Por Gabriel Roca — De São Paulo
23/09/2022 05h02 Atualizado há 3 horas
Mesmo após a tentativa do Comitê de Política Monetária (Copom) de utilizar uma comunicação dura em sua decisão de quarta, a leitura geral do mercado foi a de que pesou mais o fato de o Banco Central não ter entregado a alta residual de juros, interrompendo o ciclo de aperto. Assim, investidores voltaram a aumentar posições aplicadas (que apostam na queda dos juros), antecipando as projeções para o início do ciclo de afrouxamento monetário no país.
O movimento ficou evidente nos prazos mais curtos da curva de juros. No encerramento da sessão regular, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2024 caiu de 13,085% para 12,785%, enquanto a do DI para janeiro de 2025 teve recuo de 11,735% para 11,50%.
O BC manteve a Selic inalterada em 13,75% anuais e interrompeu o ciclo de 12 altas consecutivas de juros, que teve início em março de 2021. Apesar da pausa, o Copom buscou utilizar uma comunicação dura para dissuadir as apostas prematuras de cortes de juros pelo mercado, ao afirmar que “o Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.
“Acho que a leitura do mercado foi no sentido de ‘não faça o que eu digo, faça o que eu faço’. No fim das contas, a decisão foi não subir juro e, por mais que a manutenção fosse esperada, existia no mercado de opções pouco mais de 30% de apostas na alta residual, o que ele não fez. Ele está dizendo que vai ser duro, mas não subiu o juro”, afirmou o sócio e gestor da Galapagos Capital, Fabio Guarda. Ele esperava que, com a comunicação exibida na ata, a parte mais curta da curva pudesse ficar um pouco mais ancorada. “Mas o fato é que o mercado está consumindo os prêmios na ponta curta e antecipando os cortes, o que era o objetivo contrário do BC com a decisão e o comunicado. Isso pode ser corrigido na ata.”
De acordo com um gestor de renda fixa, o BC tentou segurar o mercado “no gogó, só que, efetivamente, o mercado acabou não comprando essa comunicação”.
De acordo com a precificação extraída da curva de juros, os investidores agora esperam cerca de 0,20 ponto de corte de juro na reunião de março de 2023; 0,38 ponto na reunião de maio; e 0,50 ponto em junho. Antes da decisão, as apostas estavam em 0,10 ponto em março, 0,21 ponto em maio e 0,36 ponto em junho. Isso significa, na prática, que o mercado passou a antecipar o primeiro corte de juro entre as reuniões de março e maio, antecipando o início do ciclo de afrouxamento que era visto apenas entre maio e junho.
Outros sinais emitidos pela autoridade na decisão de quarta, na avaliação de participantes do mercado, também contribuíram para o movimento de queda nas taxas. Em comentário gravado após a decisão do Copom, o chefe de macroeconomia da ASA Investments e ex-diretor de política econômica do BC, Fábio Kanczuk, chamou a atenção para as projeções de inflação da instituição.
“Foi uma grande surpresa para a gente, a projeção dele é relativamente baixa. Se tirar o efeito que ele diz que colocou de uma bandeira amarela, e tem a volta de impostos sobre combustíveis, duas hipóteses que fez e a gente acha questionáveis. A projeção de inflação dele é bem baixa, de 3,6% para o ano que vem, e o mercado tem 5%”, avalia. “É um sinal dove’ [inclinado ao afrouxamento]”, disse o economista, completando que, com isso, o BC corre o risco de ver os juros caírem, o que seria inconveniente para a autoridade.
A leitura é semelhante à dos economistas do Credit Suisse, Solange Srour e Rafael Castilho. “No geral, o tom do comunicado foi ‘hawkish’ [inclinado ao aperto], mas não acreditamos que os participantes do mercado deixarão de precificar mais cortes na curva de juros. Isso porque o BC decidiu interromper o ciclo de aperto em meio a um cenário de expectativas de inflação crescentes e suas projeções de inflação não mostram um cenário desafiador.”
De acordo com a chefe de análise de renda fixa da XP Investimentos, Camilla Dolle, não é possível separar o movimento de queda nos juros curtos no mercado local do cenário externo. Em meio ao aperto monetário robusto indicado pelo Federal Reserve (Fed), vêm crescendo os temores de recessão global, o que acaba também provocando reflexos nas taxas curtas. “Não tem como olhar só para o Copom em um dia que também tivemos uma alta de 0,75 ponto nos EUA – que também era esperada – com comunicado ‘hawk’. Quando a gente tem esse maior aumento de juro no curto prazo as preocupações de recessão global se intensificam.”
O gestor de renda fixa citado acima, adicionalmente, aponta que o estágio mais avançado do ciclo de aperto monetário local também contribui para o desempenho positivo que os ativos locais vêm apresentando. “Nos últimos dias, tivemos uma série de BCs correndo atrás das projeções de inflação e aqui o Banco Central já fez seu trabalho.”
Fonte: Valor Econômico

