Não teve tarifaço, ameaças de sanções adicionais contra o Brasil ou especulações políticas que tirassem o brilho das alternativas de investimentos de maior risco em agosto. Os principais índices da bolsa brasileira voltaram a emplacar um mês positivo, com alta de 6% para o Ibovespa, com o referencial de ações do setor imobiliário com ganhos de 13,11%. No ano, acumulam, respectivamente, valorização de 17,26% e 55,55%.
Na renda fixa, o alongamento da carteira tem compensado, com o IMA-B 5+, de títulos atrelados à inflação com prazo acima de cinco anos, subindo mais um degrau, 0,86% no mês, com valorização de 10,01% desde janeiro, ante 9,03% do gordo CDI até aqui. O índice de fundos imobiliários (Ifix) também foi bem nesta passagem temporal, com alta de 10,78%. O IPCA projetado para o período está em 3,11%, o que significa que a diversificação com as principais classes de ativos locais tem preservado o poder de compra do investidor.
O anúncio da taxação de bens brasileiros importados pelos Estados Unidos em 50% – mesmo com uma lista considerável de exceções -, em julho, foi um choque. Ali, a equipe de gestão do UBS Wealth Management no Brasil ponderou se o episódio seria um ponto fora da curva ou se derrubaria a tese de investimentos em um país até então considerado neutro geopoliticamente, diz Luciano Telo, executivo-chefe de investimentos (CIO).
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Em agosto, o real voltou a se apreciar e as expectativas de inflação embicaram para baixo. A dúvida é se o fluxo de capital externo mais errático para a bolsa vai continuar depois do soluço. “O ambiente foi benigno, mas com grande participação do estrangeiro que ainda não mostrou que está na tendência do primeiro semestre”, diz Telo.
Para ele, a mensagem mais dura do Banco Central (BC), de que vai precisar de tempo para ver sinais mais consistentes de inflação para baixo atrasou, mas não mudou a rota de redução da Selic à frente. Com o dólar na casa de R$ 5,45, ante previsões de que poderia testar os R$ 5,20 no fim do ano, o prognóstico de corte da Selic em dezembro não saiu do jogo, mas as chances pendem para o primeiro trimestre de 2026. A previsão do UBS hoje é que haja um ajuste de um ponto percentual, a 14% ao ano.
A possibilidade de o Federal Reserve (Fed, o BC americano) começar a relaxar a sua política monetária em setembro ajuda, mas a percepção agora é que o Brasil, que era um dos preferidos entre os emergentes para receber o capital estrangeiro, agora vai acompanhar a média de outros mercados latino-americanos como México, Chile e Colômbia, diz Telo.
Na composição da carteira, as Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B ou Tesouro IPCA+) ainda mostram taxas historicamente atrativas, mas a velocidade de valorização da bolsa pode ficar mais parecida com a de outros mercados, continua o executivo. “Todo mês, a avaliação é se é hora de aumentar o risco ou não; se adicionar vai ser em bolsa, mas sem pressa.”
Hoje, a recomendação é apenas a alocação estrutural em ações, com um peso maior para as estratégias ligadas a juros reais, nos títulos do Tesouro com vencimento em 2035. “Juro real a 7,5% ainda tem prêmio. Para isso fechar [a taxa diminuir e virar ganho de capital] e virar preço, um dos gatilhos pode ser o Fed, primeiro; e, segundo, o BC brasileiro antes de a eleição de 2026 ser um fator”, afirma Telo. “A gente não vê descontrole fiscal total, esse ‘yield’ alto imagino que vá ter alguma correção de rumo no meio co caminho, o juro real não é sustentável.”
Mas o agente dessa valorização, diz, deve ser justamente o investidor local, porque o estrangeiro não tem procurado esse ativo. Só que o brasileiro está “anestesiado com os 15% ao ano [do CDI], não tem feito um movimento de adição de risco, mas gradualmente vai ser forçado porque o preço vai convergir se o juro de curto prazo cair”.
Lá fora, as bolsas americanas também mostram bom desempenho, com o S&P 500 com valorização de 10,55% no ano. “Com todas as incertezas, as bolsas estão andando”, continua Telo. “Embora a sensação de que está tudo muito nervoso, os mercados estão relativamente bem comportados e justificando a alocação de risco. Quando a gente conversa com o investidor, ele se surpreende, mas as preocupações são legítimas, podem mudar os preços.”
Algumas respostas no ambiente local e internacional ainda não estão claras e por isso o Santander também não acelerou na tomada de risco, segundo Caio Martins de Camargo, estrategista líder de investimentos do grupo espanhol no Brasil. Com o Fed cortando os juros de referência do mundo, aumentaria o diferencial com o Brasil e, em tese, o BC também encontraria seu espaço para começar a aliviar a política monetária. Mas a inflação, o encaminhamento do orçamento para 2026 e resultados das empresas americanas de tecnologia são pontos de atenção.
Na quarta-feira, a fabricante de chips Nvidia reportou lucro de US$ 26,42 bilhões no segundo trimestre fiscal, uma alta anual de 59%. O lucro por ação ajustado foi de US$ 1,05, crescimento de 52% em 12 meses, pouco acima do consenso de US$ 1,01. A companhia frustrou, contudo, os investidores com os números de data centers e as ações caíram.
“Talvez seja a hora de acelerar o carro, mas com o pé no freio”, diz Camargo. Para quem tem liquidez e não está com ativos de maior risco na carteira, o recomendável é aumentar um pouco. Ele sugere que isso seja feito muito mais na renda fixa, alongando o prazo, principalmente em títulos atrelados à inflação. Em bolsa local e internacional, a exposição é neutra. Lá fora prefere o S&P 500, um pouco mais diversificado do que o índice de tecnologia da Nasdaq.
O executivo do Santander diz ainda que chegou a discutir em comitê a redução da parcela em multimercados, mas, sob a avaliação de que os gestores captam mais rapidamente mudanças de direção, o banco acabou tirando dinheiro de estratégias referenciadas ao CDI para colocar mais em inflação. “É um trade mais defensivo do que pessimista com uma determinada classe.”
Camargo acredita que o principal ponto para disparar uma melhora local seria alguma sinalização fiscal. “Seria bom não só para a bolsa, mas reverberaria em praticamente todos as classes ativos.” Em meio aos impasses, a diversificação segue como principal arma de defesa. “Diminuir a posição não é sair. É como um balão: se quer subir mais, tiro um pouco do peso e tem hora que a gente calibra melhor o fogo.”
Para Nicholas McCarthy, diretor da área de estratégias de investimentos do Itaú Unibanco, precisaria haver um movimento de baixa mais consistente do IPCA para que os mercados embutam uma queda efetiva dos juros nos preços dos ativos. “Por enquanto é uma especulação, não há certeza de que a inflação está caminhando na direção da meta”, diz. “Por isso estamos pensando muito se é o momento de aumentar a posição em bolsa.” Por ora, o banco segue neutro na classe. A maior exposição na carteira recomendada é em papéis atrelados à inflação, também com posições mais longas em NTN-B.
Ele diz que é difícil saber se haverá nova artilharia tarifária ou de sanções de Trump contra o Brasil, mas avalia que num primeiro momento o aumento das alíquotas de importação têm o efeito de baratear certos produtos no Brasil. Bom para a inflação. Mas lembra que ruídos políticos fazem parte do dia a dia. “A bolsa [Ibovespa] ganhou 6,0% em agosto. Ganhar isso num mês é difícil”, diz McCarthy. Quem tentou operar o ruído, deixou dinheiro na mesa. Quem olhar através do ruído vai ganhar dinheiro desde que a inflação confirme a trajetória de queda.”
A oportunidade de investir hoje em ações é uma das melhores, segundo Pedro Gonzaga, sócio e analista de ações da Mantaro Capital. “É possível montar uma carteira de ações de alta qualidade, de empresas que geram muito caixa e distribuem isso para seus acionistas”, afirma. “O valor em risco ao investir hoje é baixo, pois parte desse capital é devolvido rapidamente para o acionista.”
Ele considera ainda que o cenário eleitoral pode trazer ganhos expressivos para as ações brasileiras. “O tarifaço foi um ruído que pode ter mexido no jogo eleitoral, mas não necessariamente de forma negativa, pode ter aumentado a chance de vir um candidato de centro-direita com mais chance de vitória.”
Fonte: Valor Econômico

