Com a melhora do cenário externo e das perspectivas para o real desde o último encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) o Banco Central não deveria, à luz dos dados disponíveis hoje, elevar a Selic na próxima reunião. Na visão do estretagista-chefe da Warren Investimentos e ex-chefe do Departamento de Mercado Aberto (Demab) do BC, Sérgio Goldenstein, um ciclo de aperto da ordem de 1,5 ponto ou 2 pontos na taxa colocaria as projeções do Copom no horizonte relevante abaixo do centro da meta de inflação.
Valor: Por que o BC não deveria voltar a aumentar a Selic?
Sérgio Goldenstein: É um conjunto. A projeção de inflação no horizonte relevante, no cenário em que a Selic se mantém constante em 10,5%, estava em 3,2% no último Copom, muito próxima da meta. O que aconteceu de lá para cá? Uma reversão do “overshooting” [desvalorização exagerada] do real, que agora passou a ter uma perspectiva mais favorável. Por muito tempo o BC sublinhou que o cenário externo estava adverso e a grande novidade é que ficou mais favorável. O Fed [Federal Reserve, banco central americano] já anunciou que vai cortar [os juros] em setembro e isso tende a favorecer um maior fluxo para emergentes e um real mais apreciado. Também caíram riscos de um “hard landing” [pouso forçado da economia], algo que tende a aumentar o apetite a risco. O processo do desmonte de operações de “carry trade” [em que o investidor capta recursos num país com juros mais baixos e aplica em outro com taxas mais elevadas] já se esgotou em boa medida. As perspectivas para o real são mais favoráveis.
Valor: Como o Copom deve analisar este cenário?
Goldenstein: O câmbio vai levar a um recuo da projeção de 3,2%, que já estava próxima da meta. O BC precisa ver onde o real vai se acomodar. Nas últimas comunicações, havia um sinal de desconforto com a trajetória do real e é preciso ver se esse melhor comportamento vai contribuir para um processo de desinflação e se este cenário vai se traduzir em um real mais apreciado.
Valor: E isso deveria impedir uma elevação da Selic?
Goldenstein: Se o BC promover um ciclo de alta de 1,5 ponto percentual a 2 pontos, o modelo dele, no horizonte relevante, vai apontar uma projeção de IPCA de 2,7%. Em vez de fazer um ciclo de alta para logo ter que fazer um de cortes, parece muito mais coerente manter a Selic estável com um discurso duro. Mas não é só a questão do cenário externo. O IPCA-15, divulgado ontem, já veio melhor, na margem, pelas medidas de serviços subjacentes e intensivos em trabalho. Do último Copom para cá, não vejo nenhum fato que justifique uma preocupação maior do BC. Ele, inclusive, deveria ficar menos desconfortável. Não é um pingue-pongue para ficar jogando a Selic de um lado para outro.
Valor: Ainda há a rolagem do horizonte relevante
Goldenstein: Na meta contínua, quando olhar 18 meses à frente, vai levar a uma projeção de inflação ainda menor. Vão sair meses de 2025 e entrar os de 2026, que devem ter inflação mais baixa. Pela apreciação do câmbio e pelas expectativas, tudo mais constante, a projeção do BC também deve cair.
Valor: Como avalia a comunicação recente do BC?
Goldenstein: Na ata, o Copom foi claro em deixar as duas possibilidades em aberto, a de manter ou a de subir os juros. Mesmo com o Galípolo [Gabriel Galípolo, diretor de política monetária do BC] sendo “hawk” [pró-aperto], ele nunca garantiu uma alta de juros. Entre um Copom e outro, se tornou mais necessário um aperto adicional? Os dados me dizem que não.
Valor: A atividade econômica permanece bastante aquecida. Isso não deveria gerar mais cautela?
Goldenstein: A situação seria diferente se a Selic estivesse em território neutro ou expansionista. Você pode argumentar que a atividade está aquecida. Mas isso é, em grande parte, devido a um enorme impulso fiscal, que vai ser menor no ano que vem e deve gerar desaceleração. Não parece um argumento suficiente para subir a Selic, dado que é algo que está no retrovisor. Mas é preciso manter o discurso duro. Caso as expectativas, o câmbio ou o cenário externo piorem, aí sim o aperto monetário deve ser retomado.
Valor: Há o argumento de que o real se apreciou por conta do discurso mais duro do BC. E que não aumentar a Selic poderia gerar uma reversão desse movimento…
Goldenstein: Esse é o argumento de que o BC precisa subir a Selic para ganhar credibilidade. Primeiro fato, o governo manteve a meta em 3%, algo de que o mercado duvidava e garantiu que uma mudança da meta só pode ocorrer após 36 meses. Se o governo estivesse buscando uma leniência com a inflação, não teria feito isso. A própria interrupção do ciclo a 10,5%, patamar bem superior ao que o mercado esperava, foi uma demonstração técnica de autonomia. Se fosse evidente que o BC teria que subir os juros em setembro, não haveria ninguém duvidando. Ele não precisa subir só para mostrar que pode subir. Tecnicamente, acho difícil defender a alta, já que algumas coisas melhoraram do Copom para cá. Mostraria uma fraqueza do BC, que precisaria se provar aumentando os juros. Se ele fizer um ciclo de 1,5 a 2 pontos, a projeção de inflação dele ficaria abaixo da meta. E se fizer um ciclo muito pequeno, só reforçaria que ele é desnecessário. Boa parte do mercado fala em subir a Selic para depois logo cortar. Não consigo ver muita coerência nisso.
Valor: Espera decisão unânime?
Goldenstein: É natural que existam decisões divididas, mas, neste momento, é preciso um esforço máximo para ter união.
Fonte: Valor Econômico

