Mesmo que um Banco Central mais duro no Brasil possa contribuir para contrabalancear um cenário de dólar forte globalmente, as tarefas de diminuir o pessimismo com o país, atrair investidores e ajudar a segurar o câmbio ainda dependerão mais das decisões fiscais do governo brasileiro. A avaliação é de Fernanda Guardado, economista-chefe para América Latina do BNP Paribas.
O banco francês acaba de apresentar a clientes seu relatório global com perspectivas para 2025 e 2026. Nele, projeta que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil desacelere de 3,4% em 2024 para 2,1% em 2025 e 1,8% em 2026. A inflação, pela média do IPCA no ano, deve ficar em 4,4%, 5,1% e 4%, respectivamente.
No relatório, ao comentar estratégias de portfólio, o BNP Paribas diz que o cenário macro em geral favoreceria a moeda brasileira, considerando, entre outras coisas, o BC cauteloso, a taxa de juro real elevada e o real ainda como uma moeda barata. Com os riscos crescentes em torno da consolidação fiscal no país e na América Latina em geral, porém, o banco afirma manter uma exposição abaixo da média do mercado no quesito.
“Sem dúvida, os últimos movimentos do BC ajudam a dar algum suporte à moeda. Mas eu ainda acredito que a direção principal vai ser ditada pela política fiscal. O nosso problema, o maior foco dos investidores, tem sido a política fiscal. Decepções adicionais vão se traduzir na moeda, por mais que o BC esteja fazendo esse esforço todo”, afirma Guardado.
A última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) – de acelerar a alta da Selic para 1 ponto percentual (p.p.) e sinalizar mais duas elevações de igual magnitude – foi considerada “muito boa” por Guardado, que, até o ano passado, era diretora de Assuntos Internacionais do BC.
Relatório projeta cenário “bastante difícil” com governo Trump nos Estados Unidos
A prescrição futura para as próximas reuniões “foi surpreendente” e, de certa forma, “torna mais custosa uma decisão diferente”, afirma. Isso, diz Guardado, “diminui a incerteza da transição” para um “novo Copom”, liderado, a partir de 2025, por Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária. “É um BC que vai tentar trazer a inflação para [a meta de] 3% em 2026 e que está disposto, inclusive, a ultrapassar o pico observado no último ciclo de juros, de 13,75%”, afirma. Ela revisou sua projeção para a Selic ao fim do ciclo para 15%, com os dois aumentos de 1 ponto já sinalizados e mais “um derradeiro” de 0,75 p.p. em maio.
“O fiscal tem sido o principal assunto, a força motriz por trás dos movimentos de mercado recentemente. Seria muito importante – não só para ajudar o trabalho do BC, mas também para diminuir um pouco esse pessimismo de cenário para o Brasil – observarmos medidas mais enfáticas de redução de gastos por parte do governo”, afirma.
O índice de vulnerabilidade fiscal do Brasil é o pior entre 13 emergentes analisados pelo BNP Paribas no relatório, à frente de países como África do Sul, México, Colômbia e Índia. O índice do banco considera variáveis como necessidade bruta de financiamento, dívida pública e serviço da dívida – indicador em que o Brasil se destaca negativamente.
No front global, o relatório do BNP Paribas gira em torno de tentar prever um cenário à frente “bastante difícil”, diz Guardado, porque ele está bem dependente de como será a política econômica do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. “Devemos levar suas promessas políticas a sério. Acreditamos que ele está disposto a aumentar as tarifas, principalmente contra a China, e a diminuir a imigração para os EUA.”
O cenário-base do BNP Paribas incorpora aumento das tarifas americanas à China de 25 pontos, com acréscimo inicial de 10 p.p. já no primeiro trimestre de 2025, até a taxação final de 40%. Para demais países, o aumento médio da tarifa deve ser de 3 p.p., mas com início apenas no fim de 2025, até chegar a uma taxação média próxima de 5%.
A segunda premissa importante para o cenário-base do banco é que a entrada líquida de novos imigrantes nos EUA vai cair de cerca de 1 milhão em 2024 para 300 mil em 2025, sem deportações em massa. “Isso vai ter impacto na falta de mão de obra nos EUA”, diz Guardado.
Ainda que o BNP Paribas considere que a agenda de desregulamentação de Trump avance, incentivando o investimento empresarial, as ineficiências provocadas pelas tarifas e pela menor oferta de mão de obra devem fazer a produtividade americana desacelerar, diz Guardado.
Com isso, a perspectiva é que o PIB dos EUA vá de 2,8% em 2024 para 2,1% em 2025 e 1,3% em 2026. Ao mesmo tempo, como essas políticas geram pressão sobre os preços da economia, os EUA não devem conseguir sair de uma inflação média de 2,9% neste e no próximo ano e ainda acelerar para 3,9%, na média, em 2026.
Esse é um ponto de muita atenção para o banco central dos EUA, segundo Guardado. É por isso que, após a redução esperada de 0,25 ponto percentual na taxa básica de juro americana, o BNP Paribas não enxerga mais nenhum corte ao longo de 2025, o que coloca o banco em uma ponta mais conservadora entre projeções de mercado.
Embora o cenário-base do BNP Paribas não contemple, por ora, medidas de retaliação de nenhum país às tarifas dos EUA, o banco diz ser provável que a China tome medidas fiscais e monetárias para atingir uma taxa de crescimento ao redor de 4,5% do PIB, considerada a mínima aceitável pelas autoridades chinesas.
A implicação de todo esse cenário global para os países da América Latina é uma trajetória de juros superior, diz Guardado. Diferentemente do Brasil, lembra, Chile, Colômbia e México ainda estão em ciclos de cortes de juros, que devem parar, agora, antes do que era antecipado – em 4,25%, 6% e 8,25%, respectivamente, até 2026.
A expectativa é que o México cresça pouco acima de 1% em 2025 e 2026, enquanto Chile e Colômbia devem crescer ao redor de 2% a 2,5%. A exceção da região é a Argentina, que deve seguir cortando juros e passar de uma queda de 3% do PIB em 2024 para altas de 4,5% em 2025 e 3% em 2026.
Fonte: Valor Econômico