Com o cenário eleitoral ainda distante, gestores locais têm reforçado posições no chamado “kit Brasil” — a combinação de apostas na queda dos juros nominais e reais e na valorização do câmbio e da bolsa — e estão comprados nos ativos domésticos no maior nível desde o pré-pandemia. O movimento é sustentado pelos investidores estrangeiros, no momento em que o ambiente global de diversificação de portfólios e fraqueza do dólar tem dado apoio e ditado o rumo dos mercados no Brasil, em uma tendência que deve seguir ao menos até o fim do primeiro trimestre de 2026.
A avaliação é do estrategista Victor Scalet e do economista-chefe da XP, Caio Megale, em entrevista ao Valor. Eles dizem que, ao menos neste momento, notam uma predileção dos gestores locais pelos juros nominais — com posições aplicadas, ou seja, que ganham com a queda das taxas futuras —, enquanto os estrangeiros têm preferido se posicionar, sobretudo, no mercado de câmbio, com apostas na valorização do real.
“Os fundos locais estão na posição mais comprada em ‘kit Brasil’ desde o nível pré-pandemia”, diz Scalet, ao mencionar o monitor de fundos da XP. E, neste momento, chama atenção o fato de o crescimento das posições ter sido mais bem distribuído entre as classes de ativos. “Já tivemos, no passado, um momento em que houve uma alocação bastante grande em bolsa e os outros ativos ficaram meio parados, por exemplo. No caso atual, está bem espalhado: tem um pouco de prefixado, de câmbio e de bolsa”, nota.
A análise do monitor da XP é feita com base nas cotas diárias dos fundos macro e na dinâmica dos ativos financeiros domésticos a cada dia e compreende boa parte da indústria de multimercados.
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Ainda que as gestoras tenham adotado uma postura mais otimista com os ativos domésticos neste momento e estejam muito posicionadas de forma proporcional ao patrimônio líquido (PL), Scalet observa que o volume alocado pelas casas nas posições compradas em Brasil é bem menor do que já foi no passado. “A indústria de fundos macro encolheu de forma significativa”, enfatiza.
Para ilustrar, o estrategista da XP nota que as posições dos estrangeiros no mercado de juros nominais estão cerca de três a quatro vezes maiores do que a dos investidores locais atualmente. “Quando olhamos em termos de risco que você carrega [dv01], é uma posição muito menor do que foi no passado, porque, evidentemente, o tamanho da indústria hoje é menor”, diz. “Os estrangeiros têm entre três e quatro vezes o tamanho da posição dos locais no mercado de juros nominais. Ainda que os locais estejam bem posicionados, o tamanho possível de risco é menor.”
Com a perda expressiva no patrimônio líquido da indústria de fundos local, Scalet acredita que houve, assim, uma alteração significativa no perfil do investidor responsável pela determinação dos preços nos mercados domésticos. “Estamos voltando um pouco no tempo, em que os locais tentam entender o que os estrangeiros estão pensando”, afirma o estrategista a partir de conversas com investidores brasileiros e com os não residentes. “Os estrangeiros estão mais relevantes, no geral, para determinar os preços de prefixados e do câmbio agora.”
No mercado de juros nominais, que tem sido o cavalo preferido dos investidores locais, as apostas preferenciais estão nos vértices de curto prazo, diante das perspectivas em torno dos rumos da política monetária. Uma precificação que aponta em torno de 2,5 pontos percentuais de redução na Selic “parece bem precificado”, diz Scalet. Como, em geral, o Banco Central costuma entregar mais cortes do que o nível precificado na curva no início do ciclo, os agentes domésticos têm concentrado suas apostas nos juros de curto prazo. “É um posicionamento muito mais tático do que estrutural.”
Para Caio Megale, o nível de cortes de juros embutido nos preços do mercado no momento parece justo, dado que houve uma melhora no ambiente de inflação e que a economia tem mostrado sinais mais claros de desaquecimento. “Não sabemos a velocidade ainda, mas, por enquanto, parece ‘ok’. Está desacelerando. Três, quatro meses atrás, ainda tínhamos dúvidas sobre se a economia iria, de fato, desacelerar, mas, agora, isso está acontecendo, principalmente em itens ligados a crédito. Além disso, o câmbio ‘voltou’ bem e ajudou a trazer a inflação para baixo.”
Dessa forma, o economista observa que esse ambiente sugere que, em algum momento, o Banco Central pode sentir que não mais precisará de uma Selic em 15% e que pode diminuir um pouco o nível dos juros. “Esse é um lado. O outro é o de que tudo isso ainda é insuficiente. A queda das expectativas já começa a dar um sinal de que deu o que tinha que dar, a menos que a economia dê uma tropeçada maior e abra ociosidade. E, agora, começa a entrar o efeito de precatórios, consignado privado e, depois, ainda tem o Imposto de Renda… Vamos entrar em um ‘batidão’ de medidas que tendem a segurar a economia.”
É nesse sentido que Megale vê algum espaço para redução da taxa de juros, mas que não será muito grande. “No nosso cenário, o BC pode começar em janeiro e levar a Selic a 12%, mas, talvez, ele espere mais um pouco e comece em março. Já o final de ciclo vai ser muito difícil dizer. Em meados do próximo ano, saber quem irá ganhar a eleição e qual será a política fiscal passará a ser absolutamente crucial e, ali, o BC vai ter as informações. Se ele conseguirá ou não ir muito além de 13% vai depender do debate em torno de reformas, que vai estar claro mais à frente. Hoje ainda está muito opaco.”
Em relação ao mercado de câmbio, que tem sido a principal aposta dos estrangeiros diante do nível bastante elevado de diferencial de juros — algo que tende a favorecer o real —, a visão de Scalet é de que os investidores seguem positivos de forma geral.
“O Brasil tem operado muito mais em função do cenário externo do que por fatores domésticos. A percepção ainda é de que o mundo é de dólar um pouco mais fraco, apesar dos últimos dias e de que existe espaço para apreciação de moedas emergentes. O Brasil, por causa do ‘carry’ que paga pelo juro alto, tem uma das melhores moedas — se não a melhor — para os investidores participarem dessa percepção de um dólar mais fraco no mundo e por isso tem fluxo muito grande”, diz o estrategista.
Fonte: Valor Econômico

