A autorização do presidente americano, Joe Biden, para que a Ucrânia lance ataques contra a Rússia usando mísseis de longo alcance fabricados nos EUA desencadeou protestos russos e pressões sobre aliados europeus para que também deem o mesmo sinal verde a Kiev. A decisão de Biden, dois meses antes de entregar o cargo ao sucessor, Donald Trump, causou também a reação da equipe do presidente eleito — avesso à ideia de entregar mais armas aos ucranianos.
De acordo com fontes da Casa Branca, a medida de Biden foi tomada após o envio, em outubro, de milhares de soldados norte-coreanos para apoiar a Rússia e depois de uma série de ataques de Moscou contra cidades ucranianas no fim de semana. Os mísseis de longo alcance fabricados nos EUA provavelmente serão usados primeiro para atingir forças russas e norte-coreanas na região russa de Kursk, onde tropas ucranianas tomaram território no segundo trimestre, segundo fontes ouvidas pelo britânico “Financial Times”.
Biden já tinha autorizado a Ucrânia a usar o Himars — o Sistema de Foguetes de Artilharia de Alta Mobilidade dos EUA, que tem alcance de aproximadamente 50 km — para atingir alvos dentro da Rússia. Mas ele resistia a dar a Kiev sinal verde para lançar ataques ao território russo com o uso de mísseis de longo alcance americanos conhecidos como Army Tactical Missile System, ou ATACMS, por temer uma escalada nas tensões com Moscou. Os mísseis ATACMS têm um alcance de até 300 km.
Dmitry Peskov, porta-voz do presidente russo, Vladimir Putin, disse que o presidente dos EUA estava tentando “provocar uma escalada de tensões” na Ucrânia ao permitir o uso do ATACMS, de acordo com a agência russa Interfax. Ele acrescentou que Moscou reagiria “apropriadamente”. A Casa Branca e o Pentágono se recusaram a comentar imediatamente a advertência de Moscou.
“Se tal decisão foi realmente formulada e comunicada ao governo de Kiev, então, é claro, trata-se de um novo estágio de escalada das tensões e de uma nova situação qualitativa em termos do envolvimento dos EUA neste conflito”, disse Peskov.
Putin, que nomeou ontem em Moscou o líder russo da região ucraniana ocupada de Zaporizhia, Yevgeny Balitsky, não falou publicamente sobre a decisão de Biden. Mas há meses vem repetindo que considerará qualquer ataque feito com armas de países-membros da Otan (a aliança militar do Ocidente) como uma declaração de guerra dos aliados dos EUA.
O premiê alemão, Olaf Scholz, estava ontem sob crescente pressão para abandonar sua resistência ao envio de mísseis de cruzeiro de fabricação alemã para a Ucrânia. Scholz há muito se opõe ao envio de mísseis alemães Taurus de alcance parecido com os do sistema Himars para a Ucrânia, por temer de que isso possa levar a uma escalada do conflito na Europa.
Um porta-voz de Scholz reiterou essa posição ontem. Mas o premiê enfrenta uma crise em sua coalizão de governo. O ministro da Economia e candidato do partido Os Verdes para a chefia do governo, Robert Habeck, disse no domingo que enviará os Taurus à Ucrânia se ele vencer as eleições antecipadas do país em fevereiro.
Marie-Agnes Strack-Zimmermann, uma importante deputada europeia, observou que Os Verdes, o partido conservador de oposição União Democrata-Cristã (CDU) e o seu partido, o Liberal Democrático (FDP), eram todos a favor de fornecer o Taurus para a Ucrânia. Ela disse à rádio alemã que agora havia uma “maioria numérica no Parlamento [para aprovar o envio].”
Já Donald Trump Jr., filho do presidente eleito, criticou a autorização expressa por Biden. “O ‘complexo industrial militar’ aparentemente quer ter certeza de que a Terceira Guerra Mundial começará antes que meu pai tenha a chance de criar a paz e salvar vidas”, publicou na rede social X, no domingo à noite. Trump, o pai, tem dito que pretende dar “um fim rápido à guerra”, sem exatamente explicar como fará isso.
O premiê britânico, Keir Starmer, por sua vez, não descarta a possibilidade de permitir que a Ucrânia use os mísseis de cruzeiro Storm Shadow feitos no Reino Unido para ataques dentro da Rússia. Ele disse que não entraria em “detalhes operacionais”, argumentando que o único beneficiário seria o presidente russo Vladimir Putin.
O responsável pela diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, disse esperar que outros Estados-membros do bloco sigam a decisão dos EUA de permitir que a Ucrânia ataque alvos na Rússia. “Precisamos não apenas evitar as flechas, mas também impedir que o arqueiro as lance”, disse.
Já o ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Noël Barrot, disse que a França estava disposta a suspender as restrições que vinha impondo nos últimos seis meses à Ucrânia. “Dissemos abertamente que isso [a autorização para o uso de armas ocidentais] era uma opção que consideraríamos se fosse para permitir atacar alvos de onde os russos estão atualmente agredindo a Ucrânia”, disse Barrot.
Fonte: Valor Econômico

