Por Adriana Cotias — De São Paulo
21/06/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
Os bancos centrais reconheceram que a inflação é um fenômeno mais resistente e que pode levar tempo para convergir para as metas de cada economia, segundo Mario Torós, sócio-fundador da Ibiuna Investimentos e ex-diretor do Banco Central. Ele lista que autoridades como o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o Banco Central Europeu (BCE), o Banco da Inglaterra, o BC suíço, e do Leste europeu, admitiram, por meio de suas projeções nas últimas semanas, índices de preços acima das suas expectativas.
No Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, ao colocar no seu comunicado pós-reunião que vai perseguir “o redor da meta” está sinalizando que vai usar o intervalo de tolerância para o ano que vem.
“Eles reconhecem que é um processo que já vai para o seu terceiro ano. Obviamente, há uma visão de que a inflação é cadente, que está meio que atingindo um pico e que de fato vai começar a cair”, diz. “A ver se é verdade, mas os bancos centrais estão indicando que há uma inflação persistentemente alta, acreditando que lá no ano de 2024 vá se regularizar.”
“A economia brasileira nunca deixou de ser indexada. Os mecanismos sempre estiveram adormecidos”
A gestora, fundada ao lado de Rodrigo Azevedo, outro ex-BC, em 2010, extrai historicamente grande parte dos resultados dos multimercados macro da casa de posições ligadas a ciclos de política monetária de diversos países. Neste ano, até maio, o Ibiuna Hedge STH acumulava ganhos de 14,06%, ante 4,36% do CDI. Desde que foi criado, em dezembro 2012, tem 251,5% de valorização, ou 217% do CDI, sem nenhum ano negativo. A estratégia, que reúne cerca de R$ 20 bilhões, terá uma reabertura programada de captação de 11 de julho até meados de agosto, inclusive a versão de previdência. A previsão é incrementar em cerca de 10% o patrimônio.
A seguir, trechos da conversa de Torós com o Valor.
O futuro da política monetária
Acho que uma mensagem comum por parte de todos os bancos centrais, inclusive do Brasil, é um certo reconhecimento, nas próprias projeções, que a queda da inflação vai ser mais lenta e que a inflação de 2023 também vai ficar acima do teto da meta. Os BCs reconhecem que é um processo que já vai para o terceiro ano. Obviamente, há uma visão de que a inflação é cadente, que está meio que atingindo um pico e que de fato vai começar a cair. A ver se é verdade, mas os bancos centrais estão indicando que há uma inflação persistentemente alta, acreditando que lá no ano de 2024 vá se regularizar.
Foi o que aconteceu no Brasil. Mudou a forma como o Banco Central estava escrevendo [o seu comunicado pós-reunião]. Falou ao redor da meta, ou seja, reconhecendo que vai usar o intervalo de tolerância para o ano que vem. Acho que foi uma evolução, foi a mensagem mais importante do ponto de vista dos bancos centrais de uma forma geral. E aí cada um tem, de acordo com as suas idiossincrasias de mercado, seja nos Estados Unidos, seja na Inglaterra, na Suíça ou no Brasil, decisões de taxa de juros de acordo com as características de cada um desses países. O Fed, nos Estados Unidos, foi mais agressivo, o Banco da Inglaterra não foi, mas anunciou que vai apertar mais a política monetária nas próximas reuniões. O Brasil já está no nível muito mais avançado de taxa de juro.
Os bancos centrais estão, na medida do possível, e também de acordo com o nível de previsibilidade deles – e, obviamente, a previsibilidade que se tem no Brasil é muito menor do que nos Estados Unidos -, estão deixando a porta aberta para as próximas decisões. Em muitos anos, talvez em mais de uma década, fomos para uma decisão em que não se sabia qual seria a decisão que o banco central dos Estados Unidos ia tomar sobre taxa de juros. Era sempre uma dúvida sobre qual vai ser o tipo de decisão para as próximas reuniões, mas nunca para aquela [a mais próxima]. Isso só para se ter uma ideia do que a questão da taxa de juros está suscitando. O Fed já se comprometeu com 75 [pontos-básicos ou 0,75 ponto percentual] na próxima [reunião], mas está deixando a porta aberta para avaliar decisões futuras. No Brasil vai ser mais complexo. O BC deixou a próxima em dúvida, se vai ser 50 ou 25 [pontos]. Os BCs precisam de tempo para ver como o processo de desinflação vai ocorrer para novas decisões de política monetária, está todo mundo meio nessa toada.
Indexação adormecida
Não só a inflação cheia, a subjacente, os núcleos mostram uma situação bastante ruim no Brasil. Há desejo, mais do que certeza, de que esteja por volta dos picos, aqui e em outros países. Mas não é fácil. A economia brasileira nunca deixou de ser indexada. Os mecanismos sempre estiveram adormecidos e despertam rapidamente se inflação atinge um nível alto, o que faz o processo desinflação ser mais lento e doloroso. A sensação, no caso do Brasil, é que a economia vai desacelerar em função da taxa de juro real. A dúvida é se a taxa “ex-ante” aqui vai ser alta o suficiente no “ex-post”. Tem que olhar o processo de desinflação. A atividade tem vindo mais alta do que se imaginava, no Brasil e no mundo todo. O Brasil tem se beneficiado pelas commodities, de um lado, e de outro a economia num nível de crescimento forte. A gente esperava 1,5%, 2% [para a expansão do PIB], agora acha que é mais para 2%, depende de como vai se dar a desaceleração da economia em função da política monetária. Depende ter uma taxa de juro real que de fato faça o serviço na atividade econômica.
A demanda tem que ser ajustada. A política monetária, principalmente se contar com a ajuda fiscal, vai fazer o serviço”
Janela de captação
Há em uma expansão de área geográfica e de classe de ativos que está permitindo que seja capaz de crescer. O que a gente faz é operar ciclo de política monetária e vem fazendo um trabalho, não é de hoje, de longo prazo, que vem da nossa experiência pregressa. Começou a se dedicar muito a ele, sobretudo nos últimos seis ou sete anos, operando diferentes países. Temos hoje posições, por exemplo, em juros, operando ciclos de política monetária – tudo bem que o mundo está muito propício a isso nesse momento -, entre desenvolvidos e em desenvolvimento, em 25 países. Se olhar a atribuição de performance, o Brasil continua sendo muito importante, mas já no ano passado não foi o principal. E este ano também não. Temos um quadro bastante completo, operando o que sabe fazer, o que está acostumado, não as coisas que estão na moda. A gente pode aplicar a metodologia que vem usando em um país para outro.
O maior contribuidor de alfa neste ano são os Estados Unidos, o segundo é Israel. O Brasil é o terceiro maior, é importante, mas não é absolutamente decisivo na performance. Então, essa é a parte do que eu chamo da expansão geográfica e também tem uma expansão de produto, de classes de ativos. Temos uma área de “equity” [ações], e tomou a decisão de buscar alfa só no “long/short” [arbitragem] no fundo macro, de não operar “single names”. Adicionamos a área de crédito, que tem uma pequena parte do risco dentro do fundo macro. E, recentemente, iniciamos a parte de operações sistemáticas, um projeto também de longo prazo. Temos uma equipe montada e que está gerando muito alfa neste ano.
Oportunidades
No momento em que o mundo começa a sair da política monetária não convencional e começa a voltar para a política monetária convencional, a gente vê que com esse posicionamento que tem hoje, geográfico, de poder entender vários países, de poder estar em diferentes regiões, que tem uma enorme avenida de oportunidade nos próximos anos, nos próximos períodos e, certamente, no curto prazo. Até o Japão está começando a discutir a política monetária convencional, coisa que não tem há 30 anos. É um negócio que faz com que gente se sinta mais confortável, dado o processo e a metodologia que tem de trabalho aqui.
Não é que nós vamos voltar a viver com inflações muito altas, até porque existem condições estruturais associadas à tecnologia, à demografia etc., que no final vão fazer com que a inflação caia. Mas esse é um processo inflacionário e os processos inflacionários, em geral, são persistentes. Não são pequenos movimentos que se corrigem automaticamente. Levam um tempo e, para isso, exigem que alguns instrumentos de política econômica sejam usados de forma mais vigorosa.
Vimos [governos e representantes de BCs] falando ao longo do tempo que a inflação subiu, mas é transitória. O principal contribuidor dessa inflação foram as políticas monetárias e fiscais absolutamente expansionistas desde o início da pandemia. Ao longo desse processo, tivemos, de fato, choques de oferta que impactam tanto a atividade quanto a inflação. Mas a maior contribuição foi das políticas econômicas extremamente expansionistas. Isso levou à inflação que temos aqui que nunca se produziu. Virou moda falar do problema de “supply chain” [cadeia de suprimentos]. De fato é, mas nunca se produziu tanto no mundo e a demanda está muito alta. E esse é o ajuste que os bancos centrais vão ter que fazer usando as políticas monetárias, e alguns governos usando as políticas fiscais que têm. É um processo que é persistente, que leva tempo, mas funciona.
O maior contribuidor de alfa no Brasil foi comprando inflação implícita. Isso quer dizer que talvez a queda prevista de inflação não seja tão pronunciada quanto o que está no mercado. É claro que a inflação não vai subir para sempre. De uma forma geral, e particularmente no Brasil, com todos os mecanismos de indexação, pode ser mais persistente. Pelo histórico, a gente tem um pé atrás em relação a essa questão da persistência inflacionária.
O que está nos preços?
A gente não conhece qual o tamanho da persistência inflacionária que está vivendo nesse momento, mas tem a convicção de que, para isso, a demanda tem que ser ajustada de alguma forma. E a política monetária, sim, principalmente se contar com a ajuda da política fiscal, vai fazer o serviço. Agora, qual o tamanho necessário? Ainda não está claro para ninguém se estamos ainda no meio desse processo. O Brasil, de fato, está adiantado no ciclo. Por outro lado, tem uma inflação bastante alta, das maiores no mundo.
Descontando, sobretudo, esses ajustes, essas ajudas fiscais que o governo está dando para baixar o preço dos combustíveis – que, diga-se de passagem, não é só o Brasil que está adotando, vários países no mundo adotaram exatamente esse procedimento, obviamente nunca tentando mexer no preço da Petrobras equivalente. Algumas nem têm uma Petrobras, nem podem fazer isso, mas nunca mexendo nos preços, mas na parte fiscal. Isso aconteceu e acho que ficou claro que o Brasil também está indo nesse caminho. Você pode dizer que o espaço fiscal do Brasil é sempre mais limitado. Mas, independentemente disso, tem uma inflação alta. O juro real ex-ante no Brasil até tem parecido ser bem alto. Mas quando você vai ver o ex-post – o juro real que calcula o prefixado de um ano contra a expectativa de inflação -, esse juro real no último ano e meio, não foi alto. Por quê? Porque a inflação tem sido mais alta do que se prevê. Tanto é que o presidente do BC, desde o início de 2021, ele diz que o pico da inflação, está próximo, está logo ali. Então está nessa situação. O juro nominal do Brasil subiu muito, sim. Agora o juro real, ex-post, não. Já chegou a estar muito próximo de a inflação começar a virar, e aí começa a ter um juro real de fato que impacte a inflação. A inflação global, na nossa visão, é resultado principal da demanda, está obviamente temperada com os choques de oferta e os vários que a gente teve aí ao longo do tempo, como a invasão da Ucrânia etc. O Brasil está no fim do ciclo, é claro. Mas tem que olhar qual é o movimento, qual é, sobretudo o comportamento da inflação e das expectativas daqui para a frente. O importante é conseguir controlar as expectativas, senão para 2023, precisa ter a ancoragem para 2024.
Fiscal em outra direção?
O fiscal teve um ganho enorme porque as receitas aumentaram muito no Brasil, porque a atividade econômica está mais forte do que se imaginava. Então está tendo crescimento de receita real, mas principalmente porque a inflação está fazendo com que o país tenha arrecadação bastante mais alta. Só para botar em grandes números: o orçamento do Brasil foi aprovado com um déficit primário da ordem de 0,8% do PIB. As últimas previsões médias do mercado para o primário eram de um superávit de 1% do PIB. E aí, nesse meio tempo, houve todas essas medidas recentes e esse superávit primário, que era de 1,5%, 1% do PIB, está se reduzindo, está indicando que vai para zero, que vai ser equilibrado.
Fonte: Valor Econômico

