Esta semana testemunhou um raro e extraordinário evento: parlamentares republicanos se posicionaram contra Donald Trump no comércio exterior. Cinco de seus senadores votaram com os democratas para opor-se às tarifas de 50% de Trump sobre as importações provenientes do Brasil e quatro, para reverter as impostas ao Canadá, ambas entre os atos mais ridículos de protecionismo do presidente dos Estados Unidos dentro de um campo já repleto deles.
As votações terão efeito nulo. A iniciativa não passará na Câmara dos Deputados, cujo acovardado presidente da casa, o republicano Mike Johnson, habitualmente cede aos desejos de Trump. Seja como for, seriam necessárias maiorias de dois terços para derrubar um veto presidencial.
A Suprema Corte ouvirá na próxima semana o recurso de Trump contra decisões de tribunais de instâncias inferiores de que o uso rotineiro pelo presidente americano de tarifas sob o pretexto de “emergência internacional” usurpa a autoridade do Congresso. Aparentemente, é preciso que é o Judiciário defenda as prerrogativas do Legislativo, porque os parlamentares — em especial os republicanos — estão amedrontados demais para fazê-lo por si sós.
O segundo mandato de Trump vem mostrando os limites dos tribunais em conter o uso (e abuso) de poderes pelo Executivo. Mesmo se a Suprema Corte ignorar as intimidações de Trump — ele advertiu os membros de que eles podem provocar a ruína econômica e ameaçou comparecer à audiência — e mantiver as decisões das instâncias inferiores, isso não necessariamente o conterá por muito tempo. Por meio do uso de outros dispositivos legais que permitem tarifas para evitar crises de balanço de pagamentos, promover a segurança nacional e punir práticas comerciais desleais, Trump teria condições de ressuscitar boa parte da atual muralha tarifária.
O Congresso poderia agir para conter essas medidas, mas, igualmente, seria necessária cooperação bipartidária para superar um veto presidencial. O Judiciário não tem como substituir o Legislativo.
A fragilidade da bancada republicana no Congresso diante de Trump não é novidade, mas neste caso é alarmante, dada a forma enfática como a Constituição dá ao Legislativo o controle sobre o comércio exterior. Está claramente lá, no Artigo I, segundo o qual o Congresso tem o poder de “impor e arrecadar impostos, tarifas e encargos” e de “regular o comércio com nações estrangeiras”.
Mais recentemente, o Congresso delegou parte desse poder ao Executivo, especialmente com a Lei de Comércio Exterior de 1974. Ainda assim, o Congresso exigia que o presidente obtivesse autorização para negociar acordos, às vezes gerenciava os mínimos detalhes do conteúdo e, tranquilamente, atrasava ou negava a ratificação mesmo após a assinatura.
Em 2007, o Congresso obrigou o então presidente George W. Bush a incluir alguns dos mais impalatáveis compromissos para os republicanos, de promoção de padrões trabalhistas e ambientais em acordos comerciais. Naqueles dias, contudo, a política de comércio exterior era conduzida por tratados preferenciais formais, legalmente de cumprimento obrigatório. A não ser pela atualização do acordo com México e Canadá em seu primeiro mandato, Trump prefere procurar quaisquer poderes executivos emergenciais que possa encontrar, o que exigiria do Congresso contê-lo ativamente. É algo no que o Congresso tem falhado miseravelmente.
Durante aquele primeiro mandato, um projeto de lei altamente diluído, de cumprimento não obrigatório, determinando que o presidente deveria buscar aprovação do Congresso antes de usar as chamadas tarifas de “segurança nacional” da Seção 232, chegou a passar no Senado, mas a liderança republicana na Câmara impediu que fosse sequer discutido.
Desde então, a resistência a políticas comerciais presidenciais arbitrárias não foi ajudada pelo fato de Joe Biden ter mantido boa parte da mesma patologia de Trump, como o uso da Seção 232 como uma falsa justificativa para levar a cabo um puro protecionismo. Também não ajuda que os democratas no Congresso tenham desenvolvido, ao longo das décadas, uma aversão visceral ao livre comércio.
Hoje, uma ressonância magnética metafórica do campo republicano no Congresso mostraria praticamente nenhuma evidência de coragem em seus ossos. A professora de direito comercial Jennifer Hillman ajudou a redigir um documento jurídico para a Suprema Corte em nome de membros do Congresso, expondo o absurdo do argumento do governo. Para os juízes concordarem com Trump, teriam de sustentar, mantendo a cara séria, que a palavra “regula”” pode ter significados totalmente diferentes dentro da mesma frase de um estatuto. E, embora o documento tenha sido assinado por mais de 200 senadores e deputados democratas, apenas uma única republicana fez o mesmo — Lisa Murkowski, senadora do Alasca, que, de qualquer forma, considera deixar a bancada republicana e tornar-se independente.
Outros documentos enviados ao tribunal opondo-se à posição de Trump foram assinados por uma longa lista de nomes republicanos do passado, incluindo ex-senadores. No entanto, parece que a coragem republicana tem alta correlação com a aposentadoria ou com sua proximidade. Entre os cinco republicanos que votaram contra as tarifas ao Brasil nesta semana, dois (Mitch McConnell e Thom Tillis) já anunciaram que não voltarão a concorrer. A ampla maioria de seus colegas permaneceu docilmente em silêncio.
Desde que foi eleito, apenas duas forças realmente fizeram Trump recuar em sua campanha tarifária: os mercados de ações, que entraram em queda livre após ele anunciar as tarifas em abril, e a ameaça de retaliação da China, mais notavelmente suas restrições à exportação de terras raras. Os “pais fundadores” dos EUA, que escreveram a Constituição, provavelmente nunca imaginaram que os investidores em Nova York e o Partido Comunista Chinês se tornariam os freios e contrapesos mais eficazes ao Executivo dos EUA, mas é exatamente aonde chegamos.
Não se engane: a decisão da Suprema Corte sobre as tarifas de Trump é um momento de enorme importância, com implicações sobre o Executivo que vão muito além deste caso em particular. No entanto, o Judiciário, por si só, não é capaz de levar a política comercial de volta ao reino da normalidade constitucional. Isso depende da reafirmação da autoridade do Congresso, a quem o poder sobre tarifas foi originalmente concedido, e que deliberadamente o deixou escapar.
Fonte: Valor Econômico