Por Murillo Camarotto, Estevão Taiar e Fábio Couto, Valor — Brasília e Rio
10/03/2024 20h41 Atualizado há 9 horas
Em um resumo executivo encaminhado ao Conselho de Administração da Petrobras, a área técnica da diretoria de Finanças da estatal defendeu que os critérios para embasar o pagamento de dividendos extraordinários “não foram atingidos”. O documento, ao qual o Valor teve acesso, diverge da proposta da direção da companhia, que sugeriu o pagamento de 50% dos dividendos. A empresa nega e diz que o documento se referia a “requisitos usados no passado” para autorizar ou não a distribuição desses recursos.
Na última quinta-feira, ao reportar lucro líquido de R$ 31 bilhões no quarto trimestre de 2023, a Petrobras informou que não pagaria dividendos extraordinários referentes ao período. A decisão foi tomada pelo Conselho de Administração, que tem a palavra final, acima da diretoria, sobre o assunto. O Conselho por sua vez é formado por 11 integrantes, dos quais seis são ligados ao governo federal. Segundo o presidente da companhia, Jean Paul Prates, os conselheiros ligados à União votaram contra a distribuição, enquanto os conselheiros privados votaram a favor. Ele próprio optou por se abster.
A retenção dos dividendos fez a Petrobras perder R$ 55,8 bilhões em valor de mercado na última sexta-feira, com desvalorização de 10,57% em suas ações preferenciais. O principal motivo foram os temores do mercado sobre uma suposta intervenção do governo federal na companhia. A agência Reuters publicou que a decisão tinha partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lula e Prates se reúnem às 15h desta segunda-feira no Palácio do Planalto.
A Gerência-Executiva de Riscos Empresariais, ligada à diretoria de Finanças da Petrobras, afirma no documento a que o Valor teve acesso que “ao longo de 2022 os critérios” necessários para o pagamento “foram atingidos de tal forma que dividendos extraordinários foram submetidos pelo time técnico e aprovados pela alta administração nos quarto trimestres daquele ano”.
São eles: inexistência de “investimento constante no Plano Estratégico em risco por falta de orçamento”; dívida bruta abaixo do limite estabelecido no Plano Estratégico (PE), “com 90% de confiança no horizonte de até 24 meses”; excedente de caixa “em relação ao caixa mínimo, com 90% de confiança no horizonte de até 24 meses”.
Ao realizar a mesma análise para sustentar a distribuição de dividendos referentes ao quarto trimestre de 2023, a avaliação foi diferente. “Nesse momento, entretanto, ao realizar a análise de risco e calcular o grau de confiança em cenários de possível pagamento de dividendos extraordinários no quarto trimestre de 2023, os critérios acima não são atingidos”, afirma.
A partir daí, a área sugere no documento que “possíveis ações mitigatórias poderiam ser adotadas para tentar elevar o grau de confiança e fazer com que a análise de risco resultasse no atingimento dos critérios” destacados. Entre essas possíveis ações, estaria a “não realização total” das despesas de capital previstas “no horizonte da análise”.
“Essas ações, porém, constituem decisões estratégicas, que também dependem de deliberação do CA (Conselho de Administração), tendo em vista que estão intrinsicamente ligadas ao PE”, reconhece a gerência-executiva.
Questionada sobre o parecer, a assessoria de imprensa da Petrobras informou que o documento se refere a requisitos usados em 2022, “explorando o histórico de decisões e os requisitos para pagamento oportunos naquela ocasião – que não são aqueles recomendados pelas áreas técnicas na situação atual”.
Assim, de acordo com a companhia, “não há documento no qual qualquer área da companhia defenda o não pagamento de dividendos extraordinários”.
“O documento em que as áreas técnicas da Petrobras subscrevem a pauta de dividendos, incluindo a Gerência Executiva de Riscos, apresenta diversos argumentos que levaram a diretoria executiva a propor a distribuição de dividendos extraordinários”, afirma. “A análise completa desse conteúdo evidencia que todas as áreas propositoras dos pagamentos de dividendos subscreveram a decisão da diretoria executiva.”
A empresa ainda “reafirma que não procedem afirmações de interferências externas” na distribuição de dividendos.
Uma fonte da companhia destaca que os pareceres das áreas técnicas não são, necessariamente, mandatórios, mas sim recomendações ou indicações que podem (ou não) ser acatadas pelas instâncias superiores.
O estatuto social da empresa estabelece que a decisão de alguns temas passa pela diretoria executiva e outros passam pelo Conselho de Administração.
Segundo a fonte, outras decisões podem ser tomadas diretamente pelas áreas técnicas, representadas pelos gerentes-executivos, ou de forma discricionária pelo respectivo diretor da área, dependendo do tema e do valor.
“Existem diversos níveis de competência para uma decisão. Distribuição de dividendos é um tema que vai a Conselho de Administração, é uma competência do conselho. Eles [profissionais das áreas técnicas] podem recomendar à diretoria, que pode recomendar ou não ao Conselho”, diz. “Pode acontecer de uma decisão de um diretor ser acatada pela diretoria executiva, mas não pelo Conselho.”
Fonte: Valor Econômico

