O comunicado do Banco Central, que deixou a Selic inalterada em 15% pela quarta reunião seguida, foi visto como conservador, mas não eliminou a chance de um corte de juros em janeiro. A cautela adotada pela autoridade monetária no texto pode levar os investidores a penderem por um primeiro corte apenas a partir de março, na avaliação de economistas consultados pelo Valor sobre a mensagem do Comitê de Política Monetária (Copom) em sua decisão desta quarta-feira, que manteve a Selic no maior patamar desde 2006.
No comunicado, que teve apenas mudanças sutis nem relação a novembro, o Copom evitou dar sinalizações concretas acerca dos próximos passos da política monetária. A manutenção de trechos como “período bastante prolongado” de juros elevados e de que o colegiado “não hesitará” em voltar a aumentar a Selic, se considerar necessário, foram alguns dos pontos destacados pelos economistas do mercado.
Como contraponto à manutenção de uma postura mais conservadora, o Copom revisou para baixo a sua estimativa de inflação para o horizonte relevante da política monetária (segundo trimestre de 2027), de 3,3% para 3,2%. A revisão ocorreu, porém, por meio de uma expectativa melhor para os preços administrados, que variam de acordo com fatores pouco ligados à política monetária. A projeção para os preços livres permaneceu em 3,2%, sinalizando que o BC não vê uma desaceleração da atividade mais forte do que projetava antes.
“Com o que vimos no comunicado, quem estava dividido entre janeiro e março deve pender para março. Não que a perspectiva de corte em janeiro desapareça, mas ela irá perder força”, diz o economista-chefe da MAG Investimentos, Felipe Oliveira. Na leitura do executivo, o trecho mantido no texto de que o Copom seguirá vigilante e de que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste é um sinal ainda conservador do colegiado. “Ao meu ver isso seria excluído do texto, principalmente depois de o diretor [de política monetária] Nilton David dizer que aumentar os juros não era mais cenário-base do BC”, diz.
A economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Natalie Victal, tem uma leitura diferente. A sua avaliação é que o trecho apenas reflete o que foi apontado pelo presidente da autarquia, Gabriel Galípolo, recentemente em evento da XP. Na ocasião, Galípolo afirmou que o mercado deve entender a ideia de juros elevados por “período bastante prolongado” como uma integral, ou seja, no acumulado de todo o ciclo, e não algo que se reinicia a cada comunicado do Copom.
O que para Victal foi uma sinalização mais conservadora foi o trecho em que o BC substitui o termo “suficiente” para “adequado” ao mencionar o “período bastante prolongado” do nível de juros. Para ela, com essa troca o BC aponta que está ainda mais confiante quanto à postura atual da política monetária.
Apesar disso, Victal diz que o comunicado mostra o BC muito confortável, querendo avaliar o cenário de 45 a 45 dias, sem tomar risco precipitado. “Quis deixar todas as opções na mesa para a próxima reunião”, diz. Para ela, o Copom não “interditou” o debate sobre um possível corte em janeiro, mas sinalizou que as próximas decisões seguem bastante dependentes dos dados.
“[O comunicado] Não interdita o debate de cortes já em janeiro, mas também não sinaliza que esse é o cenário base e tampouco tira o conforto de quem tem março [como projeção para o primeiro corte]”, diz. “Não telegrafou um corte em janeiro, não é um comunicado de quem tem pressa para cortar”, conclui a economista, que tem em seu cenário a primeira redução da Selic de meio ponto percentual em março, e uma taxa de 11,50% no fim de 2026.
O economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, também não descarta chances de que o primeiro corte venha a ocorrer em janeiro, mas ele aponta que, “com o que há hoje [de dados], a redução dos juros deve vir em março”. Na sua avaliação, para ocorrer um corte antes disso será preciso números melhores de inflação, o que não é o cenário-base do banco. “Precisa ter uma surpresa boa para ocorrer o primeiro corte em janeiro”.
Na interpretação de Salles, o BC apontou no texto ontem que “a fruta está quase madura, mas ainda não no ponto”. A ideia de que o início do corte está se aproximando fica evidente na projeção da inflação para o horizonte relevante, explica o economista. “Já está bem perto da meta de 3%. Provavelmente o Banco Central deve reduzir essa projeção para 3,1% ao rolar o horizonte. Por isso, temos que dar atenção às estimativas do Relatório de Política Monetária (RPM)”, aponta.
Para o PicPay, os poucos ajustes feitos no comunicado da decisão, somados à manutenção de um tom bastante conservador, mostraram que o Copom não está disposto a cortar os juros tão cedo. Para a economista-chefe, Ariane Benedito, o colegiado “fechou a porta” para uma redução da Selic em janeiro. “Acreditávamos que o BC iria flexibilizar o comunicado, mas ele conduziu de uma forma que não deixou espaço nenhum para que apostemos em corte no curto prazo.”
A economista do PicPay chama atenção para o fato de que o BC enfatizou por diversas vezes a desancoragem das expectativas de inflação, sobrepondo isso à melhora corrente do quadro inflacionário. “A nossa interpretação é de que o BC está sinalizando ao mercado que o ano que vem é de cautela. Precisamos das expectativas no centro da meta, principalmente no horizonte de 2027”, diz Benedito, ao projetar que o BC só começará a cortar os juros quando o mercado projetar a inflação na meta.
De forma similar, Robson Pereira, economista-chefe da Brasilprev, destaca que as expectativas de inflação ainda superiores à meta de 3% casado a um comunicado “muito parecido” com o texto da decisão anterior não indica que haverá um corte da Selic já em janeiro.
“Foi um comunicado com poucas mudanças”, mas suficientes para “esvaziar um pouco das apostas que existem hoje no mercado para uma queda de juros iniciando em janeiro”, diz Pereira. Desta forma, a Brasilprev revisou o cenário base, que antes contemplava a primeira redução da Selic em janeiro, e agora projeta o início da flexibilização apenas em março, com um corte de 0,5 ponto percentual.
Essa também é a projeção do PicPay, de acordo com Benedito. Ela pondera, no entanto, que o fato do BC colocar tanto peso nas expectativas desancoradas indica que o primeiro corte pode demorar ainda mais para acontecer. “Com esses pontos, tecnicamente, o BC não deveria flexibilizar”, diz.
Fonte: Valor Econômico

