Os prêmios de risco de debêntures incentivadas tiveram alta relevante nos últimos dias, depois de atingirem em 16 de outubro o menor patamar em dois anos, de 81 pontos-base, em média, abaixo da NTN-B. Para gestores e analistas, o resultado foi influenciado por movimentos de venda desses papéis e pelo fechamento para captação de vários fundos após a medida provisória que tributava as debêntures incentivadas em 2026 caducar no Congresso. Com isso, fundos de infraestrutura podem registrar rendimento abaixo do CDI em outubro e emissões que já estavam prontas para sair podem ser canceladas ou revistas.
Os spreads médios (diferença da taxa para o título público de referência) subiram 49 pontos-base, para 32 abaixo do rendimento do papel federal, no dia 24, segundo levantamento da área de pesquisa do Banco ABC Brasil a pedido do Valor. Desde então, estão estáveis nesse patamar. Emissões que antes remuneravam a IPCA mais 6,50% (equivalente a NTN-B 2035 menos 1%), por exemplo, agora negociam na média a IPCA mais 7% (equivalente a NTN-B 2035 menos 0,50%).
Quando o spread cai, significa, na prática, que o preço do papel subiu, e vice-versa. Agora, com a recente correção, o preço caiu. “Em poucos dias o spread voltou o que o mercado demorou meses para reduzir”, afirma Ricardo Gentile Rocha, sócio e diretor do ABC Brasil Investment Bank, referindo-se ao retorno ao patamar de 33 pontos-base registrado em 15 de setembro.
Gabriel Esteca, sócio da Bocaina Capital, atribui as vendas a investidores institucionais. “Com a queda da MP 1.303 no dia 8 de outubro, a ameaça imediata [de tributação] foi superada e alguns institucionais decidiram realizar lucros a partir do dia 15”, comenta. Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, diz que essas operações foram “como faísca no meio de gasolina derramada”.
O recuo, no entanto, não significa que houve deterioração de crédito, frisa Fayga Czerniakowski Delbem, sócia e superintendente de crédito core da Itaú Asset. Ela ressalta que os ativos de infraestrutura usualmente são os mais resilientes. “A desvalorização de ativos reflete apenas um movimento técnico, com um fluxo um pouco mais vendedor, e acontece imediatamente após importante valorização das debêntures de infraestrutura, observada em setembro.”
Renato Jerusalmi, sócio-fundador e gestor de portfólio da Riza Asset, diz que essa valorização em setembro, a que Delbem se refere, foi um “overshooting”. “Sair de NTN-B menos 40 pontos-base para menos 80 não faz sentido. Os fundos mais inteligentes começaram a vender papéis para ficarem mais leves.” Nehmi faz coro e diz que a queda drástica nas taxas pagas até o meio de outubro “acendeu um sinal vermelho” no mercado, porque em muitos casos não apresentavam mais vantagem em relação aos não incentivados.
Esteca, da Bocaina, calcula que, com a NTN-B em patamar próximo a IPCA mais 8%, uma debênture que tenha essa mesma remuneração traz um benefício fiscal para a pessoa física equivalente a 0,80% ao ano, se considerarmos uma alíquota de 15% sobre a remuneração. “Do nosso lado, vimos como uma oportunidade para compra de debêntures de infraestrutura, alocando nossos portfólios, que estavam leves e com liquidez adequada”, conta Delbem.
Jerusalmi acredita que o spread de equilíbrio para papéis com a mais alta avaliação de crédito, ou seja, triplo A, flutua entre NTN-B menos 20 pontos e mais 20. “Essa correção é saudável, e se corrigir mais 30 ainda será saudável.” Esteca reforça que o ajuste das duas últimas semanas foi bem-vindo porque reduziu a distorção. No entanto, como a demanda por esses ativos se mantém forte, ele acha que as alterações não se sustentam por muito tempo. Mesmo em fundos fechados para captação, há a pressão do cronograma de enquadramento das aplicações. Eles captaram volumes muito grandes ao longo de 2024 e 2025 e precisam atingir 85% da carteira em incentivadas em até dois anos para manterem a isenção fiscal.
Para se ter uma ideia, de janeiro a setembro, a captação líquida de fundos de infraestrutura está positiva em cerca de R$ 90 bilhões, de um patrimônio líquido total de R$ 270 bilhões, conforme dados da área de pesquisa do ABC Brasil. Em outubro, segundo Roberto Dumke, chefe da área de pesquisa do banco, o patamar se manteve acima de R$ 14 bilhões, o mesmo de agosto e setembro. “É um volume contratado grande e que precisa ser alocado”, diz. O “boom” dos fundos de infra começou no fim de 2023, levando os spreads a sair de cerca de 100 pontos-base acima da NTN-B em janeiro de 2024 para 30 pontos abaixo do título federal agora.
Levantamento feito pelo Valor no sistema da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) identificou somente em outubro seis comunicados de fechamento para captação, de Santander, Bradesco, BB Asset, Legacy e ARX, além da própria Sparta, que suspendeu aportes em um de seus fundos e já programou a mesma medida para outro.
Dumke alerta que a queda na cota que virá como consequência da desvalorização dos papéis poderá levar a um volume maior de resgates. De acordo com Nehmi, alguns fundos mais agressivos, mais alocados, com menos caixa e com prazos longos devem apresentar retornos ainda mais negativos. Vale lembrar que fundos de infraestrutura de condomínio fechado, como os listados na B3 e os “cetipados”, não têm resgate.
Já em relação a novas emissões que estavam prontas para ir a mercado, diz Gentile, do ABC Brasil, vão ser reprecificadas e, nesse caso, não se sabe se as empresas vão manter a decisão da operação. “As ofertas devem esfriar, porque quem puder vai esperar.” Jerusalmi também acha que “a tendência é emissões ‘micarem’, os coordenadores encarteirarem ou emissor autorizar mais spread”.
Fonte: Valor Econômico

