Há riscos para os quais podemos atribuir alguma ciência probabilística, pois se alinham a eventos passados, e outros que são impossíveis de calcular devido à falta de dados históricos
Por Evandro Bertho
08/12/2023 05h02 Atualizado há 3 dias
Há coisas que sabemos que sabemos. Também existem coisas que sabemos que não sabemos. No entanto, há também desconhecimentos ocultos, que são aquilo que não sabemos que não sabemos. Conforme Frank Knight bem diferencia, existem riscos para os quais podemos atribuir alguma ciência probabilística, pois se alinham a eventos passados, e outros que são impossíveis de calcular devido à falta de dados históricos. Refiro-me a perturbações que se originam fora do sistema em questão, sem precedentes, e que podem afetá-lo de maneira imprevisível. Apresentarei exemplos, começando pelo mais recente e, talvez, inusitado.
O setor de alimentos e bebidas tem sido tradicionalmente considerado menos suscetível a flutuações econômicas, uma vez que é composto por itens de necessidade básica para a sobrevivência humana, o que significa que as pessoas continuam comprando esses produtos mesmo em tempos difíceis. Até que… chega o Ozempic e aparentemente acentua uma venda disseminada de ações nesse setor.
Com a rápida popularidade dessa nova classe de medicamentos para perda de peso e um alerta de possível correlação do consumo dos medicamentos e menor demanda de alimentos e bebidas pela rede Walmart, surge a percepção de que indivíduos que estão fazendo uso de Ozempic, Wegovy e outros supressores de apetite podem estar influenciando significativamente os hábitos de consumo em geral. Uma pesquisa recente realizada pelo Morgan Stanley descobriu que os pacientes tendem a reduzir as refeições e lanches ao tomar medicamentos para perda de peso, além de consumir menos álcool e bebidas carbonatadas.
Embora alguns índices setoriais dedicados a ações de alimentos, bebidas e tabaco estejam sendo negociados próximos do nível mais baixo em dois anos e meio, ainda é cedo para estabelecer relação causal entre medicamentos inibidores de apetite, demanda estrutural por alimentos e bebidas e, por consequência, desvalorização dos ativos, uma vez que vários setores estão sendo impactados pela reprecificação do juro americano, e também por outros eventos de alto nível de incerteza.
Para além da discussão de possível mudança secular no hábito alimentar da sociedade contemporânea, sobre a qual aqui não me atrevo a opinar, o que fica de reflexão é que o imponderável está ao derredor, buscando a quem tragar, como já vimos em eventos não muito distantes.
Lembro-me do setor de energia, que talvez fosse um dos mais robustos, até que… a ex-presidente Dilma entrou no circuito e publicou a Medida Provisória 579, em setembro de 2012, que determinava a redução das tarifas e a renovação das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Na prática, significava adotar uma política de controle de preços que subsidiou as tarifas de energia elétrica e fez com que o valor de mercado das empresas brasileiras do setor de energia elétrica listadas na bolsa de valores caísse de forma expressiva em poucos dias, com níveis de volatilidade nunca vistos. Ressalva: não sei o quanto podemos chamar de risco imponderável as surpresas regulatórias em governo petista.
Portanto, o determinismo histórico, caracterizado aqui pela sensação de que, caso determinado evento agudo em mercados volte a acontecer, nós, investidores, perceberíamos, faz com que minimizemos os riscos imponderáveis aos quais nosso portfólio está suscetível. Afinal, as coisas parecem óbvias depois de acontecerem. Um efeito ainda mais perigoso é o do viés retrospectivo, ou seja, aqueles que são muito bons em interpretar o passado pensarão em si mesmos como bons em prever o futuro e se sentirão confiantes quanto a sua habilidade em fazê-lo.
Em última análise, ampliar sua margem de segurança é a estratégia preventiva mais eficaz em relação ao risco imponderável. A margem de segurança consiste em uma estratégia de aumento de proteção ao portfólio, especialmente por meio da diversificação (em diferentes classes de ativos e região) e do preço.
Em mercados caracterizados pelo entusiasmo excessivo, os investidores muitas vezes se preocupam mais em perder oportunidades do que em perder dinheiro, levando-os a pagar preços que não estão claramente alinhados com o valor real dos ativos. Isso, por sua vez, reduz a margem de segurança tão crucial para enfrentar mudanças de mercado que podem invalidar modelos e teses.
Reconhecemos que apenas um futuro específico se concretizará, mas é vital que o portfólio leve em consideração uma variedade de cenários possíveis. Como David Swensen, o renomado gestor do fundo de investimento de Yale, já destacou: “a margem de segurança existe para amortecer o efeito de cálculos errôneos ou da falta de sorte”. Encerro esta reflexão com uma citação do investidor Howard Marks, que sintetiza a essência dessa abordagem: “Os sinais indicadores dos melhores investidores que conheço são investir com medo, exigir um bom valor e uma grande margem de segurança, bem como estar ciente do que não se sabe e não se pode controlar”.
Evandro Bertho é sócio-fundador da Nau Capital
E-mail: evandro.bertho@naucapital.com.br
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Fonte: Valor Econômico