As altas de juros têm sido o principal instrumento usado pelos BCs para lidar com o recente aumento da inflação, e projeta-se que tanto o Federal Reserve (Fed, dos Estados Unidos) quanto o Banco Central Europeu (BCE) voltarão a elevar taxas nesta semana e que o Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês), autoridade monetária do Reino Unido, seguirá os mesmos passos em agosto.
Além de usar os juros, entretanto, os bancos centrais também já deram início a um processo chamado de aperto monetário quantitativo, que reduz o tamanho de seus balanços patrimoniais e o volume de bônus em suas mãos. O BCE e o BoE ainda detêm mais de 25% dos títulos por vencer de seus governos, enquanto o Fed detém 20%, de acordo com uma análise feita pelo “Financial Times”.
Esse processo de aperto quantitativo, iniciado em 2022, até agora tem se desenrolado relativamente bem, com poucos sinais de desestabilização nos mercados de títulos. Dessa forma, economistas e algumas autoridades monetárias ganharam mais confiança em defender sua aceleração, em especial na Europa.
Mark Wall, economista-chefe do Deutsche Bank, disse que “seria razoável para o BCE começar a pensar sobre o próximo passo na redução gradual do balanço expandido”, acrescentando que isso “poderia ser uma estratégia para reforçar a credibilidade de futuras elevações de juros”.
Paul Hollingsworth, economista-chefe do BNP Paribas, disse que, embora não acredite em uma decisão iminente, “membros de linha mais dura do BCE poderiam estar dispostos a considerar uma taxa de juros neutra mais baixa se [o BCE] permitir que o aperto quantitativo seja acelerado”.
Tomasz Wieladek, economista-chefe europeu de renda fixa da T. Rowe Price, disse que o aperto quantitativo é “outra maneira de retirar demanda da economia”.
“Os bancos centrais não gostam de falar sobre isso porque há uma linha tênue entre política monetária e política fiscal. Se eles se valessem disso como um instrumento mais vigorosamente, isso poderia funcionar”, acrescentou.
Em junho, durante a conferência anual do BCE, em Sintra, Portugal, um membro do comitê responsável por juros disse ao “FT” que a autoridade poderia em breve discutir a possibilidade de vender ativamente alguns títulos antes do vencimento. Em março, Joachim Nagel, chefe do banco central alemão, disse que, “numa etapa posterior” do ano, o BCE também poderia considerar uma redução mais rápida de um programa separado de compra de títulos de € 1,7 trilhão lançado em resposta à pandemia.
Jens Eisenschmidt, economista-chefe europeu do Morgan Stanley, previu que o BCE poderia começar a reduzir esse programa de compra emergencial criado na pandemia em janeiro de 2024 e interromper totalmente os reinvestimentos até julho, o resultaria em um enxugamento de € 133 bilhões em 2024. “Todas as evidências até agora sugerem não haver motivos para que eles não possam ir mais rápido”, disse Eisenschmidt.
Na semana passada, Dave Ramsden, vice-presidente do BoE para mercados e setor bancário, disse que o banco central britânico poderia acelerar o ritmo de aperto quantitativo depois de setembro, porque a experiência da instituição mostrou que isso não teve um grande impacto econômico e que é possível conduzir o exercício “em segundo plano”.
Em contraste, o Fed não deu sinais de planejar fazer ajustes nesse sentido. A inflação caiu mais rápido nos EUA do que na Europa e eles têm motivos para serem cautelosos quanto aos níveis de liquidez nos mercados financeiros. Em 2019, o Fed foi obrigado a interromper o aperto quantitativo depois de uma redução de US$ 750 bilhões em seus ativos ao longo de dois anos ter provocado um aumento nos custos de financiamento de curto prazo.
O balanço do Fed atingiu um pico de pouco menos de US$ 9 trilhões em abril de 2022 e desde então encolheu em cerca de US$ 850 bilhões, segundo cálculos de Scott Skyrm, que atua em operações de recompra na Curvature Securities.
Praveen Korapaty, estrategista-chefe de taxas internacionais do Goldman Sachs, disse que o Fed poderia prosseguir com o aperto quantitativo neste ano e em 2024 sem problemas, uma vez que o sistema financeiro está “muito distante” de qualquer ponto crítico. No entanto, ele alertou para a distribuição desigual das reservas bancárias, que pode estar fazendo certas instituições enfrentarem pressões mais imediatas do que outras.
“Estou muito confiante de que, no sistema como um todo, ainda estamos saturados de liquidez […], mas poderia não se tratar da distribuição mais útil no sentido de que claramente existem alguns bancos de pequeno e médio porte que estão mais limitados em termos de reservas”, disse Korapaty.
A quebra de vários bancos, como o Silicon Valley Bank (SVB) no início do ano, serviu de alerta contra um aperto excessivo das condições financeiras, segundo analistas.
“Antes do ocorrido com o SVB, muitos no Fed provavelmente se sentiam confortáveis em pressionar realmente pelo aperto quantitativo e ver até quanto poderiam reduzir o balanço patrimonial”, disse Blake Gwinn, chefe de estratégia de juros no RBC. “Se virmos algum tipo de soluço ou sinal de que bancos estão começando a ficar com reservas um pouco escassas, haverá um pouco mais de ansiedade e eles serão mais rápidos em encerrar o aperto quantitativo.”
Intensificar o aperto quantitativo poderia ajudar a reequilibrar os impactos distributivos do aperto da política monetária, argumentou Wieladek. “As taxas referenciais permanecem o principal instrumento, mas não está claro se isso é o melhor a fazer, especialmente se acabarmos empurrando todo o ajuste monetário apenas para um ator na economia”, como os detentores de hipotecas.
Ele alertou, contudo, para os riscos do processo. “Existe um risco de que não conheçamos as consequências do aperto quantitativo. [Isso] pode ser não linear e, consequentemente, o custo do endividamento governamental pode aumentar significativamente.”
De acordo com Ashok Bhatia, diretor dos escritórios do Fundo Monetário Internacional (FMI) na Europa, “este é um território desconhecido para muitos dos principais BCs do mundo”. “No geral, acreditamos que a abordagem adotada até agora é apropriada, com espaço para reavaliações periódicas de ritmo no futuro.”
Fonte: Valor Econômico

