Por Alex Ribeiro — De São Paulo
26/08/2022 05h00 Atualizado há 2 horas
O sócio-fundador da Kapitalo Investimentos Carlos Woelz afirma que os preços do mercado estão colocando em questão a aposta feita pelo Banco Central (BC) de que a provável desaceleração das economias doméstica e global vai derrubar a inflação. “Eu acho que essa aposta é arriscada”, disse em entrevista ao Valor. “Não é o papel do BC apostar.”
Segundo ele, com os juros em 13,75% ao ano, a economia está na direção contrária do que deveria se esperar, acelerando-se, em vez de se desacelerar. Woelz nota que o mercado embute nos preços dos títulos públicos uma inflação de 6,2% nos próximos anos, bem acima das metas, num desvio visto apenas na gestão de Alexandre Tombini no Banco Central e na crise da dominância fiscal. “O mercado não tem coragem de apostar que a inflação vai convergir para a meta, mas ao mesmo tempo bota queda de juros”, afirma. “É um Frankenstein.”
Para o gestor, a alta da inflação implícita, que é a variação do índice de preços embutida nos preços dos títulos negociados em mercado, corrói um pedaço do juro real – diluindo parte do esforço do BC com a alta dos juros. Com isso, as emissões de dívidas pelas empresas seguem relativamente baratas, o que mantém uma expansão ainda bastante vigorosa dos mercados de capital e crédito bancário. “O mercado de crédito está numa velocidade de emissão enorme.”
Woelz argumenta que os níveis de juros atuais deveriam ser suficientes para fazer o serviço. Mas a retórica da comunicação adotada pelo Banco Central atua na direção contrária, já que os mercados entendem que a autoridade monetária reluta em pagar o custo necessário para desinflacionar a economia. “Seria diferente se, por exemplo, o BC estivesse dando o recado de que vai trabalhar até a economia desacelerar, que não tem mágica para baixar a inflação”, diz.
Valor: O Banco Central vem dizendo que há o risco de a desaceleração da economia global baixar bem a inflação aqui no Brasil. Quais as chances de isso acontecer?
Carlos Woelz: O contexto é um mundo desacelerando. Nisso, a gente concorda com o BC. Mas a desinflação vai dar trabalho. Temos muita dificuldade de ver como sair desse problema sem uma recessão. A inflação está alta.
Valor: Então teríamos uma recessão lá fora?
Woelz: Não estou dizendo que certamente vai ter uma recessão. Tem dois cenários possíveis. Pode ter um ‘soft landing’, no qual o mercado está apostando, olhando para os preços. A questão é que tenho muita dificuldade de ver quais são os passos que levariam ao ‘soft landing’. Porque ele me parece muito difícil, olhando o mercado de trabalho, o setor imobiliário, as condições microeconômicas.
É um Frankenstein. O mercado não tem coragem de apostar que a inflação vai para a meta, mas bota queda de juros”
Valor: Como fica o Brasil nesse cenário?
Woelz: A recessão global tem efeitos dúbios no Brasil. De modo geral, traz um aumento de prêmio de risco, uma desvalorização do câmbio. E não é claro que a queda dos preços de commodities leve a desinflação. O preço de commodities em reais costuma ser mais ou menos constante no tempo. Normalmente, há dois movimentos opostos: uma queda de nossos termos de troca e uma desvalorização cambial. Tem, por outro lado, o efeito da desaceleração internacional sobre nossa atividade, que ajuda a baixar nossa inflação. Mas essa ideia de que você tem uma enorme desinflação provocada por uma recessão global, não sei se é necessariamente verdadeira. O ponto que queria chegar é que o Banco Central está fazendo uma aposta. Essa aposta está sendo percebida pelo mercado.
Valor: Que aposta é essa?
Woelz: A aposta é que esse efeito desinflacionário vai acontecer e será muito importante. O Brasil é uma economia fechada. E a principal aposta do Banco Central é a desaceleração via demanda agregada doméstica [causada pelo aperto monetário]. Eu acho que essa aposta é arriscada, exatamente porque as condições domésticas não parecem mostrar isso.
Valor: Esse juro em 13,75% ao ano não vai bater na economia?
Woelz: Depois de os juros subirem para níveis bastante altos, tipicamente deveríamos estar vendo os efeitos da política monetária batendo na atividade. O Caged deveria estar negativo. Mas não é isso que está acontecendo. O que estamos vendo é um mercado de trabalho aquecido, uma atividade surpreendendo para cima, o hiato [do produto, uma medida da ociosidade da economia] está apertando. O que está acontecendo, na margem, é que a economia brasileira está se acelerando. Não está desacelerando. Por mais que ainda não tenhamos o efeito total da política, a gente está na direção contrária do que se deveria esperar.
Valor: O que está acontecendo que o juro não surte efeito?
Woelz: O mercado está acreditando que o Banco Central vai cortar juros. Mas o mercado não está acreditando que a estratégia vai dar certo, pelos preços.
Valor: Que preços são esses, e o que eles estão dizendo?
Woelz: A inflação implícita está nos maiores desvios em relação à meta de inflação da história, tirando a época do Tombini e a crise da dominância fiscal. Mesmo assim, o mercado precifica um ciclo de queda de juros. É um Frankenstein isso. O mercado não tem coragem de apostar que a inflação vai convergir para a meta, mas ao mesmo tempo bota queda de juros.
Valor: Como saber se essa inflação implícita muito alta não está expressando apenas o risco fiscal?
Woelz: Então porque o risco da política fiscal não bate na queda de juros? Parece claro que o mercado está julgando que o BC vai cortar os juros, ‘no matter what’. No final, você não consegue colocar o risco fiscal só num ativo, e não no outro. Se você bota prêmio de risco que afeta as condições gerais do país, no final os dois preços têm que conversar. São dois preços a mercado, o preço da inflação e o preço de juros.
Valor: Então o mercado está vendo um juro real menor?
Woelz: O juro real está muito baixo. Na minha opinião, está ajudando a economia a não desacelerar. O mercado de crédito, somando as debêntures e outros [papéis], está numa velocidade de emissão enorme. Pega o juro real a partir da virada do ano, que exclui a queda da inflação das medidas recentes [de cortes de impostos e baixa dos combustíveis]. Dá 6,2% de inflação, com 5,15% de juro real. O prêmio de inflação faz com que o crédito fique mais barato. Um juro real de 5,15% não desacelera nada. E não está desacelerando, de fato. É um efeito de muita queda de juro [previsto para o mercado], com inflação alta. Estamos num conundrum.
Valor: Então, em vez das expectativas do Focus, o BC deveria olhar mais a inflação implícita?
Woelz: Certamente, o Banco Central deveria dar mais atenção à inflação implícita. A expectativa do Focus também está acima da meta, em 2024. O Focus está com 3,4%, a meta é 3%. E o Focus deve ser olhado com desconfiança. O BC está alongando o horizonte de política monetária, aparentemente pressupondo que a qualidade da projeção de mercado no Focus para dois anos à frente é parecida com a qualidade da projeção de um ano. Não acho que seja.
Valor: O que está de errado para o juro real não ter subido tanto?
Woelz: É uma questão de comunicação, na minha opinião. Seria diferente se, por exemplo, o BC tivesse dando o recado de que vai trabalhar até a economia desacelerar, que não tem mágica para baixar a inflação. É uma questão mais de postura do que de ciclo. O BC indica que vai parar, e é inédito o BC parar com trajetória de desancorarem das expectativas no Focus. Não vimos nem sinal de abertura de hiato. A direção é de fechamento do hiato. Teria que zerar a direção, depois mudar a direção, criar hiato. Em 2016, o BC não deu sinais de estar satisfeito até o hiato aparecer, várias vezes seguidas. Agora, a gente está tirando hiato.
Valor: Esse estreitamento da capacidade ociosa não seria devido a eventos temporários, como a expansão fiscal e a reabertura da economia? Isso não estaria escondendo o efeito do aperto monetário?
Woelz: Tem um mega impulso fiscal, que vai continuar para a frente. Precisa criar hiato. O Banco Central está falando que tem hiato. Temos uma visão diferente sobre isso, nossas contas aqui já apontam um hiato inflacionário.
Valor: O Banco Central argumenta que o juro vai fazer efeito para criar capacidade ociosa na economia, é uma questão de tempo.
Woelz: A direção eu concordo, [o juro alto] deveria fazer um efeito. Por mais que um diga que o efeito é um pouco menor, porque a [inflação] implícita está alta, o efeito é restritivo. Concordo. O BC subiu os juros bastante.
Valor: Não seria restritivo o suficiente então?
Woelz: Meu ponto é que [o hiato do produto] precisa virar a direção e acumular muitos pontos de virada para ter um efeito significativo, que faça a inflação convergir para a meta. Isso pode acontecer ou não. É uma aposta do Banco Central que vai acontecer. Mas você parte de uma situação inicial pior, os dados estão ainda na direção contrária, e uma trajetória fiscal e prêmio de risco muito piores. O mercado entende recados dúbios do BC sobre a necessidade do esforço para desinflacionar a economia. Por exemplo, o recado de que a Nairu [taxa mínima de desemprego que desacelera a inflação] está entre 6% e 9%. Implicitamente, está dizendo que consegue fazer essa desinflação sem dor, que pode seguir com a expansão no crédito, o desemprego pode cair ainda mais. Pode crescer forte. A mensagem é a de que tem muito medo de machucar a atividade.
Valor: O mercado já falou, em situações no passado, que a política monetária não iria funcionar, mas os efeitos vieram. Sua avaliação pode estar errada?
Woelz: Onde você está vendo esse processo acontecer? Quando a gente vai perceber que as coisas não estão acontecendo na velocidade esperada? Não sou o senhor da verdade, pode ser que tenha uma desaceleração que de fato traga a inflação para a meta. Não estou excluindo essa possibilidade. O ponto é que o BC não parece estar usando os instrumentos de uma forma adequada. Não é o papel do BC apostar. O Banco Central deveria estar olhando a inflação implícita, o Focus, usar os instrumentos que dão convergência. Mas, quando o Banco Central alonga demais o horizonte de política monetária, usa um modelo de projeção de inflação que cada vez mais se distância do mercado, não está fazendo essa convergência. A projeção de inflação é o principal instrumento de comunicação do BC com a sociedade. Se quebra o termômetro, as pessoas não têm confiança de que vai ter uma função de reação adequada à frente. O mercado olha a atuação e conclui que o BC pode fazer basicamente o que quiser. Fica sem mecanismo de correção. Os graus de liberdade do BC são muito grandes.
Valor: Se o BC estiver equivocado, terá que subir juro em 2023?
Woelz: Não acho o nível nominal de juro errado. A questão é não tirar a potência dessa enorme alta de juros que foi feita. Acho que a intuição de todo mundo está correta, 14% deveriam desacelerar a economia [o juro está em 13,75%, mas o BC sinalizou que pode subi-lo a 14% em setembro]. O que a gente deveria perguntar é porque não está desacelerando. A questão é não tirar a potência dessa enorme alta de juros que foi feita.
Valor: Então a retórica do Banco Central não está ajudando?
Woelz: O BC deveria estar amarrando mais a mão, dizendo que, se a inflação for mais alta, vai fazer o que for necessário. Deveria estar admitindo que o hiato está apertado. Ele está na direção contrária, sugeriu números de Nairu difíceis de compreender. O BC deveria admitir que o trabalho é duro. Isso iria potencializar o que já fez.
Fonte: Valor Econômico