Um negócio inflado, mas que promete ser a próxima grande revolução da humanidade. Na história das bolhas, o entusiasmo desmedido com uma nova tecnologia é um enredo conhecido. Foi assim com as ferrovias em 1840 e com a internet na virada deste século.
Para um número cada vez maior de pessoas, é o caso também da inteligência artificial. Mesmo quem lucra com os aportes bilionários no setor admite que há um descompasso.
Sam Altman, CEO da OpenAI, comparou o momento atual à bolha da internet nos anos 1990. Em um jantar com jornalistas, em agosto, ele criticou a irracionalidade de quem investe em empresas com “três pessoas e uma ideia” – embora ressaltasse que esse, claro, não era o caso da OpenAI.
Desde as declarações do criador do ChatGPT, o tema “bolha” se tornou mais frequente nas falas de empresários. Sundar Pichai, CEO da Alphabet, disse à BBC este mês que o momento é “extraordinário”, mas também cercado por “irracionalidade”. Para ele, nenhuma empresa, incluindo o Google, passaria ilesa por um colapso do mercado.
No caso das ferrovias, o fascínio por um sistema que seria capaz de redesenhar o país levou investidores britânicos a financiar projetos inviáveis. Na bolha das “pontocom”, a corrida pela “nova economia” gerou empresas avaliadas em bilhões de dólares que não tinham modelo de negócio – e que, depois, implodiram. Em comum, há um deslocamento das expectativas com a realidade.
Uma das grandes dificuldades de qualquer bolha, porém, é identificá-la com clareza enquanto ela se forma. Em geral, a confirmação definitiva só vem depois da estouro, mesmo que alertas tenham sido feitos antes. Mas, afinal, o que tem levado tanta gente a dizer que esse será o caso da IA? E o que acontece se a bolha estourar?
1. Quais os sinais de que a IA vive uma bolha
Referência no tema, o economista Charles Kindleberger definiu as bolhas como “um período prolongado de alta nos preços que termina em implosão”. Perto do momento derradeiro, o mercado tende a se desprender de investimentos com fundamento e migra para ilusões.
Desde o lançamento do ChatGPT, a alta nas ações de empresas de tecnologia gerou recordes nas bolsas americanas e negócios avaliados em patamar inédito. Um relatório recente do Goldman Sachs estima que, em três anos, o valor de empresas ligadas direta ou indiretamente à IA aumentou mais de US$ 19 trilhões.
O efeito pode ser visto em companhias que já valem algumas vezes mais o Produto Interno Bruto (PIB) de países. Fornecedora de chips para IA, a NVIDIA atingiu US$ 5 trilhões em valor de mercado em outubro. O patamar inédito é mais de duas vezes o PIB do Brasil (de US$ 2,18 trilhões em 2024, considerando o valor em dólares).
Mas como avaliar se esses valores astronômicos correspondem ao que as empresas de inteligência artificial devem gerar de valor nessa que seria a próxima revolução tecnológica?
Ao fazerem essa conta, os analistas do Goldman Sachs, em outro relatório, concluíram que os valores das empresas ligadas à IA já estão no limite da precificação, ou seja, o mercado já antecipou praticamente todo o ganho econômico possível da tecnologia. Até aqui, eles avaliam que a alta no preço das ações seria justificada — em parte, pelos resultados financeiros sólidos das big techs. Não seria, então, uma bolha. Mas eles acrescentam: pelo menos “por enquanto”.
2. O que sustenta a euforia na corrida pela IA
Outro sinal de alerta para o risco de bolha vem dos financiamentos para sustentar os avanços da IA. Só entre setembro e outubro,empresas como Meta, Oracle e Google emitiram cerca de US$ 75 bilhões em dívidas. Uma projeção do banco UBS sugere que o investimento de empresas em IA vai atingir US$ 500 bilhões em 2026.
Um dos pontos sensíveis aqui são os “negócios circulares”: operações em que as próprias empresas, direta ou indiretamente, financiam a demanda por seus produtos. Isso acontece quando uma fabricante de chips, por exemplo, investe em uma empresa de IA que, por sua vez, vai comprar seus chips – um arranjo anunciado pela NVIDIA e pela OpenAI, que também fez um acordo semelhante com a AMD.
Os que discordam da tese de bolha afirmam que a IA ainda está no começo e, como toda tecnologia transformadora (como foi no início da internet, da telefonia ou da eletrificação), exige investimentos massivos. Parte dos valores elevados refletiria a construção de uma infraestrutura crítica nova, que vai dos processadores de alta tecnologia aos data centers.
Os resultados financeiros das big techs anunciados no último mês reforçariam que essa aposta tem fundamento, com empresas como Google, Amazon e NVIDIA reportando lucros acima do esperado pelo mercado.
3. O que acontece se a bolha estourar
Identificar uma bolha em tempo real é desafiador. Prever qual seria a dimensão de um estouro é ainda mais. A verdade é que algumas bolhas têm efeito econômico mais limitado. Nos piores casos, elas levam a recessões, crises sociais e financeiras, e contração do comércio global – como foram as quebras da Bolsa Americana em 1929 e em 2008.
Em outubro, relatório do Banco da Inglaterra (BoE) alertou que o risco de uma queda abrupta nas bolsas (o chamado “ajuste”) aumentou. O documento aponta a alta concentração do mercado de ações: cinco empresas sozinhas respondem por quase um terço do valor das maiores companhias dos EUA listadas no índice S&P 500.
Em livro que analisa 300 anos de especulação (“Boom and Bust: A Global History of Financial Bubbles”, sem tradução para o português), William Quinn e John Turner lembram que as bolhas mais destrutivas são aquelas em que a cadeia de riqueza está mais integrada à economia. O impacto costuma ser mais grave quando o estouro coloca o sistema bancário em risco. Mas há dúvidas se isso aconteceria com a IA.
O economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Pierre-Olivier Gourinchas, por exemplo, argumenta que, como a corrida da IA não é movida por endividamento, uma eventual correção “não necessariamente se transmite ao sistema financeiro mais amplo” e nem deveria levar a falências bancárias. O efeito, por tanto, seria mais contido.
Mas quando, afinal, uma eventual bolha estouraria? Em geral, isso acontece quando acaba o “combustível”, resumem os economistas de “Boom and Burst”. O crédito aperta, a chegada de dinheiro novo fica limitada e a quantidade de especuladores chega a um limite. Nesse cenário, qualquer notícia negativa vira um gatilho. E aí é o começa queda em cascata.
Fonte: O Globo

