Diferentemente do que se esperava na virada do ano, as importações brasileiras seguiram crescendo na primeira metade de 2025, impulsionadas pela resiliência do consumo das famílias e pela apreciação do câmbio. Com isso, as projeções para o saldo comercial também têm encolhido e voltam a ligar o alerta para a saúde das contas externas do Brasil, justamente no momento em que o país enfrenta riscos relacionados à escalada das tensões comerciais com os EUA.
No acumulado do ano até a terceira semana de julho, as importações somaram US$ 151,78 bilhões, alta de 10,3% ante igual período de 2024, segundo a Secretária de Comércio Exterior (Secex). Já as exportações totalizaram US$ 185,48 bilhões, avanço de 1,9% na mesma comparação. O resultado é um saldo comercial de US$ 33,7 bilhões, ante US$ 49,1 bilhões no ano passado.
A conta comercial foi a principal responsável pelo déficit em transações correntes de US$ 32,8 bilhões no acumulado do primeiro semestre, segundo o Banco Central. Este também foi o pior resultado negativo para um primeiro semestre desde 2015, quando alcançou US$ 42 bilhões.
“Este ano terá uma característica curiosa: teremos uma safra forte e uma contribuição negativa do setor externo, perto de 0,5% do PIB”, observa o sócio da consultoria BRGC e pesquisador do Instituto de Economia Brasileira da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Livio Ribeiro.
No início de julho, a própria Secex encolheu sua estimativa para o saldo deste ano de US$ 70,4 bilhões para US$ 50,2 bilhões. Nas contas de Ribeiro, a projeção que era de US$ 74 bilhões baixou para US$ 64 bilhões. “Não são movimentos drásticos, mas o que se percebe é a firmeza das importações, sobretudo para atender o consumo das famílias”, diz.
Mesma avaliação faz o economista da AZ Quest, Lucas Barbosa. “O preço das importações tem caído também, o que minimiza o efeito da quantidade. Não fosse isso, o resultado da balança poderia ser ainda pior”, ressalta.
Ele dá alguns exemplos desse movimento. A importação de veículos alcançou US$ 8,3 bilhões em 2024, contra uma média pré-pandemia de US$ 3 bilhões. E, somente de janeiro a junho, os gastos do país somaram US$ 4,1 bilhões nessa linha. Já as compras de medicamentos chegaram a US$ 7,9 bilhões na compra de medicamentos ano passado, contra US$ 5 bilhões de média histórica. E tudo indica que este ano vai superar o anterior: até junho, a cifra chega a US$ 4,3 bilhões.
A AZ Quest também encolheu sua estimativa para o saldo comercial, de US$ 80 bilhões para US 60 bilhões. Isso a despeito do bom desempenho das exportações, ressalta Barbosa. “A safra foi boa, o governo tem feito trabalho excelente na abertura de novos mercados. É visível como elevamos as vendas para outros países e também diversificamos os destinos. É algo que nos tem deixado não tão dependentes de minério de ferro e soja, como foi no passado.”
Parte da explicação para essa aparente contradição está no câmbio, diz. Na virada do ano, com o dólar acima de R$ 6, era esperada uma receita muito maior das exportações e também um desincentivo maior às importações. Esse cenário mudou mais rápido que o antecipado. Para complicar, preço de produtos importantes que o país vende para fora, como o petróleo e minério de ferro, tem recuado ou se mantido estável no mercado internacional.
Na contabilidade do Indicador de Comércio Exterior (Icomex), do Ibre FGV, o índice de preços de exportação acumula queda de 2,2% no primeiro semestre, enquanto o de importações cai 2,4%. Já o quantum de exportações subiu 1,6%, ao passo que o de importações avança 11,1%.
É um crescimento que deve moderar bem na segunda metade do ano por questões sazonais, pondera a economista da Tendências Gabriela Faria. Após alta de 11,9% das importações entre janeiro e junho, ela vê avanço de apenas 0,6% entre julho e dezembro.
“No primeiro semestre, é grande a demanda por adubos e fertilizantes – um dos principais itens da nossa pauta – junto com máquinas e equipamentos agrícolas. Essa procura cai bastante a partir de julho”, diz. “Além disso, a desaceleração da economia também deve diminuir o apetite da indústria por bens intermediários.”
De qualquer forma, o fato é que o saldo comercial menor vai impulsionar o déficit em transações correntes, juntamente com a importação de serviços, destaca a economista do BTG Pactual Iana Ferrão.
O banco estima balança comercial positiva em US$ 63 bilhões este ano, já incorporando os efeitos do tarifaço promovido pelos EUA contra o Brasil. Além disso, passou a contar com uma leve piora do déficit na balança de serviços, que deve alcançar US$ 55,5 bilhões. Tudo somado, o déficit em conta corrente deve alcançar 3% do PIB – sem o tarifaço, ele chegava a 2,7%.
O cenário para a conta corrente ocorre em um momento em que o Investimento Direto no País (IDP) também vem em trajetória de baixa. Ele totalizou US$ 33,8 bilhões no primeiro semestre, queda de 10,7% em relação a igual período do ano passado e também o menor valor para o período desde 2021, segundo o BC.
Questionado na apresentação da Nota do Setor Externo sobre o movimento, principalmente do tombo do investimento direto em junho, o chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, disse avaliar que o movimento tende a ser momentâneo. “Não temos como saber certamente, não da pra definir, mas temos elementos, olhando os números por dentro, que sugerem que é uma redução pontual”, minimizou.
O BTG vê um ingresso de IDP perto de US$ 70 bilhões, apenas “suficiente” para cobrir o déficit corrente e com menor folga comparado a anos anteriores. “É uma conjuntura mais desfavorável, mas acredito que ainda não acende um alerta, porque ainda prevemos desaceleração da economia em 2026. Com isso, as importações serão menores e o déficit em conta corrente vai cair a 2,5%.”
Já Ribeiro, da BRGC, acredita que o financiamento agregado – que também considera investimentos em carteira e outros recursos, vai ficar ligeiramente aquém do necessário para cobrir o rombo das contas correntes. “Vai faltar financiamento, vamos começar 2026 com uma pequena perda das reservas internacionais. Algo como US$ 5 bilhões”, afirma.
Fonte: Valor Econômico