Por David McHugh e Vladimir Isachenkov
Em Associated Press — Moscou
12/03/2024 20h51 Atualizado há 14 horas
Os preços de alguns produtos importados pela Rússia, como frutas, café e azeite de oliva, dispararam. As marcas globais desapareceram — ou reencarnaram em equivalentes russas sob uma nova propriedade amigável ao Kremlin. Um número muito maior de carros chineses circula pelas ruas. Determinados artigos de luxo, como cosmético, estão mais escassos.
Fora isso, pouca coisa mudou em termos econômicos para a maioria da população da Rússia do presidente Vladimir Putin, mais de dois anos após ele ter enviado tropas para a Ucrânia. Isso, apesar das sanções abrangentes que interromperam grande parte do comércio da Rússia com a Europa, os Estados Unidos e seus aliados.
Essa sensação de estabilidade é um trunfo fundamental para Putin enquanto ele orquestra sua vitória nas eleições presidenciais — que começam nesta quinta-feira (14) e terminam no domingo (17) — para um quinto mandato de seis anos.
A inflação está mais alta do que a maioria gostaria, de mais de 7% — acima da meta do banco central, de 4%. Mas o desemprego está baixo e a economia deverá crescer 2,6% este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o dobro da previsão anterior. Isso é bem mais que o crescimento de 0,9% previsto para a Europa.
“Há dificuldades, é claro — e elas estão relacionadas com a situação geral no mundo”, diz Andrei Fedotov, 55, que caminha pela rua comercial Tverskaya, a poucas quadras do Kremlin. “Sabemos disso muito bem, mas acredito que vamos superá-las.”
Os preços mais altos “me incomodam, é claro — como qualquer consumidor, eu os vejo subindo”, diz Fedotov, que trabalha na área de educação. “Isso está ligado aos tempos que vivemos e que irão passar.”
A gerente de produtos Irina Novikova, 39, está otimista, apesar dos preços mais altos nas lojas: “Mais produtos nacionais apareceram, mais produtos agrícolas. Sim, todos nós vemos que alguns produtos desapareceram”. “Os preços subiram – se eu costumava comprar três itens por um certo preço, agora eu compro um”, diz ela.
Os enormes gastos dos russos com equipamentos militares e os elevados soldos dos soldados voluntários estão dando um forte impulso à economia. Financiamentos imobiliários subsidiados pelo governo estão estimulando as vendas de moradias, proporcionando impulso ao setor da construção, conforme evidenciado por vários empreendimentos gigantescos de arranha-céus nas margens do rio Moscou.
A inflação irrita, mas também não é novidade. A Rússia tornou-se autossuficiente na produção de alimentos depois de 2014, quando tomou da Ucrânia a Península da Crimeia e as sanções ocidentais resultantes levaram o governo a proibir um grande número de importações de alimentos da Europa.
Os gastos do governo planejados para este ano são cerca de duas vezes maiores que os de 2018. Mesmo assim, o déficit continua administrável, graças ao dinheiro dos impostos e das receitas com as vendas de petróleo. As exportações marítimas de petróleo da Rússia atingiram o nível mais alto do ano até agora, de 590 mil barris por dia na semana até 10 de março.
As chamadas importações paralelas, via países como Geórgia, Cazaquistão e Uzbequistão, permitem aos russos endinheirados continuar comprando produtos ocidentais — de tênis a celulares e automóveis — de empresas que não fazem mais negócios com a Rússia, mas por preços bem mais altos.
Um SUV da BMW ainda está disponível, embora pelo dobro do preço da Alemanha. A Ikea fechou suas 17 lojas russas, mas seus móveis e utensílios domésticos podem ser comprados pela internet — mais caros, é claro.
A Apple foi embora, mas um iPhone 15 Pro Max com 512 gigabytes é vendido pelo equivalente em rublos a US$ 1.950 no site da rede varejista Wildberries, mais ou menos o preço de venda do aparelho na Alemanha.
Não que não haja tensões na economia. As empresas enfrentam falta de mão de obra, depois que centenas de milhares de homens deixaram o país após o início dos combates na Ucrânia, para evitar a convocação, e centenas de milhares assinaram contratos militares.
Enquanto isso, as exportações de petróleo da Rússia mudaram da Europa para a China e a Índia, em razão dos boicotes pelos aliados da Ucrânia. Para evitar sanções e um teto ao preço do petróleo, a Rússia teve que desembolsar bilhões de dólares para comprar uma frota paralela de navios petroleiros envelhecidos que não recorrem a companhias seguradoras ocidentais, que precisam honrar o teto dos preços. A Rússia também perdeu seu lucrativo mercado de gás natural na Europa, após cortar a maior parte de seu fornecimento.
A indústria automobilística foi dizimada depois que controladoras estrangeiras como Renault, Volkswagen (VW) e Mercedes foram embora. A China substituiu a União Europeia (UE) como principal parceiro comercial da Rússia e os veículos chineses rapidamente dominaram metade do mercado russo no ano passado, segundo a Ward’s Intelligence.
Muitas companhias estrangeiras também foram embora ou venderam seus negócios para parceiros locais a preço de banana. Outras, como a cervejaria dinamarquesa Carlsberg e a companhia de alimentos francesa Danone, tiveram seus negócios russos confiscados pelo governo. “A economia desempenha um papel muito importante em todas as eleições de Putin”, diz Janis Kluge, especialista em economia russa do German Institute for International and Security Affairs. “Para a maioria dos russos, que optou por ignorar a guerra, a economia é realmente o maior problema.”
A estabilidade econômica “é um sinal de que Putin pode mostrar a outras elites que ele ainda é capaz de mobilizar as massas. E para isso, os números precisam ser autênticos, e não manipulados”, diz Kluge. “Portanto, ainda é importante haver esse apoio genuíno, muito embora não haja nenhuma chance de os eleitores mudarem quem está na Presidência.”
O PIB, a produção total de bens e serviços da economia, continua sendo “um número abstrato” para as pessoas comuns, e a taxa de câmbio do rublo não é tanto o símbolo de antes porque a maioria não pode viajar e há menos produtos importados para comprar, continua Kluge. “O que importa é a inflação”, diz ele. “E esta é uma questão para a qual o regime realmente fez alguma preparação.”
O BC vem lutando contra os picos nos preços e para isso já aumentou as taxas de juros para 16%. O governo vem apoiando a moeda russa, exigindo que os exportadores convertam para rublos os ganhos obtidos com as vendas de produtos como o petróleo, e mantendo baixos os preços das importações restantes.
E uma proibição de seis meses das exportações de gasolina desde 1 de março ajudará a manter baixos os preços dos combustíveis na Rússia. O governo também ofereceo financiamentos imobiliários a taxas de juros altamente subsidiadas — uma medida que aumenta a percepção das pessoas de prosperidade pessoal, mas que em algum momento acabará por atingir o governo com uma grande conta.
Kluge diz que o fator fundamental foi a capacidade da Rússia de continuar exportando petróleo e gás natural para novos clientes na Ásia. Enquanto o preço do petróleo se mantiver, a Rússia poderá manter “indefinidamente” o seu elevado nível de gastos com os militares e programas sociais, diz ele.
A Rússia obteve cerca de US$ 15,6 bilhões com a exportação de petróleo em janeiro, segundo a Kyiv School of Economics. Isso representa US$ 500 milhões por dia.
No longo prazo, as perspectivas para a economia são mais incertas. Uma falta de investimentos externos limitará a produtividade e as novas tecnologias. A generosidade do governo poderá um dia exceder a capacidade do BC de administrar a inflação. Até que ponto as políticas generosas continuarão depois das eleições vai depender de Putin.
Hoje, o principal risco para a estabilidade é uma grande queda no preço do petróleo. No momento, o tipo russo dos Urais é negociado a US$ 70 o barril. Por causa das sanções e boicotes, isso representa um desconto em relação ao preço da referência internacional Brent, de cerca de US$ 83 o barril.
Por enquanto, as finanças estatais estão mais sólidas do que muitos esperavam. Para manter assim, o governo russo estuda um grande aumento de impostos para arrecadar até 4 trilhões de rublos (US$ 44 bilhões), uma vez que a guerra na Ucrânia mantém pressão crescente sobre os cofres do governo.
Moscou considerada aumentos de impostos sobre os lucros das empresas e sobre os indivíduos cmo alta renda, disseram duas pessoas envolvidas nas discussões, que pediram anonimato porque o assunto não é público. O governo pode aumentar o imposto de renda pessoa física de 15% para 20%, para aqueles que ganham mais de 5 milhões de rublos, e a tributação das empresas de 20% para 25%, de acordo com o site de notícias “Important Stories” e confirmado por duas pessoas envolvidas nas discussões. (Com Bloomberg)
Fonte: Valor Econômico

