A arrecadação com a alta das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), implementada a partir do fim de maio deste ano, está vindo acima do estimado pelo governo. De acordo com dados da Receita Federal levantados pelo Valor, o governo já arrecadou R$ 8,66 bilhões somente com o aumento das alíquotas até setembro, ritmo que, se for mantido nos próximos meses, fará o impacto chegar a pelo menos R$ 15,1 bilhões até dezembro, ou R$ 16 bilhões, no cálculo de alguns economistas. O Fisco previu um ganho de R$ 11,5 bilhões em 2025, considerando o último decreto válido, após decisão do Supremo Tribunal Federal.
Se confirmadas as expectativas, será uma alta de 31% a 39% em relação à estimativa oficial. Esses valores foram calculados pela reportagem comparando o desempenho da arrecadação do IOF, em valores nominais, de janeiro a maio, quando ainda não havia o aumento, com o desempenho observado nos meses seguintes até setembro – último mês com dados oficiais. Até maio, a arrecadação com IOF acumulava alta nominal de 7,97% frente ao mesmo período de 2024.
A arrecadação maior não chega a ser uma surpresa, porque a Receita tende a ser conservadora em suas projeções. Contudo, mostra o potencial arrecadatório do aumento do IOF, mesmo após os dois recuos parciais no decreto que elevou as alíquotas e a decisão do STF que anulou a cobrança sobre risco sacado, operação de antecipação de recebíveis usada principalmente por varejistas para financiar fornecedores.
Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter, calcula que somente a majoração das alíquotas do IOF deve render ao governo R$ 16 bilhões neste ano. Ela diz que um dos fatores que ajudam a explicar esse desempenho é o mercado de crédito. “Apesar da Selic restritiva, o saldo de crédito tem crescido em torno de 10% ao ano”, diz. “Então, a atividade de crédito está relativamente saudável. E você tem um movimento de câmbio que sustenta uma arrecadação um pouco mais forte também.”
O economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, acrescenta outro fator: a concessão do consignado privado, que, após uma baixa adesão quando o governo reformulou as regras, tem tido um salto positivo nos últimos meses.
“Além disso, tem o efeito renda. A gente sabe que o governo tem feito um esforço grande de manter alguns estímulos do setor imobiliário. Quando olhamos os dados, a concessão de crédito para o setor está positiva. A de veículos, também. Então, esses estímulos explicam em grande medida essa surpresa que nós estamos vendo na arrecadação de IOF”, diz Barros.
O IOF é um tributo que incide sobre operações de crédito, câmbio e seguro. É um imposto de arrecadação “imediata” e de difícil sonegação. “Não tem como fazer planejamento tributário no curto prazo para desviar [da alta da taxação]”, explica Rafaela.
Apesar da Selic restritiva, saldo de crédito tem crescido em torno de 10%”
Matheus Rosa Ribeiro, analista da consultoria BRCG, diz que surpresas arrecadatórias são positivas, porque devem ajudar o governo a cumprir a meta fiscal deste ano, especialmente após a decisão do Congresso de não votar a medida provisória que trazia novas taxações para compensar parte do recuo que houve no decreto que elevou o IOF.
“Como a MP caducou e o governo já caminhava bem próximo do limite inferior da meta de primário, há um esforço fiscal pendente para cumprir a regra de primário em 2025. Sendo assim, eventuais surpresas arrecadatórias, inclusive no IOF, são muito bem-vindas, porque reduzem o esforço que o governo precisará fazer em contingenciamento de despesas”, diz. A meta deste ano é de déficit zero, mas será cumprida com um resultado negativo de até R$ 31 bilhões. O governo espera encerrar o ano com déficit de R$ 30,2 bilhões.
Por outro lado, a arrecadação federal como um todo está em início de processo de desaceleração, o que deve impactar para baixo receitas vindas de outros tributos, principalmente os ligados à atividade econômica, como o PIS/Cofins, que incidem sobre o faturamento das empresas, além de royalties e participações especiais, afetados pelo câmbio e pelo preço das commodities.
Por isso, na visão de Rafaela, a arrecadação acima do esperado com o IOF tende a ser compensada parcialmente com a redução da receita de alguns tributos neste ano. Ainda assim, a economista acredita que o governo vai cumprir a meta de 2025, considerando o piso da banda de primário, mas com a ajuda do “empoçamento” – valor liberado para gasto, mas não usado pelos ministérios.
Se mantiver o ritmo deste ano, a majoração do IOF levará o governo a arrecadar R$ 33 bilhões a mais com o tributo em 2026, ante R$ 27,7 bilhões estimados oficialmente pelo governo. Porém, os especialistas têm dúvidas se o desempenho do IOF vai continuar igual no próximo ano.
Primeiro, porque as empresas podem fazer planejamentos tributários para fugir dessa majoração. “No longo prazo, elas se planejam um pouco melhor e acabam optando por linhas de crédito em que o custo é menor”, diz a economista-chefe do Inter.
O segundo motivo é pela possibilidade de redução do mercado de crédito. “Há duas forças operando em lados contrários para 2026. Uma é que o governo continua anunciando estímulos novos e isso acaba mantendo a economia aquecida. Na ponta contrária, a gente imagina que, se o Banco Central for cauteloso no ciclo de corte, deveria reduzir um pouco esse ímpeto do IOF, que tem um colateral no crédito. Agora, é difícil saber exatamente o efeito líquido, porque não sabemos a decisão do BC [sobre o ritmo de queda da Selic]”, diz Barros.
Não à toa, novas medidas de receitas serão necessárias para o governo cumprir a meta fiscal de 2026, que é de um superávit de R$ 34,3 bilhões, com intervalo de tolerância que admite déficit zero. “Mesmo antes de a medida provisória caducar, as projeções do governo para o Orçamento do ano que vem pareciam muito otimistas. Sem o esforço fiscal da MP e sob premissas mais desafiadoras para a arrecadação de tributos e royalties, fechar a conta do Orçamento exigirá que o governo corra contra o tempo para aprovar novas medidas”, diz o economista Matheus Ribeiro.
O governo tenta recompor as receitas perdidas com a queda da MP. Para isso, colocou em um projeto o limite à compensação tributária, que pode render R$ 10 bilhões. O texto já foi aprovado pela Câmara e aguarda o Senado. O governo também quer propor novamente a elevação da taxação sobre fintechs, bets e juros sobre capital próprio (JCP).
A Receita disse que só comenta a arrecadação já realizada e que demais explicações serão dadas no próximo relatório bimestral.
Fonte: Valor Econômico

