O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) não fechou a porta para iniciar um eventual ciclo de flexibilização da taxa Selic, afirmam Rafael Kappaz, responsável pela tesouraria do Santander, e Rafael Pistelli, diretor do banco responsável pela formação de preços no fluxo de clientes.
“Não fechou a porta para janeiro”, afirma Pistelli. “As mudanças foram muito sutis, de fato, mas todas na linha de mostrar alguma abertura mínima para iniciar um processo de flexibilização monetária.”
Um dos pontos que indicam que a Selic pode cair em janeiro, dizem, é a projeção de inflação do Copom para os 12 meses até junho de 2027, que passou de 3,3% para 3,2%. Eles destacam que há um componente discricionário nessas projeções, que servem para o Copom fazer sinalizações para o mercado.
O mais provável, afirmam, é que o Copom comece a cortar os juros em março, mas há chances de corte em janeiro, especialmente se o dólar voltar a cair para a casa dos R$ 5,30. Isso dependerá do ambiente internacional e também doméstico, entre os quais as remessas de dividendos diante da taxação desse fluxo.
“Em relação à expectativa inicial, o fluxo vai ser menor”, afirma Kappaz. “Quando veio a regulamentação definitiva, que trouxe a possibilidade de fazer o pagamento nos próximos dois anos, tirou uma pressão de pelo menos uma parte das empresas em acelerar o pagamento.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Qual foi o recado do comunicado do Copom?
Rafael Pistelli: Temos uma visão um pouco diferente da do mercado, que entendeu que o Banco Central fechou a porta [para corte de juro] em janeiro. As mudanças foram muito sutis, de fato, mas todas na linha de mostrar alguma abertura mínima para iniciar um processo de flexibilização monetária. A princípio, neste momento, parece mais provável ser em março do que em janeiro. Não fechou a porta para janeiro. Se a gente tiver algum tipo de melhora, seja aqui no mercado interno ou no mercado externo, com essas mínimas e sutis mudanças, todas na mesma direção, abre-se um espaço para iniciar um ciclo. Nem que seja de uma forma mais cautelosa, por exemplo, com um ritmo inicial de 25 pontos-base.
Valor: Alguns analistas entenderam que as pequenas mudanças no comunicado reforçam, na verdade, a tese para cortar em janeiro. Essas trocas de palavras, na sua visão, indicam alguma coisa para a próxima reunião?
Pistelli: Para a próxima reunião, em si, não. Mas acho que começa a preparar o mercado para, de fato, tirar uma restrição que é muito grande para uma restrição menor. Ele não quis sinalizar nada para janeiro, mas acho que foi um primeiro passo para não ser tão hawkish [duro] quanto vinha sendo. Acho que não quer sinalizar porque, de fato, ele não tem clareza de que janeiro vai ser possível. Mas, dado esse primeiro movimento dele, que era importante, não é um cenário impossível.
Valor: O BC reduziu de novo a projeção de inflação: foi de 3,3% para 3,2%. Isso surpreende?
Pistelli: Veio bem em linha do que a gente, e até grande parte do mercado, esperava. Essas projeções, obviamente, têm algum tipo de discricionariedade. A gente achava que, se o Banco Central realmente quisesse fechar totalmente a porta para o corte em janeiro, ele manteria essa projeção em 3,3%. Então foi uma sinalização também importante para não fechar a porta para janeiro. Se o nosso cenário de inflação evoluir como a gente está projetando, possivelmente em janeiro essa projeção poderia ir para 3,1%. A depender do câmbio, vai caminhando para 3%, e iniciaria o ciclo de ajuste monetário. Se for em março, já começa com um corte de 50 pontos-base. Se for em janeiro, ele pode optar pela baixa de 25 pontos-base, por cautela.
Valor: O que poderia levar a um corte já em janeiro?
Pistelli: Para acontecer em janeiro, vai precisar que o câmbio volte para R$ 5,30, seja por um cenário local mais benigno, seja por um cenário externo. A gente teve um processo de enfraquecimento do dólar ao longo desse ano muito forte. O Fed [Federal Reserve, o BC americano] foi um pouquinho mais dovish [brando] do que o esperado pelo mercado. Mas, no pior cenário, é muito difícil o BC não iniciar o ciclo em março, dado que a inflação deve se comportar de uma maneira bastante positiva ao longo dos próximos meses.
Valor: Quanto pode cair o juro?
Pistelli: O nosso time de economia projeta que o Banco Central leve a Selic para 13% em 2026, porque eles têm uma dificuldade relacionada ao cenário eleitoral que [talvez não] permita levar os juros para 12%, como a maior parte dos analistas projeta. Mas, pelos dados macro, se não tivesse uma eleição no ano que vem, facilmente conseguiria levar os juros para 11%, 10%.
Valor: Como a taxação da remessa de dividendos pode afetar o dólar e, portanto, o cenário para juro?
Rafael Kappaz: Pelo que a gente enxerga aqui e discute com clientes, existem pagamentos a serem feitos em grandes volumes. É maior do que o fluxo histórico. Mas, em relação à expectativa inicial, o fluxo vai ser menor. Quando veio a regulamentação definitiva, que trouxe a possibilidade de fazer o pagamento nos próximos dois anos, tirou uma pressão de pelo menos uma parte das empresas em acelerar o pagamento. O que todo mundo está buscando é acelerar a declaração do dividendo até o fechamento deste trimestre, mas não necessariamente seguir com o pagamento. Entre os que estão acelerando o pagamento, há uma preocupação com relação a uma potencial mudança no que saiu na regulamentação.
Valor: Como a política fiscal afeta a política monetária em 2026?
Kappaz: Há coisas dadas, conhecidas, trazendo um impulso fiscal que não aconteceu, ou aconteceu em menor tamanho, agora no segundo semestre deste ano. Tem coisas programadas, esperadas. A grande questão que fica é o parafiscal que adicionalmente pode ser feito ao longo do ano que vem nesse cenário. Vai depender de como a economia vai estar respondendo ao longo do próximo ano. Vai depender de qual vai ser o impacto das medidas que já estão anunciadas, como a reforma da renda, por exemplo, a questão de pagamento de precatórios e tudo mais – e de quanto isso tudo vai ajudar a manter a economia num nível que o governo entende ser bom, mirando a reeleição. Se tiver uma desaceleração maior e a política monetária ainda não estiver fazendo efeito, que é uma possibilidade ainda grande, eventualmente vai haver aceleração [fiscal] nesse sentido.
Valor: Como o Fed pode afetar?
Pistelli: O mercado hoje está bastante cético de que ele consiga baixar os juros para baixo do neutro. A gente ainda vê o mundo numa situação bastante delicada, a questão fiscal virou realmente um problema global. Então, claramente, as taxas neutras de juros globais estão muito acima do que no pré-pandemia. A gente vê bastante dificuldade de o Fed baixar muito a taxa de juros desse nível neutro aí de 3%. Tem um pouco de espaço, mas é um espaço pequeno. O que pode surpreender: ter um mercado de trabalho com mais fraqueza, principalmente nesse início de 2026. Isso daria conforto para o Fed. Mas não é o nosso cenário base. A gente acha que a economia americana segue muito firme, muito forte. A economia americana deve seguir sendo o principal motor nesse tema de tecnologia e inteligência artificial.
Valor: E o fator Trump, que escolhe o novo presidente do Fed?
Kappaz: A troca no Fed acontece lá no nível mais regional. E a expectativa é que isso pode ser um pouquinho mais dovish do que a gente tem hoje.
Fonte: Valor Econômico

