
Apesar das manifestações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma retaliação brasileira contra os Estados Unidos no caso das tarifas impostas à importação de aço só deve acontecer depois que todos os recursos de negociação com os americanos estejam esgotados. O Brasil tampouco trabalha com um prazo para que as conversas com os EUA surtam efeito. O Palácio do Planalto e a diplomacia brasileira estão concentrados neste momento nas negociações.
Ao se debruçarem sobre o tema com integrantes do setor privado brasileiro, interlocutores do governo concluíram haver claros indícios de que a taxação imposta pela gestão de Donald Trump não são de interesse dos Estados Unidos, por afetar duramente a cadeia produtiva daquele país.
A lógica nos diálogos com Washington, afirmam as fontes, será justamente demonstrar que incluir o Brasil nessas tarifas não faz sentido do ponto de vista americano, pela maneira como se estrutura a cadeia produtiva do aço.
As retaliações, se acontecerem, também serão pensadas em conjunto com o empresariado brasileiro, para que não sejam prejudiciais a nenhum setor por aqui. Nas palavras de uma fonte em Brasília, “o tiro não pode sair pela culatra”.
O Brasil desempenha um papel significativo na cadeia produtiva do aço dos Estados Unidos, sendo um dos principais fornecedores de aço para o mercado americano. A imposição dessas tarifas pode prejudicar a competitividade de setores industriais dos EUA que dependem do aço brasileiro, resultando em aumento de custos e possíveis impactos negativos na economia americana.
O principal interlocutor do governo com os americanos tem sido o vice-presidente Geraldo Alckmin, que vem mantendo conversas com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick.
O Brasil pretende levar o tema à Organização Mundial do Comércio (OMC), embora tenha a convicção de que a enfraquecida entidade não resolverá o problema. Esse movimento tem um caráter simbólico: reforçar o apoio brasileiro ao sistema multilateral e legitimar, a partir desse sistema, eventuais medidas de “reciprocidade” – termo que Brasília prefere usar a “retaliação”.
Ontem, Lula usou a rede social X para comentar pela primeira vez a decisão de Trump de aplicar uma tarifa de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio.
O presidente não citou diretamente os americanos, mas o recado foi claro.
“Reciprocidade e diálogo são princípios que devem nortear a relação entre países. O Brasil é, e vai continuar sendo, dos brasileiros”, afirmou. Na véspera, em um discurso em Minas Gerais, Lula disse que Trump deveria “falar manso” com ele.
Apesar da disposição para negociar, alguns interlocutores do governo veem com simpatia o projeto de lei da senadora Tereza Cristina (PP-MS) que pretende implementar um sistema de medidas de “reciprocidade” para resguardar produtos brasileiros de medidas protecionistas de outros países.
O projeto tem o propósito original de proteger produtos do agro, mirando sobretudo a União Europeia. Mas pode ter o escopo ampliado com a nova postura do governo americano sob Trump em relação a tarifas de importação sobre produtos que possam afetar o Brasil.
Em outra frente importante para o comércio, a diplomacia brasileira espera que os trâmites para a conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia fiquem travados neste primeiro semestre. Esse cenário é o mais provável com a Argentina de Javier Milei no comando do bloco sul-americano e a Polônia do premiê Donald Tusk exercendo a presidência rotativa do Conselho Europeu. O governo polonês tem se mostrado contrário ao acordo, enquanto Milei é refratário ao próprio Mercosul.
O tratado ainda precisa ser ratificado pelo Conselho Europeu, sendo necessário o aval de ao menos 15 países que representem 65% da população do bloco. Além de Polônia, nações como França e Itália têm demonstrado resistência. Após essa etapa, o acordo teria que ser aprovado pelo Parlamento Europeu, por maioria simples, tarefa tida como menos complexa.
Do lado do Mercosul, o acordo precisa ser aprovado pelos parlamentos dos países do bloco (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).
A expectativa em Brasília é que nada ande até julho, segundo uma fonte do governo brasileiro, com argentinos e poloneses à frente das duas entidades. O quadro muda, no entanto, para o segundo semestre, quando o Brasil assume a presidência rotativa do Mercosul e a Dinamarca passa a comandar o Conselho Europeu.
A ideia no Palácio do Planalto é que, caso aprovado nas instâncias europeias, haja uma cerimônia de celebração do acordo Mercosul-União Europeia no fim do ano no Brasil. O ideal é que isso seja feito na cúpula do bloco sul-americano, prevista para acontecer em dezembro. Mas poderia ocorrer também durante a COP30, marcada para novembro em Belém.
Movimento de levar a disputa do aço para a OMC tem caráter simbólico
O Mercosul e a União Europeia concluíram, em 6 de dezembro de 2024, um acordo de livre-comércio após mais de duas décadas de negociação. O acordo visa criar uma das maiores zonas de livre-comércio do mundo, abrangendo cerca de 780 milhões de pessoas e quase um quarto do PIB global.
Já a visita do presidente Lula ao Japão e ao Vietnã, entre 24 e 29 de março, tem um forte caráter simbólico. Para interlocutores do governo, o Brasil pretende demonstrar à China e à comunidade internacional que não há relação de dependência nem alinhamento automático com o gigante asiático, apesar do fortalecimento dos laços bilaterais desde a saída de Jair Bolsonaro e a chegada do governo petista ao poder.
Somados, Japão e Vietnã mantêm um comércio bilateral com o Brasil da ordem de US$ 20 bilhões anuais. Além disso, o Japão abriga uma grande comunidade brasileira, que ultrapassa 200 mil pessoas. A viagem de Lula a Tóquio incluirá um grande evento empresarial.
Em relação ao Vietnã, o Brasil busca estreitar laços com os países da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático), como Indonésia e Malásia, fortalecendo sua presença na região.
Ao mesmo tempo, Lula avalia participar do Fórum China-Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), que deve ocorrer em Pequim. Caso confirme presença, ele deverá se reunir com o líder chinês, Xi Jinping, em uma agenda bilateral.
Sinalizar que o Brasil não faz parte de um eixo antiocidental é uma das preocupações do governo Lula no ano em que o país sediará a cúpula do Brics, em julho. No âmbito do grupo, que reúne grandes nações emergentes, o Brasil quer reforçar que sua atuação não representa uma aliança contra os Estados Unidos e a Europa.
Embora o Brics tenha em seu DNA a reforma das relações internacionais, o Brasil busca direcionar os trabalhos do grupo neste ano para temas ligados à COP30, que será realizada em novembro, em Belém. O objetivo é levar à conferência uma posição conjunta do Brics sobre financiamento climático e, ao mesmo tempo, convencer o maior número possível de países do grupo a apresentarem suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na sigla em inglês) para a redução de emissões de gases poluentes.
O conflito entre Rússia e Ucrânia não está no topo da agenda do governo brasileiro para o Brics, mas fontes em Brasília observam uma mudança de postura da Europa em relação à posição do Brasil sobre o tema, especialmente após a posse de Donald Trump nos EUA.
Antes da troca de poder na Casa Branca, Lula e o Brasil foram criticados por defenderem que qualquer solução para a guerra exigiria negociações entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky. Naquele momento, Europa e EUA se recusavam a dialogar com Moscou.
Agora, com Trump negociando diretamente com Putin, diplomatas europeus têm manifestado preocupação com a possibilidade de um acordo que exclua a Ucrânia. Nesse contexto, a interlocução de Lula com Putin passou a ser vista como um ativo pelo Planalto.
Além disso, interlocutores do governo brasileiro perceberam uma “mudança de ênfase” da Rússia em relação ao Brics. A última cúpula, realizada em Kazan (Rússia), no ano passado, foi uma oportunidade para Putin demonstrar que não estava isolado do mundo, como pretendiam os EUA e seus aliados europeus. Entretanto, diante das críticas de Trump ao Brics – que o americano classificou como “uma ameaça aos interesses dos EUA” -, há o temor de que Moscou possa reavaliar sua postura no bloco.
As negociações diretas entre Trump e Putin, assim como o crescente poderio chinês, têm levado acadêmicos e diplomatas a especular que essas três nações podem estar caminhando para uma divisão de esferas de influência no cenário global.
Para o Brasil, porém, não há interesse em se alinhar a nenhuma dessas potências. O país mantém a aposta no multilateralismo, mesmo diante do enfraquecimento recente desse sistema com a ascensão de Trump e o aprofundamento das tensões geopolíticas globais.
Fonte: Valor Econômico

