Por Taís Hirata — De São Paulo
06/10/2023 05h02 Atualizado há 4 horas
Passado um período de “entressafra” de leilões de saneamento, o BNDES prepara um novo ciclo de concessões e PPPs regionais do setor. Em água e esgoto, há 12 projetos em estruturação ou com estudos em vias de serem contratados, além de ao menos duas iniciativas no segmento de resíduos sólidos. Com a nova safra de licitações, a projeção do banco é ao menos dobrar o volume de investimentos já contratados, na ordem de R$ 60 bilhões.
As iniciativas mais avançadas são as de Sergipe, Paraíba e Rondônia, com previsão de leilão no próximo ano. Tratam-se de projetos que já estavam em andamento no governo anterior, tal como os de Porto Alegre, de Minas Gerais – tanto para a privatização da Copasa quanto para uma concessão dos municípios atendidos pela Copanor – e do Consórcio Regional de Saneamento do Estado de Alagoas (Corseal).
Há também uma nova safra de estudos mais recentes. É o caso, por exemplo, do Pará e de Pernambuco. A previsão do banco é lançar a licitação de ao menos um primeiro bloco, em cada um dos Estados, no próximo ano.
Recentemente, o governo de Goiás também fechou um acordo com o BNDES e terá os estudos iniciados em breve. Já Maranhão e Santa Catarina ainda estão em negociação com o banco para fechar o contrato de estruturação das concessões. Também há perspectiva de um possível acordo com o Rio Grande do Norte.
Nos últimos anos, o BNDES se consolidou como principal estruturador de concessões de água e esgoto no país. Desde a aprovação da nova lei do saneamento, em 2020, foram realizados 12 leilões modelados pelo banco de fomento. Neste ano, porém, não foi realizada nenhuma licitação promovida pelo banco – o setor viveu um ano mais fraco, devido ao início de mandato no âmbito federal e nos Estados e mudanças na regulamentação do marco legal do saneamento, cujas regras foram definidas apenas em julho.
Segundo Nelson Barbosa, diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, o novo ciclo de projetos de saneamento traz duas mudanças significativas. A primeira delas é um foco maior na tarifa. “Principalmente quando as concessões chegam a áreas que demandam um investimento maior, em que é preciso expandir a rede, há indicação de mais atenção ao efeito na tarifa.”
A segunda nova diretriz é que os financiamentos concedidos pelo banco sejam destinados prioritariamente aos investimentos, e não às outorgas oferecidas para ganhar o leilão. “O pagamento de bônus de outorga gera um ganho fiscal para o Estado. Queremos que o financiamento do BNDES seja mais focado no ‘project finance’, que o projeto não seja tão focado em outorga, e sim em melhorar o serviço.”
Neste momento, o BNDES não planeja oferecer taxas subsidiadas aos projetos de saneamento, segundo Barbosa. O padrão tem sido usar como referência a TLP (Taxa de Longo Prazo) acrescida de um spread. “Isso tem se mostrado competitivo. As linhas têm funcionado nos projetos até agora, a discussão é quando tivermos projetos não tão viáveis comercialmente. Mas os projetos da carteira hoje são viáveis com taxas de mercado”, afirma o diretor.
Em 2023, do total de financiamentos aprovados ao setor de infraestrutura (R$ 30,7 bilhões), 13% destinam-se a saneamento.
O apetite do mercado para os novos projetos não é uma preocupação para a equipe neste momento. “Hoje, o maior gargalo é a falta de projetos”, afirma Luciene Machado, superintendente de Estruturação de Projetos do BNDES.
Para ela, o cenário é diferente daquele vivido no setor de rodovias, em que os leilões federais e estaduais têm sido recorrentes e, agora, há dificuldade de atrair investidores. “Os projetos de saneamento são de grande porte, demandam uma capacidade de mobilização de recursos importante. Mas neste ano o setor viveu praticamente apenas leilões municipais, menores. Os grandes grupos têm uma demanda por projetos.”
Entre analistas do setor privado, a percepção é positiva, tanto em relação à disposição das companhias de disputar os leilões quanto à carteira do BNDES.
“Há uma continuidade no trabalho do BNDES. Naturalmente há aperfeiçoamentos, mas tenho a impressão de que conceitualmente a modelagem vai continuar na mesma linha”, avalia Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e professor da FGV-SP. Para Eric Brasil, sócio da Tendências Consultoria, a expectativa é que os projetos voltem a ganhar tração a partir de 2024.
Apesar das incertezas geradas no início do ano pelas mudanças na regulamentação do setor, a percepção é que novos investidores deverão participar dos leilões, segundo Brasil. “Estamos iniciando um ciclo positivo, com o cenário de taxa de juros no longo prazo melhorando e com a estruturação de novos projetos. Deve haver maior interesse, inclusive de grupos de infraestrutura que ainda não investiram em saneamento, mas que começam a olhar a área”, diz. Os grandes operadores que já atuam no país também deverão manter forte interesse no mercado, avalia Oliveira.
A avaliação da equipe do BNDES sobre o novo marco legal é que a legislação viabilizou diversas novas concessões, mas que a etapa de execução de investimentos começa a ser testada agora.
“Com certeza a lei destravou investimentos, basta ver a quantidade de concessões e o anúncio de investimentos. O objetivo do governo é que o serviço chegue à população, não é escolher o modelo preferido. O resultado vamos saber com o tempo. Agora os investimentos vão começar, e confiamos que o modelo vai se mostrar viável”, disse Barbosa.
Questionado sobre a viabilidade da universalização dos serviços de água e esgoto até 2033, ele diz que “é a meta a ser perseguida”, mas “se será cumprida ou não vamos ver ao longo do caminho”.
Para além dos leilões de água e esgoto, o BNDES tem avançado na estruturação de concessões de resíduos sólidos. Um projeto já em modelagem é voltado a 16 cidades em Alagoas. Os estudos deverão ser concluídos em dezembro deste ano, e o leilão está previsto para 2024. O banco também negocia com Goiás um contrato para estudar diferentes soluções aos 246 municípios do Estado.
Além das duas iniciativas, o BNDES participou junto à Caixa e ao PPI de um chamamento público a consórcios municipais para novas concessões de resíduos, no qual foram selecionados 39 grupos. O banco agora negocia com dois consórcios (o Comupe, em Pernambuco, e o Cidesorp, no Paraná) para iniciar os estudos.
Fonte: Valor Econômico

