29/09/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
A ata da reunião do Comitê de Política Monetária que encerrou o ciclo de alta dos juros em 13,75% aponta três fatores essenciais para que a inflação caminhe para meta no horizonte relevante, que inclui 2024: os efeitos de políticas monetárias muito mais restritivas que o previsto no cenário externo, o grau de ociosidade da economia e a perspectiva da inflação de serviços. O cenário de riscos para a inflação é simétrico, mas talvez possa deixar de sê-lo com o desfecho em breve da eleição presidencial.
O acelerado ritmo de aumento de juros nos Estados Unidos, na zona do euro e nas economias desenvolvidas em geral (exceto Japão) teria, segundo a ata, “impacto desinflacionário no médio prazo”, ao esfriar a economia e, por conseguinte, os preços das commodities e dos bens em geral. No entanto, a “reprecificação” dos ativos no curto prazo “adicionam incerteza sobre o efeito na inflação brasileira”.
Para a inflação, o ativo relevante é o dólar, que disparou em relação às principais moedas, chegou a subir mais de 2% em um único dia (segunda-feira) e situa-se na casa dos R$ 5,35. Estar no fim do ciclo de aperto monetário e não no meio do caminho, como o Fed, ou no início, como o Banco Central Europeu, traz alguma vantagem – ter uma taxa de juro real maior do que as taxas externas, o que amortece o impacto da valorização da moeda americana.
Este parece ser o caso, com o real e o rublo figurando entre as poucas moedas que escaparam da desvalorização no ano. A menos que as altas de juros lá fora produzam ondas de instabilidade inesperadas, o real, que já perdeu bastante valor, parece já ter feito a maior parte do caminho da desvalorização. O fortalecimento do dólar teria efeito mitigado sobre a inflação doméstica, ao contrário do que ocorreu intensamente no ano passado. Por outro lado, a alta do dólar age como amortecedor para que o elevado juro real doméstico exerça seu poder natural de fortalecer o real, o que aceleraria a desinflação em curso.
Ou seja, um repique da inflação para longe das metas é pouco provável, mas o cenário é muito incerto.
O bom desempenho da economia no segundo trimestre e a recuperação rápida do mercado de trabalho levantaram dúvidas sobre se o país já teria ultrapassado sua taxa de expansão potencial, de resto baixa – analistas citam algo entre 1,5% e 2%. Se for o caso, o processo de desinflação levaria mais tempo, assim como a manutenção da taxa de juros atual para levar a inflação à meta.
O Banco Central elaborou um cenário alternativo e insinuou que esse ainda não é o caso, ressalvando que “medidas de grau de ociosidade de uma economia possuem elevada incerteza”. O BC supôs que o hiato do produto fosse zero no terceiro trimestre, isto é, a economia opera a plena capacidade, e o resultado foi que a inflação projetada para 2023 seria de 4,9% e de 3% em 2024. Estes números são superiores aos 4,6% e 2,8%, respectivamente projetados pelo Copom, com base em um câmbio de R$ 5,20 e as expectativas constantes do Focus.
Em relação aos serviços, os prognósticos do Copom são mistos. A inflação menor retira inércia dos preços do setor, enquanto que, a maior atividade econômica eleva “os riscos de pressões mais persistentes”. Mesmo com a menor taxa desde novembro de 2021, a inflação de serviços em agosto atingiu 8,75% em 12 meses, pouco abaixo dos 8,87% de julho. O efeito da alta dos juros, que não atingiu ainda sua plena força, tende a derrubar essa inflação, mas esse efeito está sendo protelado pelos estímulos à demanda concedidos em meio ao frenesi eleitoreiro do governo Bolsonaro.
A bússola do BC terá de procurar outro norte após as eleições. Um fator desinflacionário, presente no balanço de riscos, como a manutenção dos cortes do ICMS sobre bens essenciais, será mantido, ganhe Lula ou Bolsonaro (em cujo orçamento de 2023 está também a desoneração de impostos federais sobre combustíveis). Por outro lado, ambos prometem mais despesas e, no caso de Lula, com o fim do teto de gastos. Lula também deve buscar uma reação contracíclica ao desaquecimento da economia ancorada em gastos públicos em um momento em que o BC não venceu a batalha de levar a inflação à meta. Prometeu ainda retomar a política de valorização do salário mínimo, com aumentos reais, que tendem a aquecer o setor de serviços. Os riscos fiscais crescem e o BC poderá ter de rever sua estratégia em breve.
Fonte: Valor Econômico

