Por Victor Rezende — De São Paulo
22/06/2023 05h01 Atualizado há 21 minutos
O Copom está em um processo de retirar elementos mais duros de sua comunicação e, assim, adota uma “transição de linguagem” para caminhar na direção de uma flexibilização da política de aperto monetário mais à frente. É o que aponta o chefe de economia para Brasil e de estratégia para América Latina do Bank of America (BofA), David Beker, que mantém o cenário de início do ciclo de cortes na Selic em agosto, com uma redução de 0,5 ponto percentual.
Ao Valor, o executivo diz que a decisão sobre a meta de inflação, a ser tomada pelo CMN na próxima semana, será um “divisor de águas”, que pode contribuir para uma queda adicional das expectativas de inflação e contribuir para um desaperto em agosto.
Valor: A manutenção da Selic em 13,75% já era esperada, mas qual a avaliação sobre a comunicação?
David Beker: O comunicado veio bem em linha com o esperado. Há um processo gradual de retirada dos ingredientes mais ‘hawkish’ [duros] em relação ao que era observado nos comunicados anteriores. O Copom está fazendo uma transição de linguagem para caminhar na direção de um afrouxamento adiante, mas, obviamente, não faz compromisso nenhum com um afrouxamento e indica que isso dependerá dos dados. É clara e nítida a flexibilização da linguagem do Copom. Está se preparando para cortar juros, mas, neste momento, não está disposto a deixar isso por escrito. A explicação, para mim, é que ele não ganha nada em antecipar um momento e o risco de fazer isso é sempre gerar movimentos exagerados do mercado, o que iria contra a desinflação que ele deseja.
Valor: O mercado já havia embarcado, nas últimas semanas, em um movimento de expectativa por corte de juros em agosto. Isso pode ser revertido após a decisão?
Beker: A parte curta da curva de juros já precificava quase 100% de chance de um corte em agosto. É possível vermos uma reação nos juros mais curtos, mas teremos 44 dias daqui até o próximo Copom. Podemos ver alguma correção, mas não acredito em nada muito grande. É precipitado tirar muitas conclusões sobre o próximo ciclo de juros agora. E temos, ainda, uma decisão sobre as metas de inflação na próxima semana e é provável a continuidade da queda das expectativas inflacionárias e do cenário benigno de inflação, além da aprovação do arcabouço fiscal no Congresso. No conjunto, daqui até agosto, ainda tem muita coisa para acontecer.
Valor: A perspectiva do BofA de início do ciclo de flexibilização da Selic em agosto se mantém?
Beker: Sim. Continuamos a enxergar um corte de 0,5 ponto nos juros em agosto e uma Selic de 11,75% no fim do ano e de 9,5% no fim do ciclo, em 2024.
Valor: Quais pontos da comunicação do Copom dão espaço à percepção de que os juros podem começar a cair em agosto?
Beker: Algumas partes mais ‘hawkish’ de comunicados anteriores foram retiradas. O Copom não usou mais o cenário alternativo e excluiu a frase sobre a possibilidade de retomar o ciclo de aperto monetário. Como ponto de cautela, o Copom trouxe a colocação de queda lenta das expectativas, mas, daqui até a próxima decisão, é possível que haja uma aceleração desse processo, além de termos a continuidade de um cenário inflacionário benigno, que permita ao Copom iniciar um ciclo em agosto, com corte de 0,5 ponto. Na minha leitura, o comitê usou ingredientes para os dois lados, mas não chega a ser nenhuma surpresa essa linguagem mais dura. Em grande parte das reuniões, o BC surpreendeu com uma linguagem mais ‘hawkish’. Apostar em uma linguagem mais suave não parecia ser uma aposta adequada neste momento.
Valor: Houve uma surpresa grande no cenário de inflação desde a decisão de maio do Copom…
Beker: E ele reconheceu esse processo, ao cortar para 5% a projeção de inflação dele para este ano. O mercado também está caminhando nessa direção. O Focus está sendo revisado e acredito que esse processo pode continuar. Claro que a dinâmica dos preços dos combustíveis gera bastante incerteza, mas começamos a ver um movimento de queda das expectativas do ano que vem e também dos seguintes. O divisor de águas será a reunião do CMN. Se não houver alteração do centro da meta – que é a nossa expectativa neste momento -, o processo de queda das expectativas de inflação de longo prazo no Focus deve se acentuar.
Valor: O câmbio também anotou uma apreciação relevante e ajudou no cenário inflacionário. Esse movimento tem espaço para continuar até a próxima reunião?
Beker: É um ponto fundamental. O que acontecer com o câmbio até o próximo Copom pode ajudar a nossa tese de início dos cortes já em agosto com uma redução de 0,5 ponto. Na nossa visão, vai depender muito do cenário externo. As notícias têm sido mais positivas, temos visto uma surpresa na atividade econômica e tivemos, mais recentemente, a decisão da S&P Global de alterar a perspectiva do rating do Brasil de estável para positiva. O noticiário tem ajudado. Vemos espaço para uma eventual apreciação adicional da moeda, mas o câmbio, neste momento, depende muito mais do ambiente externo.
Valor: É possível ver alguma correção na bolsa, após a valorização recente, que levou o Ibovespa de volta aos 120 mil pontos?
Beker: Continuamos com um ‘target’ [alvo] de 135 mil pontos para a bolsa no fim deste ano. Quando esse processo de redução de juros começar, pode corroborar a alta da bolsa. Mas é preciso destacar que existe um componente importante nesse processo, que é a evolução do cenário econômico na China, que tem impacto nos preços das commodities.
Fonte: Valor Econômico

