Com ações desvalorizadas e resultados financeiros fracos, as ofertas públicas de fechamento de capital estão em alta. Nos últimos 3 anos, 15 empresas fecharam capital, como Cielo, Banrisul e Eurofarma. No mesmo período, nenhum IPO foi realizado. Em 2025, o movimento continua com Carrefour Brasil, Kora Saúde e Eletromídia.
Todos sabem o prognóstico: juros altos e baixa liquidez na B3 desestimulam empresas a manterem capital aberto, encarecendo sua operação. Muitos controladores aproveitam a desvalorização das ações e os altos custos de conformidade para fechar o capital, consolidando o controle por preços vantajosos.
Nesse contexto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Resolução nº 215, que simplifica as regras para Oferta Pública de Aquisição de Ações (OPA) e facilita a deslistagem, em vigor a partir de outubro de 2025. A norma permite dispensar o laudo em casos específicos, como quando o preço se baseia em transações recentes, cotações de mercado ou acordo com minoritários.
Boa parte do mercado está vendo a dispensa de laudo como uma facilidade para a conclusão das OPAs. Menos burocracia e mais agilidade. E verdade seja dita, nosso regulador não está inovando. A legislação americana, por exemplo, não exige que os conselheiros da empresa-alvo consultem especialistas de avaliação independentes ou negociem com os acionistas minoritários durante o curso de um processo de fechamento de capital.
Embora a lei americana também dispense laudo, é comum criar comitês independentes para avaliar a oferta e contratar assessores financeiros para emitir fairness opinion. Também é prática protetiva a cláusula “go-shop”, que permite à empresa-alvo, após aceitar uma proposta, buscar ativamente ofertas melhores, reforçando o dever fiduciário dos conselheiros.
Para ilustrar, em março de 2025 a Walgreens Boots Alliance (WBA) firmou acordo para ser adquirida pela Sycamore Partners, em transação de até US$ 23,7 bilhões. O valor incluiu prêmio de até 63% sobre o preço pré-anúncio e 75% sobre o valor patrimonial, com cláusula go-shop, fairness opinion e aprovação unânime do conselho.
No Brasil, o caso recente do Carrefour envolveu estrutura similar: comitê independente, laudo de avaliação e fairness opinion. O prêmio, porém, foi menor: 32% sobre o preço antes do anúncio e 7% abaixo do valor patrimonial.
Se as regras e os procedimentos tomados pelas duas empresas no processo de fechamento de capital são parecidos, com criação de comitê independente, obtenção de fairness opinion e laudo de avaliação, porque a diferença nos prêmios pagos nas operações de fechamento de capital do Carrefour Brasil e da Walgreens é significativa?
A proteção nos EUA vem menos da letra da lei e mais da sua aplicação. Conselhos independentes e punições severas garantem a efetividade dos deveres fiduciários. Em 2015, por exemplo, o CEO da Dole foi condenado a pagar US$ 148 milhões por manipular informações e prejudicar minoritários em processo de fechamento de capital.
No Brasil, o cenário é outro: conselhos majoritariamente ligados aos controladores e quase nenhuma punição efetiva por violação de deveres fiduciários. Em 2021, por exemplo, a CVM apontou irregularidades no fechamento de capital da Companhia Docas de Imbituba e aplicou multas entre R$ 70 mil e R$ 600 mil – valores irrisórios diante do prejuízo aos minoritários.
Isso ilustra que, na prática, a teoria é diferente no Brasil! A cultura empresarial brasileira ainda é marcada pela lógica da “empresa de dono”, o que ajuda a explicar o atual movimento de fechamento de capital. Muitos controladores veem o mercado como uma via oportunista de captação barata, não como parte de uma filosofia empresarial de longo prazo. O fechamento de capital, nesse contexto, não rompe com uma cultura de transparência e governança – porque, em muitos casos, ela nunca se consolidou. Trata-se de uma decisão estratégica para reduzir custos e escapar da volatilidade do mercado, com a possibilidade de se pagar pouco aos minoritários sem medo de punições severas
Essa visão oportunista se reflete no volume de empresas listadas na bolsa. A B3 tem cerca de 400 companhias listadas, concentradas em setores como commodities, financeiro, energia e consumo, com pouca presença de áreas como tecnologia e agronegócio. Esse cenário contrasta com as quase 7.000 empresas listadas nas bolsas dos EUA, com diversidade industrial muito maior.
Embora faça sentido no curto prazo, a escolha pela delistagem tende a deixar cicatrizes no investidor local, muitas vezes retirado por valores abaixo do patrimônio. Isso gera frustração e desconfiança. Mesmo com uma possível retomada, é legítimo questionar se esse investidor estará disposto a voltar. O amadurecimento do nosso mercado ocorre, assim, de forma traumática – e não por evolução natural.
O esvaziamento da B3 reflete questões estruturais do mercado de capitais brasileiro – não apenas um ciclo econômico adverso. A combinação entre cultura empresarial centralizadora, proteção frágil ao minoritário e falta de incentivos à permanência enfraquece o papel da bolsa como espaço de crescimento e geração de valor. Mais do que rever regras, é preciso mudar práticas e mentalidades: sem confiança, não há mercado de capitais sustentável. Se a lógica de curto prazo seguir prevalecendo, a retomada – quando vier – encontrará um mercado menor, menos diverso e com investidores menos propensos a participar.
Renata Simon é sócia da área societária e M&A do VBSO Advogados
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Fonte: Valor Econômico

