça. Sabemos o quão duro é ancorar as expectativas.
Valor: E como esse cenário se traduz nas posições da Legacy?
Guerra: Estamos mais em um fim de ciclo. Por isso, buscamos perseguir os ativos de onde a atividade está fraquejando primeiro e onde os juros estão mais restritivos. Estamos aplicados em juros de mercados emergentes e nos mercados desenvolvidos mais fragilizados. Gostamos dos juros do Brasil, do México, do Chile, do Canadá e da Nova Zelândia. Mas temos uma preferência clara pelos emergentes e por isso ficamos mais neutros em desenvolvidos. Esse ambiente de incerteza não é muito claro sem ser muito propício para risco. Continuamos cautelosos com ações. Neste mundo, em que ninguém sabe se a recessão está chegando ou não, é melhor evitar ações. A recessão não avisa que vai chegar. À medida que você vai apertando a política monetária e levando para níveis mais restritivos, a probabilidade de acontecer algo não esperado aumenta. Estamos muito cautelosos.
Valor: Essa chance de aperto adicional dos juros no mundo desenvolvido pode afetar os emergentes?
Guerra: É um ponto de preocupação adicional. Se o juro americano for para um nível mais restritivo, os países que iriam cortar os juros podem cortar menos. Aqui, se a Selic iria para 9%, por exemplo, pode ir somente a 10%. A economia dos EUA é um importante balizador dos juros. Se a taxa americana vai subindo, você tem que ter mais prêmio em outros lugares para abrir mão de estar aplicado nos Treasuries. Com os EUA subindo os juros, isso tem um efeito generalizado. Mas, mesmo que convivamos com a dificuldade de uma economia americana mais forte, preferimos aplicar nos juros de países que estão com uma atividade econômica mais frágil.
Valor: É o caso do Brasil?
Guerra: Sim. O Brasil entra no contexto geral da América Latina. Havia um ceticismo muito grande no começo do ano por conta das eleições e da perspectiva de mudança da política econômica. No final, os governos estão colhendo os frutos de bons trabalhos feitos pelos bancos centrais, que agiram rápido, colocaram os juros em nível restritivo para reorganizar a economia e trouxeram a inflação para baixo. O governo brasileiro colhe os frutos do bom trabalho feito pelo BC. Com persistência, parcimônia e serenidade, o BC fez um excelente trabalho de levar o juro a um patamar restritivo, mantendo por um período, ancorando as expectativas e esperando a resolução do arcabouço, da meta e da nova diretoria. O Chile deve começar a cortar os juros já agora em julho; o Brasil, em agosto; e o México, em setembro.
Valor: A curva de juros do Brasil teve uma queda relevante no ano…
Guerra: O Brasil andou demais, por isso reduzimos um pouco as nossas posições. O FRA do segundo semestre do ano que vem aponta uma taxa próxima de 8,9%. Se considerarmos um prêmio de risco de 0,4 ponto ou 0,5 ponto, o juro precificado seria de 8,5%. Esse nível de taxa com uma inflação de 4,5% indicaria um juro real de 4%, o que seria estimulativo. Não nos parece que o BC precise levar os juros para o campo estimulativo. O BC precisa tirar a gordura dos juros e trazer a Selic para um nível próximo do neutro.
Valor: Existe espaço ainda para queda adicional das taxas?
Guerra: Como o mercado já chegou a uma precificação de Selic de 8,5%, agora é muito mais um jogo de acertar se o BC vai entrar em um corte de 0,25 ponto ou de 0,5 ponto. É mais um jogo de ritmo do que de taxa terminal. O mercado apreçou uma taxa terminal agressiva e, por isso, recolhemos as nossas posições. Mas, daqui até o Copom, tem jogo. Se os dados forem favoráveis, podemos ver um corte de 0,5 ponto. Como o juro está bastante magro, temos posições menores, mas dá para ganhar alguma coisa.
Valor: Essa queda prevista dos juros favorece a bolsa?
Guerra: Se a curva de juros estiver certa, e se for verdade que a taxa terminal de juros é de 8,5% no ano que vem, e o BC conseguir executar o que está precificado, ao longo do caminho vamos ver a bolsa subindo e vamos ter o mercado de crédito melhorando. Historicamente, em toda vez que o BC corta os juros, seis meses depois a bolsa sobe acima do CDI. Temos confiança de que, à medida que o juro vai buscando patamares menores, a bolsa deve buscar níveis mais altos. Mas, como estamos preocupados com o cenário global, estamos comprados em bolsa brasileira, mas temos hedge com venda de bolsa europeia e mexicana. Gostamos também de mercado de crédito e preferimos o “high grade”.
Valor: E em relação ao real?
Guerra: Estamos mais neutros. A posição técnica é pior. Mais gente gosta por causa do ‘carry’ e da atratividade dos juros. Tem muito estrangeiro e local posicionado, o que torna o real vulnerável a algum susto, a alguma correção no mercado externo. E, pela parte de preço, já andou bastante. O dólar chegou a R$ 4,75, um preço que nós achamos relativamente baixo. E, pelo lado do fundamento, se a curva brasileira está certa e o juro aqui vai para 8,5%, 9%, enquanto o juro americano vai subir a 6%, a atratividade da moeda vai cair muito. Hoje estou neutro, mas, a médio prazo, minha visão é mais negativa.
Fonte: Valor Econômico