Por Lucille Liu, Rebecca Choong Wilkins e Kari Lindberg, Bloomberg
26/06/2023 15h23 Atualizado há 16 horas
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia no ano passado, a aposta do presidente da China, Xi Jinping, em uma amizade “sem limites” com Vladimir Putin parecia que poderia sair pela culatra. A breve insurreição contra Moscou no fim de semana reforçou mais uma vez os riscos que o líder chinês enfrenta na parceria com Moscou.
A China deu um voto de confiança a Putin no domingo, ressaltando a relação estreita do presidente russo com Xi, afirmando ao mesmo tempo ser necessário “proteger os interesses comuns dos dois lados” em meio a “uma situação internacional complexa e grave”.
Perguntado diretamente sobre o acordo de Putin com o chefe da organização paramilitar Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, o ministro das Relações Exteriores da China disse que apoia a tentativa da Rússia de manter a “estabilidade nacional” em lidar com um “assunto interno”.
Apesar da demonstração de apoio, o impressionante desafio à autoridade de Putin levantou questionamentos sobre as implicações de longo prazo para Xi – de sua luta ideológica com os Estados Unidos à sua permanência no poder, que foi questionada no ano passado durante raros protestos nacionais contra a política de combate à pandemia de covid-19.
“Esse tipo de conclusão caótica só pode ser visto como uma derrota para Pequim”, diz Rafaello Pantucci, pesquisador sênior da Escola S. Rajanatnam de Estudos Internacionais de Cingapura. “[O que aconteceu] destaca a fragilidade de seu parceiro mais importante no cenário mundial, destaca a fraqueza de um homem com quem o presidente Xi tentou se mostrar próximo e, se isso levar ao fim da guerra, então liberará alguns ativos ocidentais a voltarem a se concentrar na China”.
Embora Xi tenha consolidado o poder no ano passado, garantindo um inédito terceiro mandato e sem enfrentar nenhuma ameaça imediata ao governo, seu apoio diplomático a Putin na esteira da guerra ligou os dois. Ambos comandam governos autoritários que possuem armas nucleares e se opõem aos valores democráticos defendidos pelos EUA e seus aliados.
Mesmo a possibilidade de Putin ser forçado a deixar o poder – um cenário que parecia plausível antes de Prigozhin repentinamente afastar as forças de Moscou – é algo que poderá se espalhar pelo establishment em Pequim. No fim de semana, uma conta do microblog Weibo operada pelo Exército de Libertação do Povo divulgou um post sobre como Mao Tsé-tung reformulou as forças armadas em 1927 para assegurar o controle absoluto do Partido Comunista, destacando o risco que Putin enfrenta ao depender de exércitos privados como o comandado por Prigozhin.
Xi vem tentando consolidar o poder sobre as forças armadas chinesas, mas é incerto se ele tem o controle total. Quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se referiu a Xi como um ditador, na semana passada, ele disse que o líder chinês está envergonhado porque não sabia que um suposto balão espião estava sobrevoando os EUA em fevereiro – um incidente que abalou ainda mais as tensas relações entre as duas maiores economias do mundo.
“O que aconteceu na Rússia reforça a mensagem de que Xi Jinping precisa continuar mantendo um controle muito, muito rígido e continuar desconfiando dos militares”, diz Tai Ming Cheung, diretor do Instituto sobre Conflitos e Cooperação Global da Universidade da Califórnia e escritor.
“Ainda é muito cedo, mas tenho certeza que veremos na imprensa militar chinesa pregações pela renovação da lealdade dos militares ao Partido Comunista, mas especialmente a Xi Jinping”, acrescenta ele.
Como as sanções internacionais à Rússia tornam a relação de Xi com Putin cada vez mais assimétricas, a China poderá tentará aproveitar a vantagem econômica. Pequim já aumentou o uso do yuan no comércio com a Rússia, demonstrando sua utilidade como alternativa ao domínio do dólar.
A China também comprou mais de US$ 95 bilhões em energia da Rússia desde a invasão, representando uma importante fonte de financiamento para a máquina de guerra de Putin. Mas ser dependente demais da Rússia por energia é algo que implica em riscos: analistas da RBC Capital Markets, como Helima Croft, disseram em uma nota divulgada no domingo, que a ameaça de agitação civil na Rússia agora precisa ser computada nas análises sobre o petróleo na segunda metade do ano.
Os custos econômicos da invasão de Putin expõem as dificuldades de se administrar uma guerra, mas eles não irão necessariamente impedir Xi de seus objetivos militares em Taiwan, a ilha autogovernada que a China reivindica como sua, segundo diz Ja Ian Chong, professor associado de ciências políticas da Universidade Nacional de Cingapura.
Ao mesmo tempo, isso é um lembrete do que pode dar errado uma vez que uma guerra começa, diz Wen-Ti Sung, professor da Universidade Nacional da Austrália. Ele cita um adágio de Sun Tzu, autor de “A arte da guerra”, que diz que os generais no campo de batalha nem sempre obedecem às ordens do soberano.
“As guerras sempre carregam o risco de comprometer o controle civil sobre os militares”, diz Sung. “Portanto, Pequim ficará ainda mais cautelosa quanto a iniciar um conflito em Taiwan.”
A China começou lentamente a se distanciar de Rússia ao longo dos meses, alertando contra o uso de armas nucleares e pedindo proteção à população civil após a destruição de uma barragem na Ucrânia. Xi também mandou um enviado para a Ucrânia, numa tentativa de ajudar a acabar com o conflito, embora poucas nações vejam a China como um intermediário neutro.
Por enquanto, a estratégia da China parece apoiar publicamente a capacidade de Putin de governar, sem aproximar muito Xi do líder russo enquanto as ramificações dos acontecimentos do fim de semana não ficarem claras. Embora comunicados de China tenham mencionado o nome de Putin, Xi ainda não fez um telefonema público para o líder russo, ao contrário do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e do presidente do Irã, Ebrahim Raisi.
“Há poucas dúvidas de que Pequim investigará cuidadosamente a eficácia da guerra da Rússia na Ucrânia e as armadilhas com que se deparou até agora”, diz Elena Collinson, diretora sênior de projetos e pesquisas do Instituto de Relações Austrália-China da Universidade de Tecnologia de Sidnei. “O valor estratégico da Rússia como parceira da China cairia substancialmente com um fracasso da invasão da Ucrânia ou a deposição de Putin.”
Fonte: Valor Econômico