A ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, divulgada ontem, repetiu as principais mensagens do comunicado da decisão da semana passada, ao enfatizar que a taxa Selic deve ficar estacionada em 15% por um longo período, a menos que a conjuntura econômica surpreenda à frente. Assim, com a percepção reforçada de que o ciclo de aperto monetário terminou, o mercado aproveitou um cenário externo mais benigno no dia e os juros futuros encontraram espaço para encerrar a sessão em queda na maior parte dos vencimentos.
Segundo a estratégia delineada na ata, o Copom afirma que decidiu interromper o ciclo para avaliar o nível da taxa básica apropriado para garantir a convergência da inflação para a meta de 3% ao ano. Concluída essa análise, os juros deverão “permanecer em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado devido às expectativas desancoradas”.
O Copom ainda afirmou que grande parte dos efeitos do aperto monetário “ainda está por vir”, após um rápido ciclo que elevou a Selic de 10,50% para 15% em nove meses.
Igor Barenboim, economista-chefe da Reach Capital, concorda com a avaliação do Copom e afirma que agora, com a política fiscal menos expansionista, a tendência é que o efeito da alta de juros seja sentido de maneira mais firme pela economia.
Na sua avaliação, a ata do Copom foi um “não-evento”, uma vez que o colegiado somente reforçou a comunicação mais conservadora da semana passada. “Tentaram manter exatamente o que alcançaram no comunicado”, diz.
Já Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, entende que o reforço à possibilidade de voltar a subir juros e sinalizações acerca da política fiscal tornaram a ata um pouco mais dura do que o comunicado da semana passada. No documento divulgado ontem, o Copom apontou que há um impacto fiscal de curto prazo por meio do estímulo à demanda agregada, mas também de médio prazo, com a adição de prêmio de risco na curva a termo de juros.
“O Copom trabalha com uma expectativa de inflação muito alta, e por isso tem que manter a sua comunicação bem dura”, diz Cruz. O estrategista tem em sua projeção-base o início do ciclo de cortes da Selic em dezembro deste ano, mas não descarta um cenário alternativo caso a inflação volte a apontar para cima em um ambiente de taxa de desemprego baixa e com possíveis estímulos econômicos do governo, à medida que se aproxima o ano eleitoral de 2026.
Para Barenboim, em relação aos preços de mercado, o que realmente importa foi o fato de o Copom ter reafirmado que não deve voltar a elevar a Selic se não houver um novo choque. “O BC parou [de subir juros] e o mercado voltou a aplicar [apostar na queda das taxas]. E no meio de uma busca global por ativos de risco, essa virou a operação mais óbvia”, diz o economista.
Dessa forma, os juros futuros voltaram a precificar uma política monetária menos restritiva à frente. Essa leitura foi apoiada não só pela ata do Copom, como também pela forte queda do petróleo com o acordo de cessar-fogo entre Israel e Irã e comentários do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, que, na visão de participantes do mercado, mostrou-se mais aberto a iniciar um ciclo de flexibilização monetária nos Estados Unidos.
Copom trabalha com expectativa de inflação muito alta, e por isso tem que manter comunicação bem dura”
Encerrados os negócios, a taxa do contrato do Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027 caiu de 14,27%, do ajuste anterior, para 14,215%, e a taxa do DI de janeiro de 2029 cedeu de 13,39% para 13,37%.
Sobre o cenário externo, a ata se ateve a manter a comunicação que já vinha sendo adotada pelo Copom, que enxerga um quadro desafiador e de incerteza elevada. O colegiado ponderou que, ainda que a reversão parcial do aumento de tarifas comerciais dos Estados Unidos permitisse concluir por uma melhora do cenário, “permaneceu a visão preponderante de um cenário internacional ainda incerto e volátil”.
O Copom mencionou o conflito entre Irã e Israel, que adiciona outra camada de incerteza, considerando os possíveis impactos no mercado de petróleo. Nesse sentido e considerando os últimos acontecimentos no Oriente Médio, a descrição do Copom sobre o ambiente externo, segundo Barenboim, já “ficou velha”.
Não só o impacto das tarifas americanas tem sido brando, como os riscos geopolíticos diminuíram com a intervenção dos Estados Unidos na guerra entre Irã e Israel. O acordo de cessar-fogo entre os países derrubou os preços do petróleo ontem, mesmo depois de um tombo de 7% na sessão anterior, o que deve se traduzir em uma inflação doméstica menor, diz o economista. “Com o dólar mais fraco e o petróleo em queda, com certeza se abre um espaço para o BC ser um pouco mais ‘dove’ [inclinado à flexibilização monetária]”, diz Barenboim.
Cruz, da RB Investimentos, vai na mesma linha ao descrever o cenário externo como um fator que poderá apoiar o início do ciclo de corte de juros no Brasil.
A recente queda do petróleo e a apreciação do real já apontam para um quadro mais benigno, e isso pode se confirmar caso o Fed de fato comece a reduzir os juros básicos dos Estados Unidos neste ano, diz Cruz. Conforme as últimas projeções do BC americano, a taxa dos Fed funds deve sofrer ao menos dois cortes de 0,25 ponto percentual em 2025.
“Se espera dois cortes e tem só mais quatro reuniões [até o fim do ano]. Isso vai dar um estímulo para o BC se sentir mais à vontade para cortar. Ainda assim, os juros são tão altos no Brasil que isso não é algo necessário, o Copom pode cortar mesmo sem o apoio do Fed”, aponta Cruz.
Por ora, o Copom segue com a avaliação de que o cenário de inflação doméstica ainda é adverso no curto prazo, apesar de surpresas positivas em dados recentes. Além disso, as expectativas de longo prazo não têm se movido em direção à meta de 3%, conforme destacou o colegiado na ata.
Para Barenboim, a estratégia do Copom a partir de agora deve ser de manter o patamar atual da Selic a fim de observar como o seu modelo de projeção inflacionária evolui nas próximas reuniões. À medida que o horizonte relevante da política monetária avança para 2027, a inflação pode convergir à meta de 3%, permitindo que o ciclo de corte de juros se inicie no primeiro trimestre do ano que vem, projeta o economista.
Fonte: Valor Econômico

