Por Michael Kimmage e Hanna Notte, Valor — Para a Dow Jones Newswires
05/03/2023 22h59 Atualizado há 10 horas
Passado um ano da invasão da Ucrânia pela Rússia, os motores da diplomacia começam a ser aquecidos. A China, orgulhosamente, apresentou um plano para acabar com a guerra, que acaba ser apoiado pela Hungria. Ao longo do conflito, a Turquia apresentou-se como um mediador, um integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar ocidental) com linha direta a Moscou, somando-se a uma longa lista de Estados — Brasil, Indonésia, Israel, África do Sul e vários países árabes — que se ofereceram para intermediar. Recentemente, França, Alemanha e Reino Unido aventaram a ideia de dar uma garantia de segurança à Ucrânia. A esperança é que Kiev, tendo maior acesso a armamentos da Otan, possa querer tentar chegar a um acordo com a Rússia.
De forma reiterada, o governo Biden tem prometido apoio à Ucrânia “pelo tempo que for necessário”. No entanto, Washington não está livre de limitações. Há limites para o dinheiro e material que os EUA podem enviar à Ucrânia. Alguns republicanos não têm disposição para um conflito contra a Rússia, e nem republicanos nem democratas gostariam de ser responsáveis por mais uma “guerra eterna”. Com uma nova campanha eleitoral tomando forma no horizonte, é cada vez maior a pressão para que o governo Biden encontre um fim para o conflito. A menos que aconteça uma derrota determinante da Rússia ou da Ucrânia, a guerra terá que terminar com a negociação de um acordo.
Mas nesta terrível guerra um acordo precipitado, que acabe em fracasso, seria pior do que a falta de um acordo. Para ser duradoura, qualquer deliberação sobre a Ucrânia precisaria cumprir três condições. Dependeria da aceitação, pela Rússia, da Ucrânia como um interlocutor diplomático no campo de jogo europeu, em vez de apenas uma ficha de apostas. Dependeria de a Rússia e a Ucrânia chegarem a um acordo sobre a configuração territorial ucraniana, incluindo a Crimeia e outras regiões ucranianas ocupadas ilegalmente pela Rússia. E dependeria, acima de tudo, de algum acordo geral entre a Rússia e o Ocidente sobre o lugar da Rússia na Europa, especialmente em relação aos Estados independentes em suas fronteiras. Nenhuma dessas condições está perto de ser atendida.
Os planos de Vladimir Putin para a Ucrânia tornaram-se dolorosamente visíveis há nove anos. Uma revolução derrubou Viktor Yanukovych, presidente pró-Rússia da Ucrânia, em 2014, e Putin reagiu com a anexação da Crimeia e o envio de unidades militares para dentro da região leste da Ucrânia. Não foi uma operação de ordem apenas local para Moscou. Foi projetada para enfraquecer toda a Ucrânia e também teve o objetivo de repelir a influência dos EUA no Leste Europeu.
A Rússia estava traçando um novo perímetro de alerta de perigo e violência entre ela e os EUA. Putin queria uma Europa remodelada, na qual os vizinhos da Rússia, como Belarus e Cazaquistão, pensassem duas vezes antes de se aproximarem do Ocidente e na qual a Otan reconhecesse a esfera de influência russa e se abstivesse de englobar vizinhos russos, como a Geórgia e a Ucrânia. Ele também queria retardar ou reverter a instalação de recursos militares próximos às fronteiras da Rússia, como sistemas de defesa contra mísseis balísticos.
Com essa estratégia mais ampla em mente, a Rússia não tratou a Ucrânia como um interlocutor legítimo nas várias rodadas diplomáticas em 2014 e 2015. Em vez disso, considerou a situação no leste da Ucrânia como uma guerra civil (o que não era) e ficou incitando Kiev a negociar diretamente com os “separatistas” no leste. O objetivo da Rússia era minimizar o poder da Ucrânia como agente, para estigmatizar a Ucrânia como um apêndice problemático da Rússia e das principais potências europeias, como se apenas estrangeiros pudessem resolver a “questão ucraniana”. Para a Rússia, os EUA eram o ator externo mais importante. Embora o então presidente americano Donald Trump parecesse estar aberto a um acordo EUA-Rússia sobre a Ucrânia, isso nunca aconteceu. Putin não conseguiu colocar essa nova Europa ansiada por ele na mesa de negociações, mas não desistiu de suas ambições originais.
O radicalismo de Putin foi crescendo com o tempo. No verão europeu de 2021, ele escreveu uma série de ensaios sobre a “unidade” histórica entre a Ucrânia e a Rússia. Depois, no fim de 2021, deu uma série de ultimatos. Eles poderiam parecer absurdos para seus interlocutores no Ocidente — reverter a participação de países na Otan ao que era em 1998, retirar recursos militares do Leste da Europa, uma proibição formal à entrada da Ucrânia na Otan —, mas eles eram coerentes com seus objetivos na guerra de 2014. Ele estava tentando acelerar a chegada de sua nova Europa.
Não importa quais tenham sido os contratempos da Rússia no campo de batalha desde o início da guerra, Putin ainda está determinado a alcançar seus dois objetivos principais. O primeiro é uma Ucrânia que seja deferente diante da Rússia ou que esteja destruída, e o segundo é uma diminuição da influência dos EUA no Leste da Europa. O fato de Moscou estar vendo o oposto do que queria — a consolidação do Estado ucraniano e o fortalecimento da Otan — não parece ter dissuadido Putin. Na verdade, a guerra pode tê-lo convencido de que estava certo em suas decisões: a ameaça ocidental à porta da Rússia significa que Moscou precisa lutar até o amargo fim.
Enquanto Putin se recusar a rever seus objetivos estratégicos, a guerra não estará no ponto certo para que se comecem a fazer planos sérios de paz. Isso não significa que não ocorrerão negociações e conversas de bastidores ao longo do caminho. Em 2022, a Turquia intermediou um acordo com a Rússia, ajudando no transporte de grãos da Ucrânia. Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos ajudaram na troca de prisioneiros. Esforços como esses são importantes na gestão de conflitos, mas não indicam prontidão para um acordo duradouro. A China tem influência considerável sobre a Rússia e apresentou um plano de paz que é mais uma afirmação dos objetivos de guerra russos do que uma busca factível da paz. Ainda assim, a resposta de Moscou foi apenas morna.
Um acordo entre Kiev e Moscou sobre as fronteiras da Ucrânia é uma condição necessária para encerrar o conflito, mas não é suficiente. Tal acordo seria apenas tangencial. O cerne do conflito, que surge da ambição de Putin de refazer a Europa, permaneceria.
Os fracassos militares da Rússia — e o vigor com que o Ocidente apoiou a Ucrânia — provavelmente aprofundaram a determinação de Putin de prolongar as hostilidades. EUA, Ucrânia e qualquer candidato a mediador não devem imaginar que ele está buscando uma forma de desistir da guerra. Provavelmente, ele vem procurando maneiras de escalar ainda mais o conflito.
A Rússia pode acabar chegando a algum impasse, em função dos próprios gastos de recursos na Ucrânia, dos limites de sua capacidade de travar a guerra ou talvez, em algum momento, até de alguma revolta política interna. Tais fatores podem trazer um período de calmaria nos combates. Mas, quer isso venha a ser chamado de cessar-fogo ou de armistício, estaria muito longe de ser uma paz genuína.
Uma mediação malfeita só desviará a atenção das tarefas mais urgentes da guerra: impedir novas apropriações de terras pelos russos e apoiar os esforços da Ucrânia para repelir a Rússia. Com o inverno na Europa se transformando em primavera, passado um ano da primeira grande guerra no continente desde a Segunda Guerra Mundial, a construção da paz não é uma perspectiva real. É essencial que a Ucrânia e o Ocidente tenham paciência para não se envolverem em uma diplomacia prematura.
Fonte: Valor Econômico

