Por Gabriel Caldeira — De São Paulo
17/08/2023 05h03 Atualizado há 4 horas
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Os rendimentos dos Treasuries, os títulos da dívida soberana dos Estados Unidos, dispararam nos últimos dias e, na sessão de ontem, a taxa de dez anos americana subiu a 4,256%, o maior nível de fechamento desde a crise financeira de 2007 e 2008. O aumento da dívida pública nos Estados Unidos, que tem elevado as emissões de títulos públicos, se somou ao risco de que o Federal Reserve (Fed) mantenha uma postura conservadora diante da resiliência da economia americana. Participantes do mercado, assim, têm exigido taxas cada vez mais altas, em um movimento que pode se estender.
A piora na percepção de risco tem afetado, em especial, as taxas de longo prazo dos papéis da dívida americana. Somente neste mês de agosto, o rendimento da T-note de dez anos saltou de 3,959% para 4,256%, enquanto o retorno do papel de 30 anos subiu de 4,011% para 4,356%. Os movimentos são bastante expressivos, especialmente ao se considerar que se trata da dívida de longo prazo dos EUA.
Parte do nervosismo na renda fixa americana vem após o Departamento do Tesouro dos EUA anunciar um aumento nas emissões de títulos públicos, diante da escalada da dívida do país. Para o economista Alex Pelle, do Mizuho, os anúncios dos leilões, o rebaixamento da nota de crédito dos EUA pela Fitch Ratings e as mudanças na condução da política monetária no Japão criaram uma “tempestade perfeita” que gerou uma forte venda de Treasuries de longo prazo.
“Há um limite sobre quanto os investidores podem absorver de Treasuries. O mercado opera sob narrativas, e essa ‘tempestade perfeita’ virou o foco para os problemas fiscais nos EUA, bem como as implicações da maior oferta”, diz Pelle. Em julho, o governo americano registrou um déficit orçamentário de US$ 221 bilhões, US$ 10 bilhões a mais em relação ao mês anterior e muito acima do esperado pelo mercado. Com o resultado, o déficit chegou a US$ 1,6 trilhão no ano fiscal de 2023, mais do que o dobro do registrado durante o mesmo período em 2022.
O economista do Mizuho cita, ainda, o desempenho robusto da economia americana mesmo depois da longa campanha de aperto monetário. O Fed elevou os juros em 5 pontos percentuais, para a faixa de 5,25% a 5,5%, a maior desde janeiro de 2001 – e a possibilidade de outra alta de 0,25 ponto percentual segue sobre a mesa.
A surpresa com a atividade nos EUA tem feito com que uma parcela cada vez menor dos economistas e dos investidores mantenha a previsão de que a maior potência global entrará em recessão.
“Tempestade perfeita virou o foco para os problemas fiscais nos EUA” — Alex Pelle
Para o time de estrategistas de renda fixa do Barclays, mesmo com o aumento recente das taxas, o mercado de Treasuries ainda não está “estressado”, e o nível elevado do juro neutro de curto prazo nos EUA indica que os investidores seguem muito pessimistas com o crescimento e que a política monetária pode nem mesmo estar em território restritivo. Nesse cenário, o Barclays abriu recomendação de venda da T-note de dois anos, ou seja, aposta em aumento adicional dos rendimentos. Ontem, a taxa da T-note de dois anos subiu a 4,965%.
“Se o crescimento continuar superando as expectativas, o mercado precisará retirar a recessão das previsões e pode ter de precificar mais um aumento de juros do Fed”, diz Pelle, do Mizuho. Nem a desaceleração da inflação americana tem sido suficiente para arrefecer o rali dos Treasuries. “Crescimento acelerado, demanda no mercado de trabalho extremamente excessiva e preços de energia subindo novamente” tiram a confiança do mercado em um Fed menos agressivo, segundo Pelle.
“A menos que ocorra uma recessão, é provável que o Fed corte muito mais lentamente do que o mercado espera”, dizem os estrategistas do Barclays. “Acreditamos que o componente de expectativas nas taxas deveria ser maior. Dada a resiliência da economia, os riscos ainda estão direcionados para o Fed entregar outro aumento [de juros] e qualquer corte subsequente provavelmente será glacial”.
Há a crença no mercado de que a inversão da curva de juros – quando o rendimento do título de dois anos supera o do título de dez anos – antecipa cenários de recessão nos EUA. No entanto, o atual ciclo econômico tem desafiado essa noção. Mas se a ligação do mercado de Treasuries com a economia não tem tido a mesma sintonia de antes, o salto nos rendimentos dos títulos de longo prazo deve afetar outros ativos nos EUA, em especial as ações. Em agosto, o S&P 500 já acumula perda de 4,02%.
“A correlação negativa entre os rendimentos dos Treasuries e o S&P 500 – uma característica-chave de 2022 que esteve ausente durante grande parte deste ano – parece ter retornado”, avalia Thomas Mathews, economista-sênior de mercados da Capital Economics. Para ele, essa dinâmica só deve se reverter caso a economia dos EUA enfraqueça. Nesse caso, tanto os retornos da renda fixa americana quanto as bolsas de Nova York devem tomar trajetória descendente.
Fonte: Valor Econômico

