Dirigentes de bancos centrais estão cada vez mais confiantes de que a inflação pode ser derrotada sem que isso implique um forte aumento do desemprego, já que economistas preveem o que chamam de “desinflação imaculada”.
Pesquisa realizada pela Consensus Economics aponta que analistas acreditam que este ano a inflação vai cair de seus níveis máximos de muitas décadas para cerca de 2% na maioria das economias avançadas, como EUA, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e a zona do euro.
Tradicionalmente, vitórias sobre a inflação têm um custo alto, pois a adoção de medidas duras de política monetária levam as economias à recessão e elevam as taxas de desemprego. Nos anos 1980, por exemplo, as taxas de desemprego no Reino Unido e nos EUA duplicaram quando os custos da tomada de crédito cresceram para tentar derrubar a disparada da inflação provocada pelos choques dos preços do petróleo.
Mas parece que o ciclo inflacionário atual está tomando um rumo diferente. Michael Saunders, economista da Oxford Economics, observou que a previsão é de que a inflação volte ao patamar da meta com só um aumento limitado do desemprego nos EUA e na zona do euro.
“A desinflação imaculada, em que a inflação volta ao patamar da meta de uma forma sustentável e sem um aumento significativo do desemprego, tornou-se o cenário de base”, disse ele.
Nos dois últimos anos, a inflação já caiu para menos da metade dos dois lados do oceano Atlântico. O crescimento dos preços na zona do euro foi de 2,6% em fevereiro, bem abaixo de seu maior pico de todos os tempos, de 10,6% em 2022. A inflação caiu de uma máxima de 11,1% para 4% no Reino Unido, e de 9,1% para 3,2% nos EUA.
Contudo, o desemprego chegou a um nível mínimo recorde na zona do euro e nos EUA a previsão é que fique em uma média de 4% este ano – não muito longe do nível mais baixo dos últimos 50 anos, de 3,6% em 2023, de acordo com a última pesquisa mensal com economistas realizada pela Consensus Economics. A taxa de desemprego no Reino Unido deve subir de 3,9%, o nível mais baixo em quase 52 anos, para apenas 4,4% em 2024 e 4,5% em 2025.
“Este padrão de desinflação com pleno emprego é incomum na nossa história moderna” afirmou o presidente do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey, na semana passada. “Acredito que o Reino Unido não é o único a ter desinflação e ao mesmo tempo preservar o pleno emprego”, acrescentou.
“Enquanto as taxas de juros subiam rapidamente, algumas pessoas temiam que o custo da desinflação fosse um desemprego alto e persistente”, disse este mês Adriana Kugler, membro do conselho do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA). “Mas ao longo do último ano observamos a inflação esfriar de maneira expressiva e cair mais rápido do que em qualquer outro momento desde os anos 1980. E ainda assim o desemprego continua perto de seus níveis mais baixos, só alcançados algumas poucas vezes desde os anos 1960.”
Muitos economistas, entre eles Bailey e Kugler, atribuem esse fenômeno à natureza da última disparada da inflação, que estava ligada a choques de oferta mundiais, como a invasão da Ucrânia pela Rússia e os transtornos do período da pandemia de covid-19.
“A explosão da inflação entre 2021 e 2023 nas economias avançadas foi diferente porque refletia principalmente choques de oferta adversos e não uma demanda agregada forte”, argumentou Saunders.
Jennifer McKeown, economista-chefe da Capital Economics, disse que a grande expansão dos salários – algo que os responsáveis pela política monetária acompanham com atenção porque é um dos principais motores das pressões sobre preços – resultou de expectativas de alta da inflação ligadas aos preços de energia e escassez de mão de obra em alguns setores com a pandemia. Ela afirmou que esse crescimento salarial tinha começado a diminuir, mesmo sem um forte aumento do desemprego, porque a alta dos preços e as expectativas de inflação se normalizaram ao mesmo tempo em que as distorções provocadas pela covid foram compensadas.
Para economistas, a rapidez da resposta dos bancos centrais também foi um fator para impedir que a inflação mais alta se tornasse persistente. “Os choques de oferta dos anos 1970 e 1980 se tornaram entranhados porque os bancos centrais não entendiam o papel das expectativas de inflação e dos ajustes do custo de vida em muitos contratos de trabalho”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics.
Ele acrescentou que a desinflação imaculada sugeria de maneira errônea que a tendência era inexplicável, quando “a desinflação se deve principalmente ao abrandamento das consequências econômicas da pandemia e da guerra russa na Ucrânia”. Isso, na sua opinião, “era previsível”.
Com o enfraquecimento rápido do impacto dos choques de fornecimento, os prazos de entrega voltaram aos níveis anteriores à pandemia e os custos do transporte de carga hoje são apenas uma fração do que eram em 2021. Os preços do gás no atacado na Europa e os preços mundiais das commodities agrícolas voltaram, em termos gerais, aos níveis do início de 2021, antes dos aumentos relacionados com a guerra.
Todos esses fatores ajudam a inflação a baixar mais cedo do que os bancos centrais esperavam ainda no ano passado. Eles também empurram para baixo as expectativas de inflação, o que reduz o risco de que pressões persistentes sobre os preços alimentem as negociações salariais.
“Estou cautelosamente otimista de que veremos avanços constantes na desinflação sem que haja uma deterioração expressiva do mercado de trabalho”, afirmou Kugler.
Fonte: Valor Econômico

