Por Alex Ribeiro, Valor — São Paulo
11/01/2024 10h27 Atualizado há 20 horas
Depois de assinar duas cartas abertas explicando o estouro do teto das metas de inflação, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pode enfim celebrar o cumprimento do limite máximo estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Sem o forte aperto monetário, a inflação não teria caído a 4,62% ao ano em 2023, segundo dados divulgados nesta manhã pelo IBGE. Ficou acima da meta central, de 3,25%, mas dentro do intervalo de tolerância, que vai até 4,75%.
Mas não teria sido possível ficar dentro dos limites sem uma dose de sorte, com o recuo de preços de alimentos e do petróleo e desaceleração do avanço de preços de bens industriais.
Também não há estabilidade monetária sem a ajuda do resto da política econômica. Apesar de ser crítico vocal da política monetária austera, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi o principal aliado do BC dentro do governo na defesa de políticas que facilitaram a queda da inflação.
Há um ano, mesmo após os juros básicos terem sido elevado à máxima de 13,75% ao ano, os analistas do mercado estavam céticos sobre o cumprimento da meta. Falava-se em perda de eficácia da política monetária para conter a inflação. Alguns diziam que a economia entraria em dominância fiscal, quando a situação das contas publicas é tão critica que altas de juros aumentam a inflação, em vez de baixar.
Os economistas vinham aumentando as projeções para a inflação em 2023, que chegaram perto de 6% em fins de abril, diante dos riscos fiscais e ameaças de mudar a meta de inflação de longo prazo, de 3%, que passa a valer a partir deste ano.
A virada começou, principalmente, a partir de meados de maio, quando os preços internacionais começaram a ceder com mais força e o governo apresentou a sua proposta de arcabouço fiscal. Um momento crítico ocorreu no encontro do CMN de junho de 2023, na definição a meta de inflação.
O governo chegou a apresentar uma proposta de adotar um objetivo maior que os 3% então em vigor. Diante da forte resistência de membros do Comitê da Moeda e do Crédito (Comoc), que dá assessoria técnica ao CMN, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, interrompeu a reunião para pedir carta branca ao presidente Lula para não mudar a meta de inflação.
A correção nos rumos da política fiscal em 2023 tinha um grande potencial inflacionário, já que incluía a volta da cobrança de impostos nos preços dos combustíveis, que haviam sido cortados pelo governo Bolsonaro no período eleitoral.
Esse foi um dos pontos em que a sorte ajudou. A cotação média do internacional do petróleo brent, que chegou a US$ 101 dólares o barril em 2022, caiu a US$ 83 em 2023. Em fins de abril, os analistas do mercado esperavam que a inflação de preços administrados ficasse em 10,8%. Nos dados fechados hoje, ficou um pouco menor, em 9,12%.
Os preços dos alimentos também deram uma ajuda considerável. Em fins de abril, o mercado chegou a projetar uma inflação de 4,3% em preços de alimentos. Os dados do fechamento do ano registram uma deflação de 0,75%.
Outra contribuição muito importante veio dos preços de bens industriais, que ao final do ano avançaram 1,09%, ante uma previsão e 3,75% nos períodos de maior pessimismo.
O fato mais notável, porém, é a queda dos núcleos de inflação (a média ficou em 4,34%, considerando os núcleos preferidos pelo BC), em particular a chamada inflação subjacente de serviços (ficou em 4,84%).
São indicadores que sugerem que a desinflação ocorrida em 2023 deve se sustentar ao longo do tempo, e não se deve a oscilações pontuais em alguns preços.
Três fatores contribuíram para a queda dessa chamada inflação subjacente: as expectativas ficaram menos desancoradas, a inércia inflacionária diminuiu e a política monetária começou a fazer efeito para desacelerar a atividade econômica.
A manutenção da meta de inflação fez com que as expectativas de longo prazo do mercado para a variação do IPCA caíssem do pico de 4% para 3,5%. Seguem acima da meta, mas, quando menor o desvio da expectativa em relação à meta, mais fácil a tarefa do Banco Central para desacelerar o avanço de preços na economia sem recorrer a uma recessão.
Os vários choques positivos que ocorreram em alimentos, preços de petróleo e bens industriais fizeram com que a inflação acumulada em 12 meses se reduzisse para perto de 3% em meados do ano passado (com a ajuda do corte de impostos em 2022). Isso levou a menores reajustes de preços indexados à inflação anterior (a chamada inércia inflacionária), como os aluguéis.
Por fim, a economia está se desacelerando, por ora num pouco suave, depois de surpreender positivamente no primeiro semestre. No terceiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 0,1%, embora o consumo ainda se expanda com taxas robustas e a taxa de desemprego se encontre no menor nível em dez anos. A atividade mais fraca ajuda a baixar os preços dos serviços.
Apesar de a inflação ter ficado abaixo do teto da meta, fechou bem distante do centro do objetivo, de 3,25% em 2023. As projeções do Banco Central indicam que vão chegar ao centro da meta de longo prazo, de 3%, apenas em meados do ano que vem. Os analistas do mercado acham que isso não vai ocorrer nos próximos anos.
É um ponto de debate se o governo e o próprio Banco Central poderiam ter feito mais para assegurar o cumprimento do centro da meta. O longo período de inflação alta pode aumentar o custo de desinflação.
No caso do governo Lula, em 2023 houve uma grande expansão fiscal, com aumento de gastos e transferências, que jogou na contramão dos esforços desinflacionários.
Já o Banco Central começou a cortar os juros em agosto, com um movimento mais forte do que o esperado pelo mercado, sem que as suas projeções de inflação e as expectativas de inflação estivessem dentro da meta.
O argumento em favor do BC e do governo é que, com uma velocidade mais rápida do que muitos esperavam, a luta contra o surto inflacionário da pandemia está avançando, com prejuízos até agora contidos na atividade econômica e mercado de trabalho.
Fonte: Valor Econômico

