Por Sérgio Tauhata — De São Paulo
06/04/2022 05h02 Atualizado 06/04/2022
O mundo pode estar à beira de uma nova era inflacionária, alertou ontem o presidente do Bank for International Settlements (BIS), Agustín Carstens, em discurso para o Centro Internacional para Estudos Monetários e Bancários. “As forças por trás da alta inflação podem persistir por algum tempo”, avaliou.
Segundo Carstens, “novas pressões estão surgindo, principalmente nos mercados de trabalho”. O especialista pontuou ainda que “a estrutura dos fatores que mantiveram a inflação baixa nas últimas décadas pode diminuir na medida em que a globalização recua”.
O presidente do BIS, entidade considerada o banco central dos bancos centrais, explicou que os BCs precisarão se ajustar a esse novo ambiente. “Por muitos anos, tendo vencido a inflação, eles tiveram uma margem de manobra sem precedentes para se concentrar no crescimento e emprego”, disse. “Mas isso agora não é mais possível. Se as circunstâncias mudaram fundamentalmente, uma mudança de paradigma pode ser necessária.”
Carstens defendeu que essa mudança requer “o reconhecimento mais amplo na formulação de políticas que impulsionem a resiliência de longo prazo do crescimento e não dependam de estímulos macroeconômicos repetidos, sejam monetários ou fiscais”.
O presidente do BIS ressaltou que a chave para o crescimento sustentável das economias “não pode ser políticas monetária ou fiscal expansionistas”. Os países precisam fortalecer a capacidade produtiva da economia. “De fato, isso está bem atrasado”, disse.
Carstens criticou o que pode ter sido uma certa leniência no passado. “Muitos dos desafios econômicos que enfrentamos hoje decorrem da negligência das políticas do lado da oferta na década passada ou mais.” Conforme o chefe do BIS, “a médio prazo, um maior crescimento potencial tornaria mais fácil para economias endividadas suportar taxas de juros nominais e reais mais altas que provavelmente vão prevalecer nos próximos anos”. O dirigente disse ainda que “os bancos centrais fizeram mais do que sua parte na última década e a agora é a hora de outras políticas tomarem o bastão”.
De acordo com Carstens, quase 60% das economias avançadas atualmente exibem inflação acima de 5% ao ano, ou seja, mais de três pontos percentuais acima das metas dos BCs. “Essa é a maior parcela desde o final da década de 1980.” Em mais da metade dos mercados emergentes, continuou o presidente do BIS, as taxas de inflação superam 7% ao ano. “Além de um curto período em torno da Grande Crise Financeira (GFC) refletindo fatores muito específicos e de curta duração, esta é a maior parcela em mais de duas décadas.”
O dirigente lembrou ainda que o aumento da inflação “foi surpresa para a maioria dos observadores”. A expectativa de elevação menor de preços ainda persistia no início do ano passado. “Mesmo no meio do ano, a maioria projetava apenas ultrapassagem modesta e temporária das metas dos BCs, mas, no fim, a inflação superou em muito as previsões”, disse. “As falhas de previsão em 2021 foram extraordinariamente grandes.”
Na visão de Carstens, a surpreendente escalada inflacionária vem da confluência de três fatores. Conforme o dirigente, houve uma recuperação muito forte da demanda agregada globalmente, que está se expandindo de forma muito mais rápida do que nas recuperações pós-recessões de décadas passadas. Em segundo lugar, houve uma rotação “surpreendentemente persistente na demanda em direção a bens e para longe de serviços”. Por fim, apontou o especialista, a oferta agregada não conseguiu acompanhar o aumento da demanda.
Na avaliação do chefe do BIS, a resposta política excepcional durante a pandemia desempenhou um papel fundamental na força da recuperação. “No início da crise, ajudou empresas e famílias a resistir a uma perda de rendimentos sem precedentes e prevenir graves perturbações financeiras.” Ao longo do ano passado, a política macroeconômica continuou a suportar a demanda agregada. “Em alguns países, isso envolveu estímulo fiscal contínuo, muito depois de o pior da recessão haver passado”, disse. “E, em quase todos os lugares, a política monetária promoveu condições financeiras acomodatícias, mesmo diante de um forte crescimento e inflação em alta.”
Além disso, a mudança inicial dos gastos das famílias de serviços para bens não retornou ao padrão anterior. “É surpreendente quão pouca demanda voltou para os serviços mais tarde”, explicou. Carstens observou ainda que “no geral, a oferta tem sido surpreendentemente indiferente à maior demanda”. Para o dirigente do BIS, “isso tem se traduzido em gargalos, atrasos de entrega, custos de envio crescentes e escassez de insumos de produção importantes”.
Fonte: Valor Econômico

