28/09/2022 05h01 Atualizado há 6 horas
As elevações síncronas e rápidas das taxas de juros nas principais economias desenvolvidas estão derrubando os preços dos títulos de renda fixa e ações por toda a parte, aumentando a instabilidade dos mercados financeiros e criando alvoroço onde não havia, ou era restrito aos países emergentes – no mercado de moedas. Em um ambiente de grande incerteza, erros de política econômica em um país tem o poder de se espalhar rapidamente pelos mercados globais. As desventuras da libra esterlina são um capítulo de uma história sem fim a vista.
O partido conservador inglês, após Boris Johnson ter sido expelido do poder, voltou no túnel do tempo, resgatou Margaret Thatcher e lançou um programa de corte de impostos e desregulamentação de 45 bilhões de libras, alocando mais 65 bilhões de libras, em seis meses, para impedir que a enorme alta dos preços de energia se abata sobre os orçamentos familiares e das empresas. Tudo somado, calcula-se que o governo se endividará em 190 bilhões de libras em um momento em que as taxas de juros estão subindo e a inflação chegou a 9,9% em agosto. Objetivo: estimular a economia e obter crescimento de 2,5% ao ano.
O ministro Kwasi Kwarteng abriu as portas do inferno para a economia britânica, que já não ia bem. A libra teve na segunda-feira desvalorização recorde desde 1985 e os títulos soberanos da dívida foram abandonados pelos investidores, com o papel de 10 anos subindo para 4,5%, a maior taxa em 14 anos, e o de 5 anos encostando em 5%, maior rendimento desde 2002. Desde 2014, a libra perdeu um quarto de seu valor ante o euro e 50% ante o dólar. No ano até agora, está entre as moedas mais desvalorizadas entre as economias relevantes, um pouco atrás apenas da lira turca, do peso argentino, o campeão.
A crise britânica, como foi apontado, tem traços semelhante a de países emergentes, com sua moeda sob intensa desvalorização e um déficit em conta corrente gigantesco, de 8% do PIB no segundo trimestre do ano. Essa marca só foi ultrapassada três vezes na história do país, todas durante a II Guerra Mundial. A receita errada na hora errada colocou o Banco da Inglaterra (BC) em delicada situação.
Para impedir a desvalorização da libra, os juros têm de subir mais do que já vinham subindo para combater pressões inflacionárias fortes. O banco, em meio ao turbilhão dos mercados, afirmou que poderia elevar os juros se necessário, mas declinou de reunião de emergência e só prometeu avaliação ampla da situação em seu próximo encontro, em novembro. O ministro Kwarteng disse que apresentará seu plano fiscal de longo prazo também em novembro, deixando por um tempo demasiado a economia britânica ao sabor da instabilidade.
Quanto maior a instabilidade, venha de onde vier, mais o dólar é procurado como porto seguro dos investidores. Moedas emergentes deixaram de ser as únicas punidas pela valorização da moeda americana, dividindo essa honra com os países desenvolvidos. No ano, a libra perdeu 21%, o yen, 20%, o euro, 16% e o dólar canadense, 10%. O real e o rublo russo são as divisas com a melhor performance até agora.
O dilema do Banco Central inglês é também o de outros países que enfrentam desvalorizações intensas. Subir mais os juros quando as economias estão perdendo velocidade é tornar uma recessão incerta uma certeza. O agravante inglês é que o governo está expandindo a dívida pública em um momento em que ela está se tornando muito cara e, pelo efeito sobre a libra, obrigando BC a agir para torná-la ainda mais cara. Mas o pesadelo da libra está elevando as taxas dos títulos soberanos europeus e aumentando o spread entre o das economias mais fortes, como Alemanha (2,25% do Bund 10 anos) e mais fracas (como Itália, que subiu para 4,7%), sinal certo de mais dificuldades para o euro à frente.
A força do dólar, no entanto, não é a dos ativos financeiros americanos. Os títulos do Tesouro perderam 12,5% de seu valor (quando o preço cai, o juro sobe), a maior queda desde 1974, segundo a Oxford Economics. O índice S&P já caiu 23,3% no ano, o maior tombo desde a crise financeira de 2008. O ajuste deve prosseguir enquanto o aperto monetário do Fed não estiver definido em sua amplitude total.
A inquietação no mercado de moedas é fator adicional de turbulências na desaceleração global, ao reduzir a capacidade da política monetária em conter a inflação, ou obrigá-la a ser mais radical, com maiores estragos na economia.
Fonte: Valor Econômico

