22 Nov 2023 FABIANA CAMBRICOLI
A cada R$ 100 faturados, R$ 12,70 são perdidos, conforme estudo; entre 12% e 18% das contas hospitalares apresentam itens indevidos e até 40% dos exames são desnecessários
As fraudes e desperdícios consumiram até 12% das receitas das operadoras de planos de saúde no ano passado, mostra estudo da consultoria EY para o Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS). Na prática, a cada R$ 100 faturados pelos planos de saúde com o recebimento das mensalidades dos seus clientes, R$ 12,70 são perdidos, o que leva à estimativa de um prejuízo anual de R$ 34 bilhões somente em 2022 (quando o faturamento alcançou R$ 270 bilhões).
Não há dados sobre quanto desse montante é perdido com fraudes e quanto vai pelo ralo com desperdícios, mas o estudo aponta, por exemplo, que entre 12% e 18% das contas hospitalares apresentam itens indevidos e 25% a 40% dos exames laboratoriais não são necessários. Isso indica que, somente em fraudes em contas hospitalares, foram gastos R$ 15 bilhões. Os exames desnecessários consumiram R$ 12 bilhões.
VISÃO DOS PLANOS. Para Cassio Ide Alves, superintendente médico da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o porcentual é “inaceitável” e muito superior ao observado em países desenvolvidos. “Avaliamos esse porcentual como absurdo, inaceitável e insustentável. Não podemos nos conformar com nenhum índice, o ideal seria zero. Mas, até termos legislação e normas que permitam punir o fraudador, temos de tentar reduzir esse índice para aquele observado em países como Estados Unidos e na União Europeia, onde fica em torno de 7%.”
Em 2022, o mercado de saúde suplementar teve prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões, o pior resultado financeiro desde 2001, quando o setor passou a ser regulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Uma das razões apontadas pelas operadoras é justamente o aumento de fraudes, em especial em pedidos de reembolso. Conforme o Estadão mostrou em julho, a alta desses casos fez as empresas iniciarem uma ofensiva contra os fraudadores que incluiu denúncias ao Ministério Público, uso de inteligência artificial para detectar fraudadores e endurecimento das regras para reembolso. O estudo da EY e IESS considerou análise de dados financeiros do setor, projeções e questionários com 14 operadoras e dezenas de especialistas.
Neste ano, o reajuste para planos individuais e familiares definido pela ANS ficou em 9,63%, quase o dobro da inflação acumulada em 2022, de 5,78%. Nos planos coletivos e por adesão, nos quais o reajuste não é regulado, os aumentos podem chegar a 82%, conforme estudo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) com base nos índices praticados nos últimos cinco anos.
O LADO DO CONSUMIDOR. Ainda que as fraudes e os desperdícios não sejam o único fator que explique a alta nas despesas das operadoras, especialistas dizem que o elevado custo dessas práticas acaba sendo repassado ao consumidor, já que o cálculo dos reajustes é feito com base no que foi gasto no ano anterior. “Os impactos recaem sobre todos os compradores e pagadores de planos de saúde. É que as fraudes e desperdícios aparecem nas operadoras como despesas, o que acaba aumentando reajustes. Se não existissem, certamente as mensalidades seriam menores. O que pode parecer ação de baixo impacto individual acaba por representar um porcentual elevado das receitas”, diz José Cechin, superintendente executivo do IESS.
Ele comenta que o perfil de fraudes mudou ao longo dos últimos anos, após a descoberta de um esquema que ficou conhecido como Máfia das Próteses, em 2015, que envolvia empresas, advogados e até médicos que superfaturavam materiais usados em cirurgias ortopédicas e faziam operações sem necessidade. “As operadoras reagiram àquela situação e adotaram compras diretas, segunda opinião etc. Agora, as fraudes migraram para os reembolsos. Nessa área, podese dizer, com bom grau de confiança, que aumentaram.”
SOLUÇÕES. Ele diz que um dos objetivos do estudo é trazer recomendações às operadoras de como tentar combater fraudes e reduzir desperdícios. Entre as medidas propostas estão investimento em comitês específicos de combate a fraudes, uso de tecnologia para identificar e coibir a prática, campanhas educativas e aproximação com os beneficiários.
Alves, da Abramge, afirma que deve haver um esforço das operadoras para utilização da tecnologia, como biometria facial e IA, para coibir fraudes. Também defende que empresas e outros atores do setor, como a ANS, se unam para definição de protocolos e linhas de cuidado que reduzam os desperdícios, como procedimentos feitos sem necessidade. •
Fonte: O Estado de S. Paulo

