O humor dos mercados com a economia dos Estados Unidos mudou rápido. É verdade que alguns sinais que apontavam para uma desaceleração já eram vistos há algum tempo, mas foram todos deixados em segundo plano. Até que novos alertas foram emitidos, todos em um intervalo muito curto de tempo, e o resultado é um movimento que afeta em cheio os ativos de risco desde quinta-feira passada, em um ambiente no qual muitos agentes se questionam se o Federal Reserve (Fed) deixou os juros muito altos por mais tempo que o necessário.
Com as bolsas de Nova York renovando recorde atrás de recorde, os investidores já precificavam a “perfeição” — que não veio. Nos balanços referentes ao segundo trimestre, as “big techs”, que têm comandado o rali dos mercados de ações americanos, decepcionaram. Tesla, Alphabet, Intel…
Se no campo microeconômico, a pulga já estava atrás da orelha dos investidores, a desconfiança em torno dos rumos da economia americana aumentou ainda mais após o bastante respeitado William Dudley, ex-presidente da distrital de Nova York do Fed, mudar de visão abruptamente e defender que o Fed deveria começar a reduzir os juros já. O artigo de Dudley na “Bloomberg”, em 24 de julho, poucos dias antes da decisão de política monetária do banco central americano, aumentou a apreensão entre os investidores, mas sem grandes efeitos, já que o discurso oficial dos dirigentes do Fed, até aquele momento, era o de cautela na condução dos juros.
Na decisão do Fed, os holofotes se voltaram ao presidente Jerome Powell e à sinalização de que um corte nos juros em setembro estava sobre a mesa. No entanto, o apontamento de Powell de que uma redução nas taxas já havia sido discutida na reunião de julho não passou incólume. Afinal, por que os dirigentes do Fed teriam discutido reduzir os juros já agora sem uma sinalização prévia ao mercado?
A atenção dos investidores, assim, se voltou ainda mais aos dados econômicos. E, na quinta-feira após a decisão do Fed, duas surpresas negativas: os pedidos semanais de seguro-desemprego subiram acima do esperado, em um sinal adicional de perda de força do mercado de trabalho; e o índice de atividade industrial dos EUA, medido pelo ISM, mostrou um setor ainda mais imerso em território de contração em julho. Mais do que isso: o subcomponente de emprego do indicador caiu a níveis não vistos desde a pandemia…
Assim, os sinais microeconômicos, que já apontavam algum sinal de alerta, se somaram aos sinais macroeconômicos, que se intensificaram na sexta-feira, com o relatório de empregos (“payroll”) de julho bem mais fraco que o esperado. A criação de postos de trabalho abaixo das expectativas chamou a atenção, mas foi a surpreendente alta da taxa de desemprego, de 4,1% para 4,3%, que ligou o sinal de pânico nos mercados.
O aumento do desemprego deixou a “regra de Sahm”, que relaciona o ritmo de alta da taxa de desemprego com a chance de contração da economia americana, próxima de ser acionada. Pela regra, quando a média móvel de três meses da taxa de desemprego supera em 0,5 ponto percentual a taxa mínima de desemprego nos últimos 12 meses, um gatilho de recessão é acionado.
E, com a “regra de Sahm” embaixo do braço e os sinais de alerta que haviam sido acionados anteriormente, o mercado partiu para uma forte correção nos preços dos ativos. As bolsas foram as que mais sofreram, com fortes perdas, sobretudo em papéis de empresas de tecnologia, que lideraram os ganhos em Wall Street até este momento. A volatilidade disparou e a busca por ativos seguros, como os Treasuries, o iene e o franco suíço, também aumentou.
Além disso, o desempenho do mercado japonês assustou, inclusive com acionamento de “circuit breakers”, em meio a um processo de enxugamento de liquidez e de aperto monetário de uma economia que vem há mais de dez anos apoiada em amplos estímulos monetários. A valorização do iene tem provocado há semanas um desmonte de operações de “carry-trade”, em que o que afeta em cheio o real, o peso mexicano e o dólar australiano. Nessas operações, os investidores tomam emprestado recursos em países em que os juros são baixos e os aplicam naqueles em que as taxas são mais altas, para ganhar com a diferença.
Dado esse panorama, os economistas de mercado continuam a avaliar como “baixa” a chance de uma recessão nos EUA, mas observam que é crescente. Nas contas do Goldman Sachs, a probabilidade de uma recessão na economia americana acontecer nos próximos 12 meses aumentou e está em 25%. O risco é limitado, na visão do banco, não somente pelos dados ainda estarem no campo positivo — houve criação de postos de trabalho em julho e o setor de serviços segue em expansão —, mas também porque o Fed tem margem para reduzir os juros e pode fazer isso rapidamente se for necessário para apoiar a economia.
Seria, porém, uma “mudança notável” na narrativa do Fed para a condução da política monetária, como aponta Mohamed El-Erian, ex-CEO da Pimco, ao dizer que cortes de 0,5 ponto nos juros, como o mercado começa a precificar, precisariam ser acompanhados por uma revisão drástica das projeções econômicas do próprio banco central.
Ao menos até o momento o Fed não tem dado sinais de que fará isso. A semana, porém, não tem declarações previstas de membros importantes da diretoria, como Powell, do vice-presidente Philip Jefferson, do diretor Christopher Waller ou de John Williams, que comanda a distrital de Nova York
O resultado acima do esperado da atividade de serviços do ISM de julho já ajudou a amenizar as perdas dos ativos de risco. Mas o ambiente segue negativo, em um sinal de que a qualquer novo sinal de desaquecimento econômico o mercado pode elevar a pressão por uma ação do Fed.
Fonte: Valor Econômico

