Mesmo com o ganho considerado extraordinário em 2021 e parte de 2022, a arrecadação própria dos Estados caiu no ano passado não somente em relação ao anterior como também na comparação com 2019, período pré-pandemia de covid-19 e também primeiro ano de mandato dos governadores anteriores.
De janeiro a outubro de 2023, últimos dados disponíveis, a receita com impostos, taxas e contribuições do agregado dos 26 Estados e Distrito Federal somou R$ 553,45 bilhões, com queda de 6,7% reais contra 2022 e 3,4% em relação a 2019. Embora esteja ainda 11,3% acima em termos reais em relação a 2019, a receita corrente agregada de 2023, que somou R$ 954,9 bilhões, também se deteriorou ante 2022, com queda de 3,1%. A receita agregada inclui repasses que Estados recebem da União.
Ao mesmo tempo em que as receitas caíram, as despesas correntes avançaram 3,9% reais em 2023 contra o ano anterior, sempre de janeiro a outubro. A despesa de pessoal, que representa 58% das despesas correntes dos governos estaduais, subiu 5,2%.
Os dados até outubro mostram o quadro antes do pagamento da antecipação ainda em 2023 da parcela de compensação de perdas de ICMS que seria paga somente em 2024 pela União a Estados e municípios. Esses recursos foram transferidos aos governos regionais em novembro e dezembro e ajudaram a melhorar o quadro ao fim de 2023, segundo representantes de fazendas estaduais.
Os dados relativos a receitas realizadas e despesas liquidadas foram retirados pelo Valor dos relatórios fiscais entregues pelos Estados à Secretaria do Tesouro Nacional. Os números de 2019 e 2022 foram atualizados para outubro de 2023 pelo IPCA.
Para Gabriel Leal de Barros, economista e sócio da Ryo Asset, o quadro mostra que a preocupação com o ajuste fiscal dos Estados volta ao radar. O tema ficou de lado durante a pandemia e depois, com os choques positivos de commodities, em 2021 e parte de 2022. “O problema da base de receita dos Estados volta à mesa”, diz.
Segundo os dados, a queda de arrecadação própria de janeiro a outubro de 2023 em relação a igual período do ano anterior ocorreu em 11 dos 27 entes. O recuo na receita corrente atingiu 16 deles. Chama a atenção, diz Leal de Barros, a queda de arrecadação em Estados do Sudeste, porque foram muito prejudicados pelo corte de ICMS imposto aos Estados em 2022. Entes com arrecadação relativa importante, como São Paulo e Minas Gerais, não elevaram a alíquota-padrão do imposto, como a maior parte dos Estados do Nordeste. Nesses Estados, a arrecadação própria é mais representativa na composição da receita. De acordo com o levantamento, a receita corrente em São Paulo e Minas caiu 7,3% e 3,4%, respectivamente, em termos reais, de janeiro a outubro contra igual período de 2022.
Os dados coletados mostram que a arrecadação própria dos Estados nordestinos ficou estável em termos reais em relação a 2022 e a queda na receita corrente foi de apenas 0,7%. No Centro-Oeste a receita própria também ficou praticamente estável, com alta real de 0,1% e queda de 2,2% na receita corrente. Já a região Norte teve alta de 7% na arrecadação própria e de 2% na receita corrente.
A perda maior foi no Sudeste, que amargou queda de 12,7% na arrecadação própria e de 6,7% na receita corrente. Nenhum Estado da região elevou a alíquota modal de ICMS em 2023. Na região Sul a perda foi de 1,8% na arrecadação própria, mas houve 1,4% de alta na receita corrente. Entre os Estados do Sul, apenas o Paraná elevou a alíquota-padrão de ICMS em 2023, para 19%, ante 18% em 2022. Ao fim do ano passado o Estado sancionou lei para elevação novamente em 2024, para 19,5%. O governo gaúcho chegou a propor ao fim de 2023 a elevação da alíquota de 17% para 19,5% em 2024, mas o projeto foi retirado frente à dificuldade para aprovação na Assembleia Legislativa do Estado.
Os números mostram que o aumento da alíquota modal por parte dos Estados não foi suficiente para compensar a perda de arrecadação do agregado, diz Leal de Barros, da Ryo Asset. Os Estados que aumentaram a alíquota, explica ele, são menos representativos quando se olha para o quadro fiscal conjunto do entes estaduais. Dados dos relatórios mostram que os quatro Estados do Sudeste representam 52,5% da arrecadação própria do total das cinco regiões e 45,2% da receita corrente.
O movimento de elevação da alíquota modal veio como reação às leis complementares 192/2022 e 194/2022. Aprovadas em 2022, em meio à corrida eleitoral à presidência da República, as duas leis impuseram mudanças que resultaram em redução de alíquotas e mudança de base de cálculo do ICMS nos setores de telecomunicações, energia elétrica e combustíveis, considerados os setores “blue chips” da arrecadação do imposto.
A perda de arrecadação dos Estados foi levada ao Judiciário e resultou em acordo para compensação pela União de perdas com o imposto a Estados e municípios, porque 25% da arrecadação do ICMS é transferida pelo governo estadual às respectivas prefeituras. O acordo estabeleceu um cronograma que previa pagamentos em 2023 e 2024 e, em alguns casos, também em 2025. No ano passado, porém, a União fez o repasse previsto e ainda antecipou o que seria compensado em 2024. Os valores antecipados foram pagos em novembro e dezembro.
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Leal de Barros diz que a receita de compensação provavelmente contribuiu para o fechamento no azul das contas estaduais em 2023. A receita, porém, ressalta, foi temporária e o ano de 2024 deverá ser de desaceleração da economia, com grande desafio fiscal para a União.
O texto final da reforma tributária, lembra o economista, ficou sem o dispositivo que considerava a receita média de ICMS de 2024 a 2028 como parte do critério de distribuição do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o novo tributo criado com a reforma e que será arrecadado por Estados e municípios. “O debate sobre recomposição de perda de base de arrecadação de ICMS provavelmente entrará nas discussões da regulamentação da reforma tributária.”
A Fazenda do Rio Grande do Sul diz que a redução de ICMS imposta em 2022 segue impactando a arrecadação própria e, para manter e regularidade dos pagamentos, investimentos e superar passivos acumulados, o Estado precisa recompor os níveis de receitas. Parte das perdas foi compensada, informa a Fazenda gaúcha em nota, mas ainda não o suficiente para recuperar a situação anterior. O governo propôs “uma revisão de benefícios fiscais que está em implementação com cautela, de forma a garantir e manter a competitividade do Estado, aliando-a com a necessidade de buscar um modelo de sustentabilidade de curto, médio e longo prazos, especialmente considerando as mudanças da reforma tributária”, diz a nota.
De janeiro a outubro de 2023 a arrecadação própria gaúcha caiu 2,4% em relação a igual período de 2022, mas com alta de 3,9% na receita corrente e de 5,1% nas despesas correntes. A Fazenda gaúcha diz que os dados do ano de 2023 estão em fechamento, “mas o Rio Grande do Sul mantém o superávit orçamentário decorrente das medidas de gestão, privatizações e dos efeitos do Regime de Recuperação Fiscal”.
Entre os Estados com alta de arrecadação em 2023 está Alagoas. A arrecadação própria do Estado aumentou 8,1% de janeiro a outubro de 2023 contra iguais meses do ano anterior. A receita corrente subiu 3,2%. Renata dos Santos, secretária da Fazenda alagoana, diz que a arrecadação própria do Estado fechou o ano todo de 2023 com crescimento real entre 10% e 12%. Ela explica que um parcelamento especial de ICMS também ajudou essa receita ao fim do ano. A recuperação, diz, também foi propiciada pelo aumento da alíquota modal de ICMS de 17% para 19% em 2023, ao lado de alterações na estrutura de arrecadação do imposto no Estado. A receita tributária do Estado foi favorecida em 2023 pelo aumento real do salário mínimo e do Bolsa Família, que beneficiam parte expressiva da população alagoana e “viram consumo”.
Para 2024, diz ela, a ideia é “nascer equilibrado” e por isso o Estado já toma medidas para conter as despesas correntes, “para amenizar a pressão que deverá vir das eleições municipais”. A expectativa é que a receita cresça neste ano 2% em termos reais na comparação com 2023 e as despesas se mantenham no mesmo nível, nominalmente.
No Pará, a arrecadação própria também cresceu, em 13,8%, e a receita corrente, em 3,5%. Segundo o secretário de Fazenda do Estado, René Sousa Júnior, a evolução reflete a elevação da alíquota modal de ICMS de 17% para 19% em 2023 e o bom desempenho do setor de mineração, que não gera arrecadação do imposto na exportação, mas traz dinamismo à atividade local. Puxado por reajustes como o piso do magistério, a despesa de pessoal se acelerou no Estado, com alta de 11,9% em 2023 contra 2022. A despesa corrente subiu 9,8%, sempre de janeiro a outubro. Segundo o secretário, as contas fecharam ajustadas em 2023, com contribuição importante também da compensação pelas perdas de ICMS pela União. O Estado, diz Sousa Júnior, recebeu total de R$ 600 milhões em compensação em 2023, sendo cerca de R$ 200 milhões relativos ao próprio ano e o restante da antecipação dos valores de 2024.
Fonte: Valor Econômico

