Foi com uma revisão significativa para baixo do crescimento econômico, que se estendeu ao longo de todo o horizonte de projeção, que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) se alinhou à sensação que já reinava nos mercados financeiros sobre o desempenho futuro da economia dos Estados Unidos. Os riscos de uma recessão foram, grosso modo, minimizados pelo presidente do Fed, Jerome Powell, mas o reconhecimento de que a incerteza aumentou de forma relevante mostrou que os mercados não estão sozinhos e que o caminho sobre o que virá à frente está cada vez mais nublado.
Nos últimos dias, diversas instituições já vinham revisando para baixo as expectativas para o crescimento dos EUA. Na terça, o Deutsche Bank se antecipou, ao cortar a projeção para o PIB do primeiro trimestre de forma bastante agressiva, de 2,5% para 1,5% em base anualizada, com o ano fechando em alta de 2,3%. O Fed já não esperava uma expansão da economia tão forte em 2025 (2,1%), mas cortar a projeção para 1,7% ligou o sinal de alerta, sobretudo diante de uma inflação bem mais alta: o núcleo do deflator de gastos com consumo (PCE) deve ficar em 2,8%.
Não passa despercebido assim o comunicado do próprio Fed. Com crescimento mais fraco que o esperado e uma inflação bem mais pressionada no curto prazo, não foi mais possível para o banco central manter o apontamento de que os riscos para atingir as metas de emprego máximo e de inflação estavam em equilíbrio. Na prática, o aumento da incerteza tomou o lugar do equilíbrio econômico não somente no comunicado, mas também nas próprias indicações sobre os rumos da economia.
E é nesse ambiente que os temores em torno de uma estagflação nos EUA têm aumentado. “Ainda é cedo para dizer”, nota o profissional de uma consultoria, enquanto uma importante asset global avalia que há uma “sensação estagflacionária” derivada das revisões nas projeções de crescimento e inflação, que foram em direções contrárias. Com o Fed de mãos atadas já em março e sem definição concreta sobre o rumo dos juros, a volatilidade tende a aumentar nos mercados, o que pode agravar ainda mais a sensação de incerteza na economia americana, ao menos enquanto o desempenho da atividade não dá sinais mais concretos sobre sua direção.
Curiosamente, mesmo ao manter os juros parados, o próprio Fed pode dar algum fôlego extra à atividade econômica, ainda que, pelos apontamentos de Powell, essa não seja a intenção. Embora tenha apontado que a redução mais lenta do balanço patrimonial não deveria ser encarada como uma ferramenta de política monetária, Powell, na prática, deu sustentação renovada às bolsas. No momento em que o Fed passa a deixar vencer uma quantidade menor de Treasuries por mês a partir de abril, a pressão sobre os rendimentos dos títulos do Tesouro também passa a ser sensivelmente menor.
Isso foi refletido no comportamento dos mercados, com um alívio relevante nas condições financeiras, que se traduziu na valorização das bolsas de Nova York e em uma queda das taxas dos Treasuries. O juro de dois anos, inclusive, se afastou da casa dos 4% durante a tarde e os mercados acionários americanos, que foram duramente penalizados nas últimas semanas, encontraram algo para se agarrar após a liquidação recente.
É cedo, no entanto, para cravar que a recuperação desta quarta dos mercados em Wall Street tende a ser duradoura. Powell, inclusive, enfatizou que o banco central não pode focar somente nos movimentos de curto prazo dos ativos financeiros. No entanto, também se faz presente a observação de que a piora recente do mercado, especialmente a queda das bolsas americanas, levou o índice de condições financeiras dos EUA elaborado pelo Goldman Sachs ao nível mais alto desde abril de 2024, o que sugere um aperto forte em um momento de incerteza renovada.
Powell enfatizou que continua confiante de que a autoridade monetária está “bem posicionada para se mover na direção em que precisar se mover”. No entanto, a falta de segurança do próprio banco central americano sobre os rumos da economia mantém nubladas as perspectivas econômicas, na medida em que a questão-chave, agora, ainda é a política tarifária de Donald Trump e a reação dos países afetados — na prática, o Fed é incapaz de clarear o caminho que deve ser seguido à frente, o que mantém aberta a porta para maior volatilidade e instabilidade nos mercados.
No entanto, é de se perguntar se o movimento que tem sido visto até agora, de saída de ativos americanos para mercados de outros países — o que tem beneficiado muito os ativos brasileiros até agora —, terá continuidade caso as incertezas nos EUA aumentem ainda mais.
Fonte: Valor Econômico

