Surpresas nos dados do mercado de trabalho brasileiro e o enfraquecimento da hipótese de rápida desaceleração da economia global desde o último encontro do colegiado se juntaram à comunicação mais cautelosa do presidente do BC, Gabriel Galípolo, em um cenário que também contemplou a avaliação por parte de agentes financeiros de um tom mais “hawkish” (duro) de membros da diretoria em reuniões privadas com o mercado, conforme apurou o Valor.
De acordo com o mercado de opções digitais de Copom, a probabilidade de manutenção da Selic em 14,75% alcançou o patamar de 83% no fechamento da sessão de 27 de maio, dia em que houve a divulgação do IPCA-15, ante os 14% de chance de alta de 0,25 ponto percentual — patamar que o mercado considera praticamente como prêmio residual nas apostas para o desfecho da reunião.
Os dias seguintes, no entanto, foram de reversão expressiva nas apostas pelo fim do ciclo de aperto monetário. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e da Pnad Contínua mostraram um mercado de trabalho ainda bastante aquecido, colocando em dúvida o cenário de desaceleração traçado na ata da última reunião do Copom.
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Também vale destacar uma série de reuniões privadas recentes entre diretores do Banco Central e agentes de mercado. Ainda que a leitura sobre as mensagens emitidas pelas autoridades tenha sido mista, prevaleceu a interpretação de que pareceu haver pouca disposição — sobretudo do diretor de política econômica, Diogo Guillen — de “fechar a porta” para uma alta adicional de 0,25 ponto na Selic na reunião de junho.
A sensação acabou reforçada na segunda-feira, quando o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, participou de um evento no Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP). Ao ser perguntado sobre como evitar que o mercado se antecipe e passe rapidamente a precificar cortes de juros após o fim do ciclo de aperto, o dirigente se mostrou mais aberto à possibilidade de uma nova alta de juros em junho.
“Estamos em um estágio anterior [ao fim do ciclo]. Estamos ainda discutindo o ciclo de alta e o que nós vamos tomar como decisão [na reunião de junho]. Flexibilidade significa que nós estamos abertos e vamos chegar na próxima reunião para tomar essa decisão sobre o que fazer”, afirmou Galípolo.
As declarações foram refletidas prontamente pelo mercado. No fechamento de ontem, a probabilidade de uma alta de 0,25 ponto na reunião de junho alcançou os 45%, em seu maior patamar desde a última decisão do BC. As taxas curtas também voltaram a subir na curva futura. A taxa do DI para janeiro de 2026 subiu de 14,81% para 14,835% e a do DI para janeiro de 2027 avançou de 14,185% para 14,21%.
Ao menos até este momento, o economista-chefe da Occam, Paulo Val, acredita que, embora haja uma probabilidade maior de um cenário que contemple um aumento de 0,25 ponto nos juros em junho, ele ainda não é majoritário. “Para nós, a manutenção da Selic em 14,75% continua sendo mais provável, até pela prescrição que o próprio Galípolo usa em seu discurso ao falar sobre a estabilidade dos juros por um período longo, que seria o resultado mais provável”, argumenta.
Val, inclusive, acredita que o BC poderia justificar a postura de manter os juros inalterados com o uso de um cenário alternativo para suas projeções de inflação, que incluísse a Selic parada ao longo do horizonte relevante e mostrasse estimativas que estivessem mais próximas do centro da meta.
“De um lado, a atividade continuou surpreendendo, ao vir mais forte que o esperado. É verdade que a inflação veio um pouco melhor, mas o BC precisa do canal de desaquecimento da atividade econômica para gerar a desinflação que ele quer no horizonte relevante. Isso ele ainda não atingiu”, diz Val. “Isso jogaria o BC no sentido de entregar um pouco mais de aperto. Mas, na outra ponta, há uma visão presente no discurso do Galípolo de que a manutenção da Selic nos patamares atuais é mais importante do que uma alta muito maior da taxa de juros.”
A Occam, nesse sentido, acredita que a autoridade monetária deve seguir com o juro parado ao menos até o segundo trimestre de 2026. “Não conseguiria ver cortes antes disso sem uma perda maior de credibilidade”, enfatiza o economista. Ele, porém, avalia que “controlar a curva” para impedir a precificação de cortes nos juros será um desafio para o BC. “E, historicamente, olhando o ciclo de aperto e o ciclo de flexibilização seguinte, a janela de seis meses é a mais usual. Será um desafio para o BC explicar que não estamos nesse cenário usual e que a pausa será mais longa do que normalmente foi.”
Para o economista-chefe da XP Asset Management, Fernando Genta, “as declarações de diretores do Copom, em especial do Galípolo, vão no sentido de evitar que o mercado precifique cortes de juros”, apontou durante “live” mensal da gestora.
“À luz dos dados do PIB, produção industrial, varejo, serviços e de um mercado de trabalho super forte, muito provavelmente o ciclo não acabou”, avalia o economista, que espera uma última alta de 0,25 ponto da Selic neste mês, além de um período prolongado de manutenção da taxa básica em 15%.
Diante de seu cenário-base de IPCA acima do teto da meta tanto em 2025 quanto em 2026, Genta avalia como “muito difícil” discutir a flexibilização monetária tão cedo. “Se o BC cortar ano que vem, provavelmente será contra o que os fundamentos estão apontando”, diz.
O estrategista-chefe da BGC Liquidez, Daniel Cunha, carrega o cenário de uma alta adicional de 0,25 ponto na Selic desde a última reunião. “Minha projeção continha a ideia de que esse intervalo entre as reuniões ainda exigiria um BC ativo em termos de ação, e não só na comunicação”, aponta.
Cunha esperava que o Copom ainda não fosse ganhar nenhum tipo de conforto ao pensar no hiato do produto e, ainda que o IPCA-15 tenha sido melhor que o esperado, a inflação corrente ainda está bastante distante de patamares confortáveis para a autoridade.
“Na minha cabeça o correto seria dar mais 0,25 ponto e não decretar o fim do ciclo, ao dizer que, neste momento, optou por subir os juros, deixando uma porta aberta para a próxima reunião. Seria uma abordagem ortodoxa e evitaria a precificação antecipada de cortes do mercado, mas não acredito que o Copom fará isso neste momento”, afirma o estrategista.
Na visão do interlocutor de uma importante instituição financeira, é importante para a estratégia do BC preservar a possibilidade da alta de 0,25 ponto para evitar que o mercado precifique ainda mais cortes de juros após o fim do ciclo. A preocupação do colegiado com a precipitação da discussão sobre os cortes é reforçada pelas recentes falas dos diretores de que, do ponto de vista da política monetária, a manutenção ou um ajuste de 0,25 ponto é irrelevante, mas o mais importante é por quanto tempo a taxa permanecerá elevada.
Além disso, esta fonte lembra que houve reiteradas falas no sentido de que a taxa de juros já está em nível bastante contracionista. Isso seria outro sinal de que o Copom tem baixa disposição de continuar elevando a Selic nestes níveis.
A estratégia, portanto, seria manter o juro no nível atual, utilizar uma comunicação dura e, eventualmente, fazer a revisão do hiato do produto, aproximando a estimativa do BC à do mercado. Isso teria um reflexo de alta nas projeções do Copom e reforçaria a mensagem de que os cortes de juros ainda estariam distantes.
Fonte: Valor Econômico

