Organizações usam seus próprios produtos e serviços para se diferenciar e compor cestas exclusivas para seus funcionários
Por Jacilio Saraiva — Para o Valor, de São Paulo
25/01/2024 05h01 Atualizado há 5 dias
As empresas estão apostando em benefícios “home made” (feitos em casa, do inglês) para atrair novos talentos e reter funcionários. Nesse modelo, que recorre a vantagens de forte apelo e custo reduzido, varejistas podem dar descontos especiais na venda de produtos, conglomerados de educação distribuem bolsas de estudos e fabricantes de itens para pets mimam os empregados que têm animais em casa. Em alguns casos, as cestas de privilégios exclusivos podem ser usadas para compensar faixas salariais de entrada que ficam aquém do desejo dos profissionais.
“Hoje, as pessoas buscam mais do que um bom salário ao escolher um emprego”, explica Flávia Alencastro, diretora regional da consultoria de recrutamento executivo Robert Half. “Os benefícios corporativos desempenham um papel crucial nas tomadas de decisão de carreira.”
De acordo com pesquisa feita pela Robert Half em 2023, a maioria (97%) dos entrevistados afirma levar os auxílios corporativos em conta para aceitar uma proposta de trabalho. Nesse conjunto, mais da metade ou 51% dizem que, caso vantagens consideradas importantes não estejam incluídas no contrato, buscariam negociar um salário mais alto.
O estudo ouviu 1.161 profissionais, entre líderes, empregados e candidatos em busca de colocação, com idades a partir de 25 anos e ensino superior completo. “Segundo os dados analisados, os incentivos mais desejados começam pelos ‘clássicos’, como a assistência médica e vale-refeição mas, além deles, os funcionários sonham com pacotes mais abrangentes, voltados ao bem-estar físico, mental, financeiro e ligados ao desenvolvimento profissional”. Conforme o relatório, 74% gostariam de ver mudanças na lista de auxílios montada pelos empregadores.
![Camila Zanatta: “Contar com esses apoios [para animais de estimação] atrai, engaja e retém os colaboradores tutores de pets” — Foto: Nilani Goettems/Valor](https://s2-valor.glbimg.com/EbYNi02-U4vEH1mWoPDhlIzX3lw=/1000x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/b/w/bCxfLKRv60yCqNbBzjRg/foto25carr-101-bene-b2.jpg)
Na MSD, de produtos para saúde humana e animal, com 1,8 mil funcionários, uma linha de benefícios foi pensada, a partir de abril de 2023, para os funcionários donos de pets. “Passamos a oferecer um pacote para os ‘pais’ de bichinhos, como a licença ‘peternidade’, licença luto, parceria com planos de saúde animal e descontos em medicamentos da marca”, detalha Camila Zanatta, gerente sênior de remuneração e benefícios da MSD.
Na licença “peternidade”, funcionários que adotam um animal ganham dois dias consecutivos de intervalo remunerado e um ano de tratamento com medicação anti-pulgas e carrapatos para os animais. Na saída por luto, a organização garante um dia de folga para o empregado que perdeu o pet. “Na maioria dos lares com animais de estimação, eles são considerados membros da família”, justifica Zanatta. “Contar com esses apoios atrai, engaja e retém os colaboradores tutores de pets.”
As folgas foram utilizadas por dez empregados, enquanto as parcerias de saúde animal reúnem 42 assegurados. Com as novidades, a companhia soma agora quase 40 benefícios disponíveis – outras benesses elegíveis por cargo, como check-up médico para diretores e a oferta de carro para gerência ou superior, não entram na contagem. “Do período pré-pandemia até o final de 2023, aumentamos a oferta de benefícios em 23%, a maioria relacionados a bem-estar.”
Contratada em julho de 2023, Juliana Crema, diretora da área de estratégia e inovação da MSD Saúde Animal, diz que analisou a cesta de vantagens da empresa antes de aceitar o cargo que ocupa. “Os benefícios fizeram parte da minha decisão”, assegura. “Para isso, ‘precifiquei’ todos juntos, em adição ao pacote salarial, e comparei entre o total [que ganhava] na companhia anterior ‘versus’ o atual.”
Para a executiva, a percepção de receber um benefício atraente pode ser maior até do que o impacto financeiro registrado no holerite. “Descontos em medicamentos para pets contribuem na economia das contas”, diz ela, acrescentando que a composição do pacote planejado pelo empregador também sinaliza como é a cultura organizacional. “Ainda tenho a opção de levar o pet para o escritório.”
Ricardo Frias, líder de benefícios da Amazon na América Latina, com nove mil funcionários diretos e indiretos somente no Brasil, ressalta que os incentivos devem trilhar um caminho para melhorar a experiência dos empregados e que a tração nas taxas de adesão, muitas vezes, depende da participação das chefias.
“Temos um engajamento mais sólido quando incentivamos o uso dos programas com a colaboração das lideranças”, garante. “Também contamos com uma abordagem ‘data-driven’ [baseada em dados, do inglês], que avalia indicadores de utilização e permite maior sucesso no atendimento às necessidades das equipes.”
Um dos principais benefícios “feitos em casa” da varejista – o portfólio de vantagens reúne mais de 20 itens que contemplam cuidados com a saúde física, mental e emocional – é conhecido internamente como EDC ou “código de desconto para funcionários”. De alcance global, concede ofertas em produtos vendidos para o quadro e entregues pela multinacional. No Brasil, existe desde 2019. Os valores das promoções variam por mercadoria e país. A Amazon não divulga quantos empregados recorrem ao subsídio.
Para Flávia Alencastro, diretora regional da Robert Half, a tendência na área de benefícios é que os pacotes sejam cada vez mais personalizados. “Nos últimos anos, alguns incentivos não convencionais ganharam relevância, como o auxílio-estudo, políticas de flexibilidade de expedientes e carro para uso profissional e particular, um item que cresceu em importância à medida que as organizações voltaram ao modelo presencial”, detalha.
Ana Paula Prado, CEO do Infojobs, de soluções para RH, diz que distribuir auxílios mais adequados a cada perfil profissional é uma forma assertiva de fidelizar talentos. Os funcionários se sentem “pertencentes” à corporação, explica. “Ficam mais motivados no ambiente de trabalho porque percebem que o empregador enxerga suas demandas e, de maneira justa, entrega os benefícios necessários.”
Na Cogna, empresa do setor de educação, há bolsas de estudo com 100% de desconto para todos os cursos de graduação e pós-graduação nas unidades próprias da rede, exceto na área de medicina. O benefício pode ser solicitado por todos os empregados. Com 25 mil funcionários, 45% usufruem do auxílio. “O recurso também proporciona a oportunidade de ampliar conhecimentos, permitindo que o funcionário invista na própria carreira”, afirma Denis Araújo, gerente de experiência do colaborador da Cogna.
Fonte: Valor Econômico