Por Adriana Cotias — De São Paulo
15/05/2023 05h02 Atualizado há 5 horas
A flexibilidade trazida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para que os gestores de recursos brasileiros possam investir livremente em ativos no exterior veio com algumas condicionantes que a Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos, busca vencer. A entidade trabalha no mapeamento do que há de fato nas carteiras dos fundos lá fora, a fim de tirar qualquer barreira e assim permitir uma maior diversificação, conforme abertura dada na nova regulação do setor, a instrução 175, que entra em vigor em outubro.
A iniciativa da autorregulação pretende dar luz e impulsionar o universo de fundos que podem investir no exterior. Até fevereiro, esse bloco reunia um patrimônio de R$ 946,9 bilhões, distribuídos em 1,9 mil veículos. A parcela efetivamente alocada fora era de R$ 373,9 bilhões, considerando-se veículos dedicados, que respondiam por 10% do bolo, e os demais portfólios, entre multimercados, ações e renda fixa, com fatia majoritária e que lançam mão de ativos internacionais para formular suas estratégias de alocação.
Segundo Pedro Rudge, vice-presidente da entidade, um fundo de investimento de varejo poderá chegar, hipoteticamente, a uma exposição de 100% no exterior, desde que respeitadas determinadas condições, por exemplo que a aplicação seja por meio de carteiras listadas em Luxemburgo, abarcadas pela regra europeia de Undertaking Collective Investment in Transferable Securities (Uscit). Considerada uma das mais seguras, a legislação impões graus de diversificação e um controle rigoroso na composição dos portfólios. “Já é um avanço para o que tinha antes, mas algumas requisições fazem com que seja um projeto mais engessado”, afirma Rudge.
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Pela redação da 175, os regulamentos têm que prever, por exemplo, cláusulas com resgate semanal, metodologia de cálculo de avaliação dos ativos, limites de alavancagem, gerenciamento de risco e reportes periódicos.
Sob as regras gerais da instrução 555, que vai sair de cena, os fundos de varejo podem ter uma exposição de apenas 20% a aplicações fora do Brasil, enquanto os portfólios destinados ao investidor qualificado, com patrimônio financeiro a partir de R$ 1 milhão, essa parcela pode chegar a 40%. Já nas carteiras globais, em que o regulamento determine uma alocação de pelo menos 67%, o gestor pode aplicar a totalidade dos recursos no exterior.
O que a regulação quer para tirar qualquer limitação, explica Rudge, é ter a mesma transparência que consegue no Brasil para saber quais ativos o fundo está comprando, e assim fazer um monitoramento e a análise dos riscos, ter um olhar sobre a concentração e alavancagem, por exemplo.
“A CVM sinalizou que estaria disposta a retirar qualquer limitação desde que a informação chegasse para ela de maneira que conseguisse entender onde a indústria está investindo no exterior. Nos parece plausível.” Na norma, ele cita que a autarquia fez menção ao relatório da audiência pública que precedeu a edição da instrução 175, de que tão logo a autorregulação tivesse um sistema pronto para dar uma maior abertura, a regulação poderia ser atualizada.
A Anbima está fazendo esse “dever de casa”, destaca Rudge. Um fundo brasileiro que invista num veículo offshore da própria asset, por exemplo, vai precisar abrir ativo por ativo do que está comprando no exterior. A entidade vai consolidar essas informações e compartilhá-las com a CVM. “O tipo de fundo que o veículo local pode comprar tem vários requisitos mínimos para chegar a 100%, isso faz com que o produto seja mais restritivo ou que o gestor tenha menos incentivo para criar um veículo com esse perfil.”
À medida que a regulação avançar, o representante da Anbima, também sócio da Leblon Equities, acha que o brasileiro terá acesso a uma oferta maior de estratégias internacionais.
“Aqui, o grande argumento que a gente sempre utilizou e que nos chama atenção é que a pessoa física, o investidor de varejo, pode abrir conta numa corretora internacional e ter 100% do seu patrimônio lá fora sem nenhum problema – que bom, ficou fácil, não precisa ser superrico para abrir conta em corretora lá fora. Mas quando se pensa na estrutura de fundo, que tem todos os entes regulados, com gestor, administrador, custodiante, auditoria, autorregulação e o produto é limitado a 20% [nos fundos de varejo], não parece fazer sentido essa assimetria de tratamento”, diz Rudge.
Para ir além desse limite, os gestores locais costumavam constituir fundos no exterior para completar a parcela de risco potencial fora do Brasil. Mas é caro ter uma segunda estrutura, principalmente se ela estiver condicionada às regras de Uscit.
Tal transparência será exigida para veículos em que o gestor local tenha alguma ingerência. Se o fundo brasileiro compra cotas de outros dez fundos de assets independentes lá fora, não há como ter acesso à carteira deles, ressalva Rudge.
A Anbima está na fase de desenvolvimento do sistema e de estabelecer uma padronização para a coleta das informações. A previsão é que até o fim do ano essa tecnologia esteja pronta para ser validada pela CVM.
O patrimônio de carteiras “offshore”, constituídas fora do país, somava R$ 39,5 bilhões até abril, de um total de R$ 7,5 trilhões da indústria, segundo a Anbima. Numa amostra com 27 instituições financeiras, a parcela alocada pelo setor em investimentos no exterior era de R$ 57,5 bilhões.
Para Ian Caó, sócio e CIO da Gama Investimentos, gestora especializada na estruturação e gestão de veículos locais (“feeder funds”) para assets estrangeiras – que no Brasil representa nomes como Oaktree, Bridgewater e Man Group -, é natural e recomendável que o regulador avance aos poucos no campo da internacionalização. “Algumas pessoas fazem críticas olhando só para a foto, mas o importante é olhar para a evolução, a CVM sempre foi cuidadosa na abertura dos mandatos porque houve um histórico de malfeitos nesse ambiente”, diz.
Com trânsito em diversas jurisdições, ele cita que a legislação brasileira de fundos e a autorregulação estão entre as melhores do mundo, sendo comparáveis justamente às regras europeias de Uscit. “Temos acompanhado a evolução do mercado brasileiro, da democratização do acesso a produtos diferentes, o maior alcance da educação financeira. É uma chancela quando há uma aproximação prudente do portfólio potencial do investidor menor com o do maior”, diz Caó. “Os gestores conhecem o benefício da diversificação, com essa camada de educação financeira e infraestrutura de acesso, cada vez mais o investidor de R$ 10 mil da plataforma vai ter portfólio parecido com o cara de R$ 50 milhões.”
Mesmo depois de um 2022 desastroso para o brasileiro que testou as águas externas – com queda na renda fixa e variável global, em meio ao ciclo de aperto monetário -, essa porta não se fecha mais, avalia William Castro, sócio e estrategista-chefe da corretora americana Avenue. “A Avenue fez a aposta de que uma vez aberta essa avenida de acesso, não tem caminho de volta”, afirma. “A gente acredita na ampliação da fronteira de investimento e da vida financeira.”
O racional por trás disso é que se o brasileiro já consome produtos e serviços fora do Brasil, por que deveria limitar as suas reservas financeiras ao risco país e às ofertas de investimentos locais? A demanda atual tem sido para a renda fixa global.
Com cerca de US$ 2,5 bilhões sob custódia, a Avenue fechou no ano passado a venda de 35% do negócio, já com uma previsão de transferir o controle para o Itaú Unibanco em dois anos. O Bradesco inaugurou a plataforma de investimentos internacional após a aquisição do BAC Flórida e outros competidores, como XP, BTG e Inter estão montando esse lego. Vale saber por quanto tempo a Selic em 13,75% vai minar o interesse do brasileiro pela diversificação.
Fonte: Valor Econômico

