A guinada pró-criptomoedas do governo do presidente americano Donald Trump não tem sido o bastante para evitar um desempenho bastante negativo desse mercado no início de 2025. Desde a posse de Trump, o bitcoin, que é a maior moeda digital e aquela que é considerada o “benchmark” do mundo “cripto”, acumula uma queda de 22,8%. Outros ativos digitais do primeiro escalão como o ether e a solana registram perdas até maiores, de 29,6% e 47,7%, respectivamente.
O movimento chama atenção, porque, antes da posse, o bitcoin disparou 60,5% do dia da eleição nos Estados Unidos até alcançar sua máxima histórica aos US$ 109 mil. A alta foi motivada pelas promessas de Trump de fomentar um ambiente favorável à inovação, mudando o paradigma da gestão Biden, quando diversas empresas do setor como Coinbase, Ripple, Binance e outras foram processadas pela SEC (comissão de valores mobiliários dos EUA). O atual presidente dos EUA chegou até a prometer diversas vezes que criaria uma reserva estratégica de bitcoin do governo.
No entanto, as coisas foram diferentes quando Trump chegou ao poder. Além de não ter cumprido com tudo o que prometeu, o republicano ainda colocou uma nova variável de incerteza no radar: a guerra comercial. O anúncio de Trump de que iria retomar as taxas de 25% sobre produtos importados do México e do Canadá levou o bitcoin a despencar 7%, enquanto a solana chegou a desabar mais de 12% em um dia. O “Financial Times” calculou que US$ 800 bilhões foram apagados dos mercados globais de criptomoedas nas últimas semanas.
Se a inflação subir a ponto de levar o Fed a voltar a elevar os juros, isso teria um impacto bem negativo”
Segundo Paula Zogbi, gerente de análise da fintech Nomad, o que se viu nos últimos dias foi a confirmação da sensibilidade dos criptoativos ao cenário macro após uma antecipação muito forte de novidades positivas para o mercado. “A ausência de maior suporte do novo governo para esse setor deixou os criptoativos novamente expostos ao sentimento geral do mercado”, afirma a analista. Zogbi destaca que o bitcoin segue fortemente exposto a eventos de aversão a risco, como sinais de desaceleração da economia americana, movimentos de altas nas taxas de juros e busca por proteção relacionada a movimentações geopolíticas.
Uma das principais preocupações acerca do “tarifaço” de Trump está justamente ligado a seu impacto na inflação e na política de juros do Federal Reserve (Fed, banco central americano). Ayron Ferreira, analista da empresa de venture capital Honey Island, diz que um repique inflacionário nos EUA depois do dado acima do esperado divulgado em janeiro pode tornar muito difícil para o Fed continuar a cortar juros. “Isso entra nesta cesta de fatores que levam o mercado a corrigir. Se a inflação subir a ponto de levar o Fed a voltar a elevar os juros, isso teria um impacto bem negativo”, aponta. Por serem ativos de risco, as criptomoedas são muito sensíveis à liquidez global e, consequentemente, à política monetária americana. “É preciso ficar muito atento ao que será dito na próxima reunião do Fomc [Comitê Federal de Mercado Aberto]”, afirma Ferreira.
Fora isso, o analista lembra que o bitcoin subiu mais de 100% por dois anos consecutivos, o que deixa os investidores mais propensos a realizar ganhos do que abrir grandes apostas em continuidade da alta. “Acho que o bitcoin pode encostar nos US$ 73 mil neste ciclo”, afirma.
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Do lado específico dos criptoativos, a presidência de Trump ainda empolga parte do setor. Chegando ao poder, Trump cumpriu algumas de suas promessas: nomeou Paul Atkins, de perfil pró-cripto, para o comando da SEC; libertou o empresário Ross Ulbricht, criador do marketplace da “deep web” Silk Road; publicou ordens executivas que impedem o Fed de criar uma moeda digital de banco central (CBDC) e incluem as “stablecoins” (moedas digitais de valor atrelado ao de alguma divisa tradicional) no esforço para garantir a soberania do dólar; e montou um grupo de trabalho para ativos digitais na Casa Branca liderado pelo empresário David Sacks, conhecido popularmente como “czar cripto”.
De todos os pontos, o único que parece que vai demorar mais do que os investidores gostariam é a questão da reserva estratégica. Uma ordem executiva de Trump colocou o tema apenas “em discussão”.
De acordo com Valter Rabelo, analista da Empiricus, no mercado cripto predominam os traders de curto prazo, e estes muitas vezes agem como investidores com expectativas irreais. “Esperar que o Trump, a partir da posse, aprove uma reserva estratégica de bitcoin era irreal”, afirma. “A reserva vai acontecer, embora não necessariamente com o Tesouro comprando bitcoins. Imagino que leve por volta de dois anos”, avalia. Para ele, é notável como já há Estados americanos sustentando projetos de lei sobre o tema, algo que antes parecia impensável. Fora isso, a ordem executiva assinada por Trump para criar um fundo soberano dos EUA traria esperanças de que esse fundo pudesse futuramente adquirir bitcoins.
Axel Blikstad, sócio fundador da gestora B2V Crypto, diz que o mercado de criptomoedas pode ganhar um impulso quando os primeiros Estados, a exemplo de Utah, começarem a aprovar reservas de bitcoin e as legislações para regular o mercado se tornarem realidade. “Os republicanos, para cripto, são muito bons e a regulação de stablecoins será o primeiro problema a resolver. Tudo é seis meses. Para se ter uma coisa mais concreta é de julho a agosto”, prevê.
Isso não quer dizer, contudo, que o governo Trump seja isento de críticas mesmo no que concerne às criptomoedas. Blikstad afirma que o caso do lançamento das memecoins $TRUMP e $MELANIA no fim de semana antes da posse fez mais mal do que bem ao mercado. “Isso traz uma especulação excessiva e, quando ocorre, machuca muita gente. Estamos com ativos bons que não performam porque o varejo acha que é fácil ficar rico rápido com memecoins”, lamenta.
Fonte: Valor Econômico

