Por Gabriel Roca e Victor Rezende — De São Paulo
20/12/2023 05h03 Atualizado há 6 horas
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Diante de um Banco Central que tem mantido uma postura cautelosa, a chance de aceleração no ritmo de afrouxamento monetário parece pouco provável no curto prazo, na visão do sócio da Tendências Consultoria e ex-presidente do BC, Gustavo Loyola. Segundo ele, também, surpreendeu a mudança na comunicação do Federal Reserve na última semana, e a mensagem menos conservadora do banco central americano ainda parece carecer de uma confirmação dos dados de inflação e do mercado de trabalho nos EUA.
Valor: Qual a sua avaliação sobre o tom utilizado na ata e nas últimas comunicações do Copom?
Gustavo Loyola: Tem sido um tom cauteloso, de um BC que continua apontando os riscos para o cenário. É verdade que ele reconheceu a melhora em termos de inflação corrente, e, mais recentemente, a melhora do cenário externo. Ainda há riscos do ponto de vista fiscal e há uma incerteza natural que é própria dos processos de desinflação. Se pudesse resumir em poucas palavras, diria que o BC vem dizendo que a inflação está convergindo para a meta, mas que não chegou lá ainda, e que a política monetária ainda vai continuar no terreno contracionista por algum tempo. E que deve manter a sequência de cortes de juros, em meio ponto percentual a cada reunião, pelo menos até o primeiro trimestre do ano que vem.
Valor: Recentemente, cresceu a discussão sobre aceleração do ritmo de cortes. Qual a sua avaliação?
Loyola: Acho pouco provável, mas não quer dizer que seja impossível. O que poderia levar a um cenário em que o BC começa a cortar mais os juros? Acredito que uma queda maior nas expectativas de inflação corrente e uma melhora forte do cenário externo, com uma tendência de apreciação do real. Precisaria haver um efeito positivo sobre os preços domesticamente. Ou uma mudança no cenário fiscal. Vejo todos os eventos com probabilidade baixa. Não acho que esse cenário mais otimista tenha grande probabilidade de ocorrer agora.
Valor: Como deve se dar a continuidade do processo de afrouxamento monetário?
Loyola: Temos um cenário de que o ciclo de corte de juros termina só em 2025, mas que contém cortes mais substantivos em 2024. E que, no fim de 2024, ainda estaremos em um terreno de juros acima da taxa de equilíbrio. Nossa expectativa para a Selic terminal está em torno de 9%, enquanto calculamos o juro neutro próximo dos 8%. Pode ser que surja algum espaço adicional para corte nas taxas de juros. Se o Fed derrubar mais os juros do que está previsto nas expectativas, é possível que você tenha um espaço maior aqui no Brasil pela redução na taxa de juros de equilíbrio. Isso pode ocorrer, mas o BC tem tido uma postura bastante cautelosa e que não deve mudar com a chegada dos novos diretores no colegiado. O mais provável é que o ciclo continue da maneira que está sendo conduzido hoje e que ele seja reduzido quando o BC se aproximar mais da taxa de juros neutra.
O mais provável é que o ciclo continue da maneira que está sendo conduzido”
— Gustavo Loyola
Valor: Há riscos de desancoragem adicional das expectativas?
Loyola: Embora sempre exista risco de desancoragem, a não ser que haja uma mudança muito grande de postura do BC, acho que as expectativas devem continuar ancoradas. Não exatamente na meta de inflação, mas é uma ancoragem mais relativa, que os agentes econômicos acreditam que a inflação vai ter uma trajetória de queda, mas não em uma velocidade para se aproximar no centro da meta.
Valor: Surpreendeu a inflexão do Fed na semana passada?
Loyola: Acredito que eles formaram um cenário um pouco mais otimista sobre a inflação. Pode ser que tenham visto alguns sinais de maior enfraquecimento no mercado de bens e no mercado de trabalho. Eu, francamente, não acho que isso está muito claro ainda. Se você analisar, as medidas de núcleos ainda estão acima da meta de longo prazo. Por esse aspecto, o BC americano não deveria estar sinalizando um afrouxamento maior. Isso precisa ser confirmado por números mais favoráveis de inflação e do mercado de trabalho, principalmente.
Valor: Como interpretou a frase de que não há relação mecânica entre fatores externos e a determinação do juros no Brasil?
Loyola: Sempre há o risco de trazer para o Brasil discussões que estão ocorrendo em outras economias. Não se pode fazer uma relação de um para um. A economia americana tem um problema fiscal. Mas a resiliência dos EUA a essa piora fiscal, a meu ver, é bem maior que a do Brasil e dos emergentes. Eles têm mais de tempo para consertar os erros do fiscal. Quando os BCs que servem de modelo adotam políticas menos conservadoras, passam um recado que os outros BCs emergentes poderiam adotar a mesma direção. Isso é, a meu ver, uma leitura equivocada, na maioria das vezes.
Valor: Nesse sentido, a manutenção da mensagem sobre o risco fiscal na ata é correta?
Loyola: É um recado correto. O que se vê ainda é uma tendência forte de aumento de gastos, com o Congresso indo nessa linha de obrigatoriedade de liberação de emendas. Parte das medidas que o governo tinha para aumentar receitas e diminuir o déficit ainda não foram aprovadas e se foram, acabaram um pouco mitigadas. Então aquele cenário que o ministro Haddad traçou no início do ano ainda não se concretizou e não há expectativa que se concretize. Isso, de fato, tem mantido presente o risco fiscal. Por outro lado, mostra que há, por parte da Fazenda, uma vontade de controlar o crescimento do déficit, nem que seja aumentando a arrecadação.
Fonte: Valor Econômico

