Por Sérgio Tauhata — De São Paulo
O Banco Central brasileiro conseguiu um feito que tem sido perseguido por todas as autoridades monetárias globais: um “pouso suave” da economia, com efetivo
controle da inflação e ancoragem das expectativas. Essa é a avaliação do diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto
Ramos. Em entrevista ao Valor, o economista elogia o trabalho do BC local: “Acho que tem feito um trabalho notável”.
Ramos faz um contraponto às críticas que o BC, que se reúne nesta semana para definir o rumo da taxa Selic, tem recebido do governo e vários setores por conta da manutenção do juro básico em patamar elevado. “Se a autoridade quisesse colocar a inflação na meta no fim deste ano na marra, teria de ter dado um arrocho de juros acima de 20%. Um arrocho dessa magnitude teria um custo econômico e social muito elevado.” De acordo com ele, “nas críticas ao BC, me estranha uma coisa: até parece que a inflação é apenas um número e não tem custo”. Para o especialista, “a inflação alta afeta muito mais as famílias mais pobres do que o nível de juros”. Leia a seguir os principais pontos da entrevista.
Valor: O mercado tem estimado uma taxa de juro neutra [nível que estimula a economia sem gerar inflação] acima da avaliada pelo Banco Central. A autoridade tem sido conservadora?
Alberto Ramos: A taxa de juro neutra, assim como o hiato do produto, não é uma variável que podemos observar. São estimativas econométricas e há várias maneiras de fazê-las. Não é ‘rocket science’, ou seja, algo que se possa estimar com alguma precisão. No próprio box do último relatório de inflação do BC, a autoridade faz uma estimativa muito rigorosa por diferentes técnicas. Há um leque de variação de 3% a 5,3%. Então, a mediana me parece que foi de 4,8%. O BC foi um pouco conservador e poderia ter elevado até 4,75% que ficaria mais na mediana. Mas me parece acertado avaliar que a taxa de juro neutro subiu no curto prazo, mas cravar esse valor, se é 4,5% ou 4,75%, é difícil ter essa precisão. Por outro lado, também a política monetária já é bastante restritiva, quer o juro neutro seja 4,5% ou 4,75%. A sinalização do BC foi mais que essa subida do juro neutro, mostra que a política monetária talvez seja menos restritiva do que se pensava lá atrás. Olhando onde está a Selic e a taxa neutra real no Brasil [descontada a inflação], podemos observar que há outros países na América Latina onde a política monetária é mais restritiva, porque o neutro em outros países é bem abaixo do que é no Brasil. Então, mesmo que o país tenha taxa nominal abaixo da Selic, por exemplo, no Chile, a política é mais restritiva.
Valor: A melhora das condições macroeconômicas e a redução de incertezas podem levar à reavaliação do nível do juro neutro no país?
Ramos: O resumo da ópera sugere que o juro neutro subiu. A dinâmica de dívida mostra tendência que volte a piorar, ou seja, de a dívida pública em relação ao PIB voltar a aumentar. O [novo arcabouço] fiscal que foi apresentado não estabiliza a dinâmica de dívida. A política microeconômica piorou. Microeconômica no sentido de manejo das empresas públicas e bancos públicos, assim como algum retrocesso em reformas [já aprovadas], como, por exemplo, a lei de saneamento. O quadro macro e as políticas macro e microeconômicas e ‘quasi-fiscais’ não sugerem que a taxa de juro neutro caiu. Na verdade, sugerem que subiu. Se subiu 50 pontos-base [0,50 ponto percentual], 75 ou 80 pontos aí é uma calibragem fina. Essa referência da neutralidade vai ter mais relevância no final do ciclo [de queda de juros], quando o BC vai querer saber onde está a neutralidade para encerrar os cortes.
“BC resolveu fazer uma suavização e distender o processo de convergência de inflação para a meta”
Valor: O que explica a atual resiliência econômica diante da política monetária restritiva?
Ramos: Porque a economia parece estar um pouco melhor do que se esperava inicialmente? Talvez tenha havido uma subestimação do efeito residual do impacto da reabertura econômica sobre o setor de serviços e há também talvez um aspecto comportamental em que, depois de uma pandemia, na qual durante dois anos as pessoas não viajaram para os lugares que gostavam, não visitaram amigos e parentes, parece que, talvez, tenha aumentado a predisposição ao consumo presente. O terceiro fator é específico do Brasil e tem a ver com o clima e produção agrícola, que aumentou 20% no primeiro trimestre. Isso alavancou o PIB, gerou renda e um processo de difusão no resto da economia. Houve também aumento de gasto fiscal, aumento de salário mínimo, aprovação do piso da enfermagem, aumento dos servidores públicos e um grande aumento de transferência de recursos do governo para famílias. Tudo isso tem dado contribuição ao consumo. Tirando isso, a economia mostra sinais de que está perdendo algum vigor.
Valor: Uma Selic elevada por mais tempo foi a melhor decisão de política monetária?
Ramos: Acho que foi acertadíssimo. Claramente o BC resolveu fazer uma suavização e distender o processo de convergência de inflação para a meta. Quando a inflação atingiu dois dígitos, para trazer a inflação para a meta no final deste ano, o BC teria de dar um choque de juros, um arrocho de juros monumental. Iria derrubar a economia, validar uma mega recessão, com impacto no mercado de trabalho e social profundo. Acelerar a convergência me parece que teria um custo econômico e social muito elevado. Então, o BC decidiu colocar a política monetária num campo claramente restritivo e garantir essa convergência em um cenário de 18 meses, de seis a oito trimestres. Achei superrazoável e também uma decisão que faz parte do mandato do BC, que tem uma meta primordial de ancorar a inflação na meta, mas também de suavizar os ciclos econômicos. Muitas das críticas ao Banco Central acho que não procedem. Se a autoridade quisesse colocar a inflação na meta no fim deste ano na marra, teria de ter dado um arrocho de juros acima de 20%. Me parece que não seria a melhor decisão e era mesmo melhor minimizar um pouco o custo. Um arrocho dessa magnitude teria custo econômico, para o mercado de trabalho e social muito elevado. Foi uma opção do BC para não derrubar a economia.
Valor: Qual o cenário-base do Goldman Sachs para o esperado ciclo de queda da Selic?
Ramos: A gente acha que o BC começa [a cortar juros] em agosto [na reunião desta semana]. Nós tínhamos esse ‘call’ há mais de um ano e meio. Mas demos sorte, porque ninguém tem bola de cristal, mas parte do motivo pelo qual achávamos que começa a cortar em agosto é que já sabia que, pelo efeito base, a inflação de maio, junho e julho seria relativamente baixa e que na reunião de agosto o BC já começa a mirar como está a inflação no início de 2025. Com 2025 já entra no horizonte relevante de política monetária e com política monetária restritiva, quando se projeta a inflação no horizonte de dois anos já começa a ceder. Continuamos a achar que o BC começa a cortar os juros em agosto e nosso cenário é de uma queda de 25 pontos-base. Até pode vir 50, mas dado que o BC tem enfatizado tanto a questão de ser paciente, que o processo é gradual e tem usado a palavra parcimônia, está com cara mais de 25 do que 50. Achamos que depois de agosto, o corte acelera para 50 pontos. Para o fim de 2023 prevemos uma Selic de 12% e ao final de 2024 em 9,25%. Depois, em 2025, o BC pode cortar um pouco mais e chegar a 8,50%. Mas o grau de visibilidade para 2025, como você pode imaginar, não é muito grande.
Fonte: Valor Econômico

