Por Roberto Lameirinhas
Valor — São Paulo
11/03/2024 10h42 Atualizado há 13 horas
A Argentina lançou nesta segunda-feira (11) uma das maiores ofertas de troca “voluntária” de títulos da dívida interna de sua história, que pode alcançar cerca de US$ 65 bilhões, em um esforço para aliviar a pressão fiscal dos vencimentos previstos para este ano. Trata-se de uma aposta arriscada, pois a operação não prevê a redução do valor da dívida e os novos títulos — com vencimentos entre 2025 e 2028 — serão indexados pelo índice oficial de inflação, que em 12 meses supera 254%.
Como cerca de 70% destes títulos estão em mãos do setor público, é praticamente certo que o governo obtenha sucesso na oferta de troca que se encerra hoje. Mas se a inflação não ceder significativamente até o primeiro vencimento dos novos títulos no fim de 2024, o governo corre o risco de ter de arcar com uma dívida ainda maior.
A taxa da inflação dos preços ao consumidor de fevereiro na Argentina será anunciada nesta terça-feira (12). Em janeiro, a inflação de 20,6% levou a taxa 12 meses a 254,2%. Os novos títulos serão indexados à inflação e ainda vão pagar uma remuneração real que varia de 1,39% a 3,9% ao ano, dependendo do tipo de bônus e do prazo. Os 15 diferentes instrumentos de dívida incluídos na operação serão trocados por títulos com vencimentos em dezembro de 2025 (que serão 30% do total da nova emissão), 2026 (30%) e 2027 (25%) e junho 2028 (15%).
Alguns dos títulos que serão trocados estão atrelados à variação do dólar e sua eliminação, segundo analistas, ajuda a reduzir a pressão sobre o câmbio. A ideia do governo, segundo o economista Salvador Vitelli, é livrar-se dos títulos vinculados ao regime vigente de “seguro cambial” — que aumenta a pressão sobre as reservas internacionais a cada vencimento — trocando-os pela atualização dos valores em peso, numa aposta de arrefecimento da inflação.
Cerca de 30% dos títulos disponíveis no setor público para a troca pertencem ao Banco Central, outros 20% ao Fundo Garantidor de Sustentabilidade — FGS, que se destina a ajudar na solvência do sistema financeiro — e 20% ao estatal Banco Nación. “O restante está em mãos de bancos, seguradoras, fundos de investimento e corporações privadas”, diz Nicolás Alonzo, analista da consultoria Orlando J. Ferrerés & Asociados.
Operações de trocas de dívida são comuns na Argentina, o tamanho recorde do plano atual será visto como um teste da confiança do mercado no programa econômico de Javier Milei, três meses após o início da sua Presidência.
O ministro da Economia, Luis Caputo, tem adotado a estratégia de enviar sinais ao mercado do forte compromisso assumido pelo governo de zerar o déficit fiscal ainda este ano. “O plano de troca de dívidas tem um aspecto positivo na medida em que busca remover as pressões causadas por vencimentos de título para o restante do ano, de modo a convencer mercado e população de que não pensa em emitir pesos para financiar seus gastos”, disse Andrés Borenstein, economista e professor da Universidade Torcuato di Tella.
“Como o limiar do critério de sucesso para esse tipo de leilão é de 70% e o governo tem esse nível já garantido com o envolvimento do setor público, é certo que a troca dos títulos da dívida está livre do fracasso e vai transmitir ao mercado um bom sinal, o que deve gerar confiança”, afirmou Borenstein.
Alguns investidores observam que se perdeu o apetite temporário por títulos indexados ao dólar e que as taxas oferecidas pelo Tesouro com os novos títulos indexados à inflação podem se tornar mais atrativos. A diferença da cotação entre o dólar oficial e o paralelo (spread), que chegou a mais de 150% no ano passado, estava ontem abaixo dos 20%. Ontem, o dólar paralelo estava em 1.005 pesos e o oficial, 867 pesos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) — que em março de 2022 renegociou o empréstimo de US$ 44,5 bilhões que concedeu à Argentina — tem dado aval às políticas de Milei. O Fundo já tinha se mostrado favorável à substituição gradual de títulos vinculados ao dólar pelos corrigidos em peso e ao freio ao financiamento do banco central ao setor público. A troca da dívida, na visão do FMI, contribuiria para o objetivo de reduzir a pressão sobre as contas fiscais no curto prazo.
Fonte: Valor Econômico

