Em um contexto de menor aversão a ativos de risco no mundo, que tem provocado uma queda generalizada do dólar, o real tem sido uma das moedas de destaque no ano e tem sustentado um desempenho positivo. No ano, o dólar recua 8,16%, em um movimento apoiado em um desmonte de posições pessimistas que eram mantidas por investidores estrangeiros. Desde o maior pico recente, em dezembro, houve uma redução de US$ 35,4 bilhões na aposta desses agentes na valorização do dólar contra o real, o que tem dado fôlego renovado ao câmbio doméstico. A consequência tem sido um dólar mais baixo, que já se reflete nas projeções de grandes bancos para um real mais apreciado.
Nas últimas semanas, casas relevantes passaram a incorporar em seus cenários uma trajetória que contempla um câmbio menos depreciado do que o esperado anteriormente. O Bradesco puxou a fila, ao reduzir no início do mês a projeção para o dólar de R$ 6,00 para R$ 5,90. O banco foi seguido por outras duas casas de peso: o Itaú Unibanco, que cortou sua estimativa para a moeda americana de R$ 5,90 para R$ 5,75 no fim deste ano; e o HSBC, cuja projeção passou de R$ 5,75 para R$ 5,60.
Em 16 de dezembro, a posição comprada em dólar contra real (aposta na alta da moeda americana) do investidor estrangeiro estava em US$ 77,6 bilhões e, na última quarta-feira, em US$ 42,2 bilhões, de acordo com dados da B3Cotação de B3 sobre o mercado de derivativos (dólar futuro, cupom cambial, swap cambial e dólar mini). O movimento não é exclusivo do Brasil, mas chama atenção, já que influenciou fortemente a dinâmica da taxa de câmbio. O dólar se afastou do nível recorde de R$ 6,30 visto em dezembro e, ontem, terminou a R$ 5,6757.
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Boa parte do ajuste nas posições guarda relação com fatores externos. O enfraquecimento da narrativa de que há um “excepcionalismo” da economia dos Estados Unidos; medidas de expansão fiscal que podem dar impulso à economia da zona do euro; a ausência de novos ruídos na seara fiscal no Brasil; os preços descontados dos ativos brasileiros no início do ano; e a atuação do Banco Central no mercado de câmbio, além da Selic bastante elevada, são fatores que têm tornado a posição comprada em dólar menos favorável.
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Paradoxalmente, é possível que o desmonte de posições dos estrangeiros, que é um fator que dá sustentação ao real, esteja, na verdade, ligado à forte saída de recursos vista no fluxo financeiro. Somente neste ano, o saldo do câmbio contratado financeiro é de US$ 13,6 bilhões. “O investidor estrangeiro pode ter desfeito o ‘hedge’ [proteção por meio de posições compradas em dólar em derivativos], mas fez compra de dólar no mercado à vista para mandar esse dinheiro para fora do país”, afirma o estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli.
Além disso, a especulação do investidor que sabe que, normalmente, os primeiros meses do ano são marcados por uma entrada de dólares por meio da exportação de grãos também é um dos possíveis fatores para o desmonte das posições pessimistas contra o real. “O posicionamento do real mudou bastante, com o Brasil ficando mais atrativo, porque nesses meses de começo de ano há o fluxo sazonal da soja. Mas, até agora, o fluxo não está bom. Está demorando um pouco para termos esse ingresso. Então, ainda que o especulativo tenha melhorado, o dinheiro real não melhorou. Estamos em níveis comparados à pandemia da covid, está estranho…”
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O chefe de câmbio da tesouraria da XP, Andrei Basilio, avalia que o fator determinante para o ajuste no câmbio veio do exterior, que levou o dólar a perder força não somente contra o real, mas também em relação à maioria das moedas globais. “No fim do ano passado, o cenário era marcado pela China e a Europa crescendo pouco, enquanto os EUA surpreendiam a cada dado econômico, com essa visão mais otimista culminando com a vitória do [republicano Donald] Trump, já que havia expectativa de que ele traria desregulamentação da economia e desenvolvimento para as companhias. Com isso o S&P 500 avançou e acabou funcionando como um aspirador de liquidez global”, afirma.
Mas desde a posse de Trump, com os anúncios de tarifas comerciais, houve uma mudança no sentimento. “O mercado se assustou porque as tarifas vieram mais espalhadas do que se imaginava, sem poupar os principais parceiros comerciais”, diz.
Segundo Basilio, ainda que houvesse expectativa sobre medidas contra o México, não se esperava que essa taxação fosse ocorrer também contra o Canadá, um aliado importante, fornecedor de energia aos EUA. “Tudo isso começou a minar a ideia do ‘excepcionalismo americano’, quebrando a confiança que se tinha com a economia do país, em um momento em que o S&P 500 estava muito caro. Os dados econômicos mais fracos também corroboraram esse viés”, afirma.
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O economista-chefe da Oriz Partners, Marcos Bredda De Marchi, menciona também o fato de Trump anunciar medidas e voltar atrás muitas vezes, com investidores prevendo chances de a atividade econômica perder força. “Houve um maior clima de incerteza sobre a economia, e a incerteza talvez seja o pior inimigo de quem quer fazer investimento de longo prazo. Isso pode ter começado a colocar areia na engrenagem do crescimento americano.”
Diante disso, o economista reforça que o desmonte global de posições compradas em dólar não é exclusivo do mercado brasileiro. “A dinâmica no Brasil foi muito similar ao que vimos na Colômbia. O mercado lá é menor, obviamente, mas a lógica foi muito parecida, e há relatos de que algo muito similar também ocorreu no México via derivativos. Por isso, acredito que o câmbio no Brasil vem seguindo um movimento mais relacionado ao aspecto global do dólar.”
Ainda na seara internacional, ao mesmo tempo em que o dólar perdeu força por dúvidas sobre a economia americana, houve o anúncio de medidas de expansão fiscal na Alemanha, o principal motor da Europa. Basilio, da XP, aponta que o tamanho dos gastos surpreendeu e deu sustentação ao euro, que, neste mês, sobe 4,57% frente ao dólar.
Mas, além do cenário externo, houve também fatores locais que podem ter ajudado, ainda que de forma marginal, a fomentar o desmonte de posições do investidor estrangeiro. O preço barato dos ativos domésticos no início do ano é um desses vetores. “Quando o investidor sai dos ativos americanos e procura mercados para realocação, ele busca ativos baratos. E o Brasil, por mais que não tivesse uma boa história a ser contada no médio prazo, tinha preços atraentes, com a bolsa amassada [desvalorizada], os juros futuros batendo 16,5% e o dólar terminando o ano a R$ 6,20”, lembra o executivo.
Há potencial para o dólar se aproximar de R$ 5,40, tudo o mais constante”
Os primeiros meses do ano também não trouxeram notícias que assombrassem adicionalmente o mercado a respeito da condução da política econômica. Além disso, o Banco Central teve um papel importante para o fortalecimento do real, seja por meio do “choque de juros” ao colocar a Selic em 14,25%, seja por intervenções no câmbio, como a adoção de novos leilões de linha e a rolagem dos instrumentos que venceriam neste início de ano.
Ao ter na conta a expectativa de que o juro básico siga em níveis elevados, a estrategista Ioana Zamfir, do Morgan Stanley, diz acreditar que o real deve permanecer apoiado “e vemos potencial para o dólar se encaminhar para R$ 5,40, tudo o mais constante”. No fim de 2024, diante do estresse no câmbio, o banco americano projetava que um ambiente de dominância fiscal poderia levar o dólar a R$ 7,00.
No caso do BTG Pactual, em revisão de cenário, houve uma redução na estimativa para o dólar de R$ 6,25 para R$ 6,00 no fim do ano. “Mas reforçamos que a incerteza doméstica e externa mantém o cenário aberto”, diz a economista Iana Ferrão. Enquanto há espaço para o dólar chegar a R$ 5,30 no cenário otimista do banco, no pessimista a moeda ultrapassaria R$ 6,50.
Fonte: Valor Econômico