Jerson Zanlorenzi, da mesa de ações do BTG Pactual: sinais de crise nos mercados pareciam exagerados — Foto: Rogerio Vieira/Valor
A sessão de ontem foi marcada pela continuidade do alívio nos mercados globais, com recuperação dos índices acionários ao redor do mundo e de avanço de moedas emergentes frente ao dólar. Com os agentes financeiros ainda aguardando mais evidências para entender se a economia americana está, de fato, desacelerando mais do que o esperado, o sinal dado por um dirigente do Banco do Japão (BoJ, o banco central japonês), de que o aperto monetário no país pode ser interrompido, foi a senha para que os investidores retomassem a demanda por ativos de risco.
Assim, o dólar à vista fechou em queda de 0,55%, cotado a R$ 5,6249, após ter furado a barreira dos R$ 5,60 nas mínimas do dia. Já o Ibovespa subiu 0,99% e encerrou a sessão aos 127.514 pontos.
Durante a madrugada, o vice-presidente do Banco do Japão (BoJ), Shinichi Uchida, afirmou que a autoridade monetária não elevará os juros enquanto os mercados estiverem instáveis. A declaração provocou nova rodada de alívio para os ativos de risco, que operaram em alta durante boa parte do dia.
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“As declarações de Uchida não significam necessariamente que o ciclo de alta de juros no Japão já tenha terminado antes mesmo de ele ter realmente começado. Mas elas mostram que o BoJ não apenas reage com sensibilidade se o iene se desvalorizar muito rapidamente, mas também se ele se valorizar muito rapidamente”, diz Antje Praefcke, analista sênior de câmbio do Commerzbank.
No entanto, pela tarde, um leilão de títulos de 10 anos do Tesouro americano teve demanda fraca, contribuindo para uma alta nas taxas dos Treasuries e interrompendo o avanço das bolsas. O rendimento da T-note de 10 anos subiu de 3,897% para 3,954%.
Assim, o índice Dow Jones teve queda de 0,60%, o S&P 500 caiu 0,77% e o Nasdaq recuou 1,05%. As ações de tecnologia, que mostravam ganhos expressivos no início do dia, também passaram para o campo negativo. Nvidia recuou 5,08%, enquanto Meta Platforms teve queda de 1,05% e a Advanced Micro Devices (AMD) caiu 1,16%.
Ainda que o contratempo nos EUA tenha limitado o avanço dos índices, no mundo emergente, o desempenho dos ativos foi melhor. Isso porque esta classe de ativos vinha sendo mais afetada pelo desmonte forçado de posições de “carry trade”. A estratégia busca obter lucros ao tomar empréstimos em países que têm juros baixos e investir em mercados com juros elevados.
Com o sinal emitido pela autoridade japonesa, o dólar acabou se valorizando de maneira expressiva frente ao iene, contribuindo para o alívio em moedas emergentes. Perto do horário de fechamento dos mercados locais, o dólar subia 1,32% frente ao iene e recuava 1,70% ante o peso mexicano.
O responsável pela mesa de ações do BTG Pactual, Jerson Zanlorenzi, ressalta que o Ibovespa acabou caindo menos que o S&P 500 nos últimos dias, já que os sinais de uma crise nos mercados pareciam exagerados e os índices acionários americanos também vinham de um desempenho robusto nos últimos meses. “A turma reduziu posição, fica nítido até pela performance aqui, porque quando o movimento é por fundamentos, os emergentes costumam ter um desempenho pior. Nesse caso, os investidores de países mais desenvolvidos ficaram mais cautelosos”, diz.
Outro fator que ajuda o Ibovespa a ter um melhor desempenho, mesmo que Wall Street sofra perdas, é o investidor estrangeiro estar com baixa alocação no Brasil. “Está todo mundo alocado em ‘big techs’, com pouca alocação em Brasil e a bolsa está muito barata. Tem que estar em um humor muito ruim para desalocar o pouco que se tem. Isso tem ajudado o Brasil a passar por essa turbulência internacional”, avalia Zanlorenzi.
Apesar do bom desempenho da bolsa, o real vem ganhando protagonismo nos últimos dias, diante da percepção de que o Copom pode vir a ter que elevar a Selic para conter uma desancoragem adicional nas expectativas de inflação, caso o dólar suba ainda mais.
O Bradesco mantém um cenário-base de que o BC não irá elevar a taxa Selic. “Uma premissa central do nosso cenário é que o câmbio irá se valorizar até o final do ano, para algo entre R$ 5,30 a R$ 5,40. O comportamento recente tem sido muito mais adverso, com a moeda superando o patamar de R$ 5,70. Se esse patamar permanecer, o risco de repasse de preços se amplia e, consequentemente, o de um efeito secundário sobre a inflação”, diz a equipe do banco.
“Em uma simulação alternativa, com câmbio estável em R$ 5,60 até o fim do próximo ano, nossa estimativa de inflação se aproxima de 4,0% ao fim de 2025. Ou seja, a combinação de patamares mais depreciados da moeda e expectativas de inflação mais desancoradas ao longo do horizonte relevante do Copom pode levar a um contexto em que o BC opte por elevar os juros”, concluem.
Fonte: Valor Econômico

